Legenda: Uruburetama teve três gestores em quatro anos
Foto: Kilvia Muniz

Se eleições, normalmente, já criam desavenças na população, em algumas cidades do interior do Ceará o cenário é ainda mais delicado. Tais municípios enfrentaram, nos últimos anos, momentos turbulentos. Há cidade com ex-prefeito sendo acusado de abusar sexualmente de dezenas de mulheres.

Em outro, o chefe do Executivo municipal foi assassinado e os suspeitos são seus antigos aliados. E há ainda cidade em que o prefeito foi impedido de assumir e, após duas eleições suplementares, voltou a ocupar o mandato.

As mudanças acabam assustando os eleitores, que se dizem perdidos e desacreditados com tantas trocas de gestões. Porém, no próximo domingo (15), eles terão de decidir em quem irão votar, e conhecerão o novo prefeito ou nova prefeita, na esperança de estabilidade ao menos pelos próximos quatro anos. O Sistema Verdes Mares visitou essas cidades e mostra o clima na reta final da disputa.

“Dr. Assédio”

Em Uruburetama, a 114 quilômetros de Fortaleza, a instabilidade política ganhou projeção nacional e envolveu até assédio sexual de dezenas de mulheres. Desde julho do ano passado, a cidade teve três pessoas à frente da Prefeitura Municipal.

À época, o então prefeito, o médico Hilson de Paiva, foi afastado após acusações de estupro de vulneráveis. As denúncias, reveladas pelo Sistema Verdes Mares, vieram acompanhadas de mais de 60 vídeos feitos pelo próprio prefeito durante consultas ginecológicas, quando ele assediava as pacientes. Hilson de Paiva foi afastado da Prefeitura e preso. Atualmente, cumpre prisão domiciliar.

Após o afastamento, ele foi sucedido por Artur Nery (PSD), então vice-prefeito, mas que rompeu com o ex-aliado, a quem passou a fazer oposição. Em maio deste ano, Nery foi diagnosticado com Covid-19 e precisou ser hospitalizado. Ainda assim, o prefeito em exercício continuou despachando. Após dois meses, Stela Rocha (MDB), presidente da Câmara do município, ex-aliada do ex-prefeito Hilson de Paiva, denunciou ao Ministério Público do Ceará (MPCE) vacância do posto de prefeito e supostas falsificações em assinaturas do gestor.

Stela conseguiu na Justiça o direito de chefiar o Executivo da cidade. Agora, ela disputa a reeleição, com apoio da família de Hilson de Paiva mesmo após anunciar o rompimento, e tem como adversários Branco do Angelim (PT) e Eduardo David (PL).

O cenário turbulento acabou “desgastando a imagem política da cidade”, como relatam alguns moradores. “Foram muitos escândalos, a população não acredita mais na velha política, quer renovar por completo”, afirma o mototaxista Charles Júnior, 38.

Para o empreendedor Anastácio Sales, 63, o clima em Uruburetama é até “calmo”, se comparado aos últimos anos. “Ninguém esqueceu nem vai esquecer (o caso de abuso sexual), foi muito ruim para nossa cidade, a imagem ficou péssima”, disse.

O cenário local é de desconfiança e incerteza sobre quem vai assumir o município pelos próximos quatro anos e governar sem gerar mais polêmicas.

Procurado pela reportagem, o promotor de Justiça Marlon Welter, responsável pela promotoria de Justiça de Uruburetama, preferiu não comentar.

Descrença

Para o cientista político Cleyton Monte, professor universitário e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem),da Universidade Federal do Ceará (UFC), condutas criminosas de políticos criam inseguranças e fazem a população ficar descrente com a política.

“A política sempre mexe muito com a esperança, a expectativa e os sonhos das pessoas, por isso elas votam, buscam mudanças. Quando escândalos são revelados, as pessoas perdem a confiança, cria-se um desinteresse”.

Para ele, a “democracia perde o sentido” quando a população desconfia das instituições. “Além do distanciamento, acaba criando um processo de demonização da política, que é pior. O cidadão passa a trabalhar com a ideia de que todo mundo é do mesmo jeito”, afirma.

Quatro prefeitos

Tianguá, que fica a 320 quilômetros de Fortaleza, também viveu momentos de instabilidade. Chapa liderada pelo médico Luiz Menezes (PSD) venceu as eleições de 2016, mas dois anos depois ela ficou inelegível.

Assumiu a prefeitura Valdeci Vieira (PR), presidente da Câmara Municipal, para um mandato-tampão, até que novas eleições fossem realizadas, em junho de 2018. No pleito, a população elegeu Jaydson Saraiva (PTB), mas o novo prefeito também teve o diploma cassado em agosto daquele ano com base na Lei da Ficha Limpa.

Desta vez, quem assumiu foi Cléber do Adautim, presidente da Câmara, até as eleições suplementares, realizadas em outubro de 2019.

O prefeito eleito da cidade foi novamente Luiz Menezes. Desta feita, o gestor disputa a reeleição. Contra ele, concorrem Dr. David (PSB), João Carlos (PTC) e Luís Paixão (Cidadania).

Na cidade, o clima da população é de desconfiança. Segundo o empresário Bianor Teles, 25, o município “parou” nos últimos anos.

“Estamos inseguros. Vamos votar desmotivados”, lamentou. A estudante Ana Carolina de Lima, 18, vai à urna pela primeira vez neste ano. “Minha expectativa é de que quem for eleito fique os quatro anos, dê algum andamento na cidade”, disse a eleitora.

Expectativa semelhante tem o promotor eleitoral da cidade, Hygo Cavalcante. “Esperamos que desta vez não haja problema, porque o prejuízo é enorme para a administração pública e para a continuidade dos trabalhos”, disse Cavalcante, ao pontuar que a mudança de gestão acaba trazendo prejuízos à população tendo em vista a troca de toda a equipe administrativa do município.

“Por um lado, temos a instabilidade que isso causa, mas, por outro, a população vê que quem descumpre a legislação eleitoral está sendo vigiado e punido”, pondera o juiz eleitoral Bruno dos Anjos, que atua em Tianguá.

Prefeito assassinado

Disputas internas na chapa vencedora das eleições de 2016 colocaram a cidade de Granjeiro, a 486 quilômetros da Capital, em uma instabilidade política que envolveu até a morte do prefeito. João do Povo (PSB) foi eleito com 52,4% dos votos nas últimas eleições municipais ao lado do vice, Ticiano Tomé (PSDB). O prefeito, no entanto, foi assassinado em 24 de dezembro de 2019, enquanto caminhava na parede do Açude Junco. O então vice acabou assumindo o posto três dias após o crime.

Contudo, à época, já recaíam sobre ele e seu pai, Vicente Félix de Souza (Vicente Tomé), suspeitas de que seriam os mandantes do homicídio. As investigações apontaram que Ticiano intimidava testemunhas para dificultar a apuração do caso. Pai e filho foram presos em julho de 2019 junto com outros dez suspeitos de envolvimento com o crime.

Atualmente, a chefia do Executivo da cidade é ocupada por Luiz Márcio Pereira, presidente da Câmara Municipal. Ele apoia Chico Clementino (PSDB) e Kléber Farias (PL), candidatos a prefeito e vice. O tucano era aliado de João do Povo. Também concorrem Fabiano de Raimundo Branco (MDB), como prefeito, e Francisco Alves Pereira, como vice-prefeito.

Em nota, a Promotoria da 62ª Zona Eleitoral informou que o crime ocorrido em dezembro de 2019 em Granjeiro trouxe o receio de que novos episódios de violência pudessem se repetir durante o pleito eleitoral 2020. “No entanto, isso não foi observado na prática. A Promotoria constata que o acirramento político local ainda existe, mas se trata de algo comum nas eleições municipais”, concluiu.

Eleições em cidades com instabilidades políticas: em Uruburetama, prefeito é acusado de assédio. Tianguá teve quatro prefeitos em dois anos. Em Granjeiro, chefe do executivo foi assassinado.

Eleitorado

O município de Uruburetama tem 16.414 mil eleitores aptos a votar, de acordo com a Justiça Eleitoral. Em Tianguá, ao todo, 52.391 pessoas devem ir às urnas no próximo domingo (15). Já em Granjeiro, 5.636 eleitores estão regularizados e aptos a votar.

Eleições suplementares

Desde 2018, foram realizadas nove eleições suplementares no Ceará. Só em 2019, além da população de Tianguá, foram às urnas: Aracoiaba, Irauçuba e Cascavel.

 

Nordeste Notícia
Fonte: Diário do Nordeste

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