Após encerrar a invencibilidade histórica em Olimpíadas da tricampeã Kerri Walsh e sua incrível sequência de 26 vitórias no vôlei de praia, desde Atenas 2004, Ágatha e Bárbara Seixas têm pouco tempo para virar a chave. Em sua estreia nos Jogos, a paranaense e a carioca, atuais campeãs mundiais, foram impecáveis na semifinal diante das americanas, cotadas como favoritas no Rio. E colocaram o Brasil em uma final olímpica depois de 12 anos, quando Adriana Behar e Shelda perderam justamente para Walsh e sua ex-parceira, Misty May. Na final, nesta quarta-feira, às 23h59 (de Brasília), Ágatha e Bárbara medem forças com as alemãs Laura Ludwig e Kira Walkenhorst, algozes de Larissa e Talita na outra semifinal.
– A gente ainda não realizou o feito, que foi criar uma derrota pra uma jogadora que nunca perdeu na Olimpíada. Mas a gente não focou nisso. Nosso objetivo foi sempre focar em nós duas, porque a gente sabia que, se a gente entrasse nesse favoritismo, já começava perdendo. A gente ia criar um monstro do outro lado. Vamos focar no nosso, e só assim a gente vai ter chance de ganhar. Isso foi a primeira coisa, para depois focar na tática, na técnica. Foi nosso melhor jogo contra elas, e aqui na Olimpíada, a gente está crescendo em cada jogo, aumentando o nosso nível de concentração e assertividade. Isso está fazendo a diferença – comentou Ágatha.
– Temos um trabalho “tchan” com a nossa psicóloga. Começou em 2013. Isso faz muita diferença, e a gente entra dentro de quadra sabendo qual a postura, qual o nível de concentração que a gente precisa, e ativar isso em todo jogo é muito difícil, manter o nível de agressividade em um campeonato de mais de 10 dias. Imagina você passar o dia inteiro pensando no teu jogo que é à meia noite. Você acorda pensando nele. Conseguir manter a calma durante o dia, para chegar aqui e ainda ter esse foco e conseguir se blindar, sabendo do outro lado tem a Walsh, com todo o favoritismo para elas. Até entendo o nível de reportagem em cima dela, acho natural, mas a gente tinha que lutar contra isso. A gente se blindou e trabalhou bem o psicológico – completou.
Juntas desde 2011, Ágatha e Bárbara formam uma das parcerias mais entrosadas da atualidade. Em sintonia fina dentro e fora da quadra, as atletas, bicampeãs brasileiras (2012/2013 e 2013/2014), fazem parte de uma grande família. O técnico, Ricardo de Freitas, é marido de Babi, e o preparador físico, Renan Rippel, é casado com Ágatha. A equipe técnica da equipe tem 10 membros, dentre eles, uma psicóloga que as acompanha há três anos, Maíra Ruas, responsável por ajudar na parte emocional e mental das jogadoras. O irmão da carioca, Ricardo Seixas, também integra a comissão como analista de vídeos.
– O convívio é intenso, mas é legal. Tem seus pontos, pois a convivência é extrema e é preciso haver um profissionalismo muito grande, o que existe na nossa equipe. Sabemos separar muito bem isso. Mas, por termos intimidade, não tem essa passa a mão na cabeça. Pega mais no pé. Mas é legal porque você divide os sonhos, os mesmos objetivos e entende a rotina um do outro, que é muito desgastante. E é muito bom dividir com a família este sonho – contou Bárbara.
O Brasil é o país com mais medalhas nas areias em Olimpíadas. Depois de Atlanta 1996, ao menos uma medalha é conquistada a cada edição. São 11 no total, sendo duas de ouro, seis de prata e três de bronze. Alison e Bruno Schmidt, classificados para a final masculina, nesta quinta-feira, às 23h59, já garantiram mais uma. Outras representantes do país na disputa, Larissa e Talita podem levar outra, na briga pelo bronze, nesta quarta-feira, às 22h.
– Temos de virar a chave e se preparar muito porque as alemãs formam um time muito perigoso, principalmente, por terem derrotado outro time do Brasil, apontado como um dos melhores do mundo. Temos de estar atentas. Já as enfrentamos, ganhamos e perdemos. Não tem essa de encaixar muito um jogo com o outro, e sim de encaixar uma boa tática através de estudo, preparação e estatísticas. Antes de entrar em quadra, é preciso saber o que fazer – avaliou Babi.
O primeiro ouro de Ágatha e Bárbara veio em 2014, no Open de Puerto Vallarta, no México, no ano em que a dupla terminou na vice-liderança do ranking. Na temporada seguinte, a carioca e a paranaense foram ao auge com os títulos do Open de Praga, do Grand Slam de St. Petersburgo e o Campeonato Mundial da Holanda. Sagraram-se campeãs do Circuito Mundial e mostraram todo a sua força em busca de uma medalha olímpica em sua estreia nos Jogos. Desde que uniram as forças, elas têm feito um trabalho degrau a degrau.
– Quando a gente se juntou, foi uma coisa muito aos pouquinhos, refinando, objetivos a curto prazo, e uma coisa que a gente valoriza muito é essa jornada, Se a gente coloca uma meta muito distante, você pode se atropelar no processo das coisas. O fato de termos construído o passo a passo, a escadinha, deu mais sustança ao time crescimento – contou a carioca.
Ágatha deu os primeiros passos no esporte no vôlei de quadra em 1992, em Paranaguá (PR), um lugar e sem praia. Migrou para as areias em 2001 e nunca mais quis saber de outra coisa. A paranaense formou uma parceria com a campeã olímpica Sandra Pires em 2005, começou a faculdade de jornalismo, mas abandonou para se concentrar apenas no vôlei de praia. A aposta deu certo. Bárbara, por sua vez, sempre foi “rata de praia”. Depois de conhecer melhor o esporte em uma escolinha na Barra da Tijuca, a carioca despontou como uma das maiores promessas de sua geração quando conquistou o Mundial sub-19 em 2005 e o bicampeonato mundial sub-21 em 2006 e 2007. Jogou na Turquia e voltou ao Brasil, tornando-se uma das principais atletas do país.
No auge da carreira, a carioca e a paranaense esperam escrever o nome na história com o tão sonhado ouro olímpico. Em busca do lugar mais alto do pódio, elas esperam contar outra vez com o apoio da torcida para superar pelo as alemãs, que também vem de uma ótima campanha..
– A torcida está sensacional em todos os nossos jogos. Quando entramos na quadra, pensamos só em fazer o nosso. Esse time estava engasgado para muita gente, inclusive, para nós, que jogamos algumas vezes contra elas e o nosso histórico era de mais derrotas do que vitórias. Mas isso foi bom para mantermos uma atenção a mais e funcionou. Não pensamos: “Ah vamos ganhar deste time porque está entalado para ciclano ou beltrano”. Temos de focar nas nossas ações. Taticamente, jogamos muito bem, dificultamos e mostrando que quando fazemos bem o que treinamos, não importa com quem você joga, você pode fazer jogo duro com qualquer time, não importa o histórico ou o favoritismo – analisou Bárbara.
Assim como Bárbara, Ludwig tem se destacado pelas defesas espetaculares e ataques potentes. Kira, por sua vez, também vem sendo muito eficaz no bloqueio. A dupla da Alemanha perdeu apenas um set na competição e conseguiu a classificação através do ranking olímpico, onde figuravam em quarto lugar. Elas são as atuais líderes do Circuito Mundial de 2016 e, como não podem mais ser alcançadas, serão declaradas campeãs pela Federação Internacional de Vôlei (FIVB) na última etapa da temporada,m em Long Beach, na Califórnia, nos Estados Unidos.
Quando a melhor dupla de todos os tempos chegou ao fim, nos Jogos de Londres 2012, com a aposentadoria de Misty May-Treanor, Kerri Walsh sabia que teria de encontrar uma nova parceira. Foi encontrar justamente do outro lado da rede. Após enfrentar April Ross na final olímpica, Walsh a encontrou em outro momento e lançou o desafio: “Vamos buscar o ouro no Rio”. As duas começaram a treinar e logo formaram um dos melhores times do mundo. Agora, as americanas precisam se reinventar para se despedir com um pódio olímpico. Walsh conta que sequer ouviu as vaias da torcida, apenas a energia do público. Desolada após a sua primeira derrota da carreira em Olimpíadas, a americana de 38 anos não escondeu o abatimento.
– Não escutei uma vaia que seja. Não sabia o que estava acontecendo, apenas senti a energia e isso é positivo. São fãs do esporte, eu apenas queria ter vencido. O sentimento (da primeira derrota em Olimpíadas) é terrível – lamentou.
A Rio 2016 é a quinta Olimpíada no currículo de Walsh, que competiu em Sydney 2000 a sua primeira, no vôlei de quadra, terminando em quarto lugar. Esta será a sua quarta vez no vôlei de praia e, desde Atenas 2004, passando por Pequim 2008 e Londres 2012, ela nunca perdeu uma partida sequer. Ao lado de May, sua parceira por 11 anos nas areias, a americana de 38 anos conquistou o tricampeonato olímpico, e uma impressionante sequência de 21 vitórias.
Walsh chegou a 26, somando as disputas com April, de 36 anos, em sua segunda participação nos Jogos, depois de faturar a medalha de prata ao lado de Jennifer Kessy em Londres. A dupla se uniu em 2013 e foi logo alçada ao posto de favorita nos Jogos Olímpicos. Mas, um susto, em julho do ano passado, por pouco não as deixou fora do Rio. Kerri deslocou o ombro direito justamente em um jogo contra Ágatha e Bárbara Seixas. Mesmo machucada, a americana alcançou a vitória. Precisou se submeter a uma cirurgia, foi dúvida, mas, se recuperou a tempo. Só não contava em encontrar a potência verde e amarela para dar fim ao histórico de vitórias.
Se quiser subir ao pódio, terá de vencer Larissa, uma velha conhecida. A capixaba, que ficou nove anos ao lado de Juliana e se aposentou após Londres 2012, voltou movida pelo sonho do ouro olímpico. Fechou a parceria com Talita em 2014 e a sintonia entre as duas ficou nítida logo nas primeiras etapas que disputaram no Circuito Mundial. Elas foram campeãs de quatro etapas seguidas naquele ano (Áustria, Polônia, Brasil e Argentina) e também venceram o Circuito Brasileiro de 2014/2015, com títulos em sete das nove etapas disputadas.
No ano passado, Larissa e Talita somaram seis ouros no Circuito Mundial, inclusive no World Tour Finals, que reúne as melhores equipes da temporada. A capixaba e a sul-mato-grossense de Aquidauana ficaram 61 partidas sem perder em 2015. Por esta razão, a frustração em parar nas semifinais foi algo difícil de ser digerido. Porém, Talita deu o mérito da vitória para as alemãs e espera voltar ainda melhor para a disputa da medalha de bronze.
– Elas mereceram, vão jogar a final. Isso não quer dizer que pra nós acabou. A medalha é a motivação. Eram sete finais, perdemos uma, mas tem outro jogo. Essa torcida merece. E não é só por eles: é por nós, por quem está com a gente. É fácil achar motivação. Não é difícil, não. – Há uma frustração. É uma frustração grande. Mas isso não acaba com o que construímos e ainda vamos construir. Quando tem uma derrota, tem que partir para a próxima. Não quer dizer o fim: quer dizer que alguém foi melhor do que você naquele dia. Elas hoje foram melhores e mereceram. É um time bom, que está em boa fase, e tiveram todo o mérito. Não jogamos tão bem. No primeiro set, a gente estava dominando, jogando bem, e deixamos que elas dominassem. O esporte é feito de vitórias e derrotas.
Fonte: Globo.com