Uma rota importante e conhecida há anos pelas principais quadrilhas do tráfico internacional de drogas, o Ceará foi apontado, em fevereiro deste ano pelo ministro da Justiça, Torquato Jardim, como “centro geográfico para o crime organizado”. Diante do avanço das facções criminosas no Estado, em uma guerra que resultou em mais de cinco mil mortos somente em 2017, o promotor Lincoln Gakiya, do Ministério Público de São Paulo (MPSP), revelou, com exclusividade ao Diário do Nordeste, que o Ceará é o terceiro Estado do País com maior número de membros da facção paulista Primeiro Comando da Capital (PCC).

A informação foi repassada, em entrevista, na última sexta-feira (20), durante um evento nacional sobre o combate às organizações criminosas, realizado em Fortaleza, do qual o promotor participou. Gakya afirmou que com cerca de 2.500 integrantes ‘batizados’, o Ceará fica atrás apenas dos estados de São Paulo (com 10.400) e Paraná (com 2.700).

Apesar da importância do Ceará, a terceira colocação é justificada por São Paulo ser o berço do PCC e, por isso, ter o maior número de membros no País. A partir de lá, a facção se expandiu para outros estados do Brasil e países vizinhos. A importância do Paraná para a organização está diretamente ligada à posição geográfica do Estado no momento atual da disputa pelo domínio no narcotráfico. Situado na tríplice fronteira (Brasil/Paraguai/Argentina), o Paraná é uma das principais rotas de armas e drogas da organização.

Para o representante do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público paulista, que já liderou várias ações contra a maior organização criminosa do Brasil, a explicação para os números é comercial. “O crime procura oportunidades de negócios. No caso específico do Ceará me parece que eles encontraram essa oportunidade. Tanto é que os dois bandidos mais procurados de São Paulo, Rogério Jeremias de Simone, ‘Gegê do Mangue’ e Fabiano Alves de Souza, o ‘Paca’ estavam aqui com a família, com documentos falsos daqui do Ceará, aplicando em imóveis, automóveis e outros negócios, sem despertar qualquer suspeita e com o apoio de outras lideranças do PCC”.

Luxo

Uma das lideranças era Claudiney Rodrigues de Souza, o ‘Cláudio Boy’, 36. Preso em São Paulo pela Polícia Federal dias depois das mortes de ‘Gegê’ e ‘Paca’, ele é apontado como um dos principais nomes da organização criminosa, em Minas Gerais, mas morava há mais de um ano em Fortaleza e tinha livre trânsito na alta sociedade cearense. Além de ‘Cláudio Boy’, outro integrante da facção também levava uma vida luxuosa em um condomínio de alto padrão no bairro Edson Queiroz, em Fortaleza.

Alguns moradores chegaram a desconfiar da origem do dinheiro do vizinho arredio, mas não imaginavam que estavam diante de Carlenilto Pereira Maltas, 39, citado por fontes ouvidas pela reportagem como a mais alta liderança do PCC vivendo livremente no Ceará, depois do assassinato de ‘Gegê’ e ‘Paca’.

Depois da descoberta de que três chefes da organização criminosa levavam vidas luxuosas no Estado, a Polícia Civil investiga a participação direta de Carlenilto na emboscada que resultou nas mortes dos chefes da facção. De acordo com o delegado Harley Filho, titular da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), o homem seria uma das seis pessoas que estavam no helicóptero e foram levadas para a reserva indígena, em Aquiraz, no dia 15 de fevereiro deste ano, para aguardar a chegada de ‘Gegê’ e ‘Paca’. Ali, os dois principais líderes do PCC em liberdade, foram sumariamente assassinados.

Depois das mortes, Carlenilto Pereira Maltas deixou a luxuosa mansão no Condomínio Royal Park, no bairro Edson Queiroz, onde residia e não foi mais visto. O local é um complexo com 42 casas onde os condôminos usufruem de quadra de tênis, piscina, academia e a tão buscada “sensação de segurança”.

A reportagem conversou com um funcionário do local, que confirmou a informação da presença da liderança do PCC na mansão ilustrada nesta reportagem. “Ele é ligado a uma facção. Isso é o que todo mundo comenta aqui e foi embora há uns dois meses”, revela. Conforme a reportagem apurou, Carlenilto Maltas residia há cerca de um ano na casa, alugada por ele.

Uma fonte da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) disse que Carlenilto tem mais de 200 imóveis no Município de Mombaça, no Sertão Central do Ceará. Em levantamentos de uma célula de Inteligência da Pasta, ele aparece como proprietário da empresa R5C Produções e Eventos com sede em Tauá, no Sertão dos Inhamuns. Natural de Acopiara, responde a processos em São Paulo por receptação nos anos 2000. Desde então, não estava no radar das autoridades, até a morte dos dois líderes do PCC.

Executor de ‘Gegê’ e ‘Paca’ é ‘caçado’ no Ceará e Sergipe

Carlenilton Maltas Renato Oliveira Mota

Carlenilton Maltas levava uma vida de luxo em um condomínio na capital cearense e teria imóveis em Mombaça; Renato Oliveira Mota teria, conforme as investigações, colaborado para a prática do duplo homicídio

Dois homens, que teriam participado do duplo homicídio de Rogério Jeremias de Simone, o ‘Gegê do Mangue’ e Fabiano Alves de Souza, o ‘Paca’, foram alvo de uma operação policial, na última sexta-feira (20) no Município de Mombaça (a 296 Km de Fortaleza) e em Canindé de São Francisco, no Estado de Sergipe.

Imóveis pertencentes a Carlenilton Pereira Maltas e Renato Oliveira Mota foram vistoriados por equipes da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), da Polícia Civil do Ceará. Os policiais cumpriram mandados de busca e apreensão, em imóveis pertencentes aos dois homens, que não foram localizados. As equipes da Polícia Civil continuam as buscas pela dupla.

Carlenilto Maltas é citado nas investigações da Draco como um dos homens que participou diretamente das execuções. Já Renato Mota é apontado como suspeito de ter levado em um carro Carlenilto, Tiago Lourenço de Sá de Lima e Wagner Ferreira da Silva, o ‘Cabelo Duro’, até o hangar utilizado pelos criminosos.

Após o duplo homicídio, Renato teria ido buscar Carlenilto e Tiago, que se encontravam nas proximidades do local do crime. Além disso, de acordo com as investigações, um dia antes do homicídio, Wagner, Tiago e Renato fizeram um sobrevoo, com o piloto Felipe Ramos Morais, para saber o local em que as vítimas seriam pegas e para onde seriam levadas.

Um veículo Volkswagen, modelo Fox, de cor vermelha, aparece em imagens de câmeras de segurança do hangar. O automóvel foi adquirido em dezembro de 2017 por Renato Mota e vendido no dia 21 de fevereiro, seis dias após as duas mortes.

Indefinição

Após as mortes no Ceará dos dois principais líderes em liberdade do Primeiro Comando da Capital (PCC), a situação da cúpula da facção ainda é “indefinida”, de acordo com o promotor do Ministério Público de São Paulo (MPSP) Lincoln Gakya. O representante ministerial disse acreditar em desdobramentos. “A missão (matar Gegê e Paca) foi paga pelo ‘Marcola’ (Marcos Willians Herbas Camacho, líder máximo do PCC) para esses integrantes e coordenada pelo Fuminho (Gilberto Alves dos Santos), que a vida inteira foi sócio do Marcola, e é um sujeito mais rico que o ‘Marcola’ no Paraguai e na Bolívia”, explica.

Segundo Gakya, o primeiro bilhete encontrado logo após as mortes de ‘Gegê’ e ‘Paca’ informando que eles estavam roubando e que ‘Fuminho’ havia comandado, não foi aceitada por todos os integrantes da cúpula da facção. Por esse motivo, uma semana depois ‘Marcola’ teria soltado outro comunicado “decretando” a morte de todos os envolvidos no duplo homicídio.

“‘Marcola’ mandou queimar o arquivo. Tanto é que ninguém foi preso. ‘Cabelo Duro’ foi morto, cinco executores estão foragidos, dois ou três podem estar mortos por queima de arquivo. Acho que vai haver uma cobrança em cima do ‘Marcola’. Para mim vai haver uma cisão interna que pode levar até a morte do ‘Marcola'”, ressalta o representante do MPSP.

Nordeste Notícia
Fonte: Diário do Nordeste/Emerson Rodrigues

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