Casal disse querer casar em Redenção, município onde vivem e um deles nasceu. — Foto: Arquivo pessoal
Casal disse querer casar em Redenção, município onde vivem e um deles nasceu. — Foto: Arquivo pessoal

“A ficha não caiu ainda. A gente está muito feliz”. Wallison Cavalcante falou, nesta quinta-feira (8), sobre o sentimento em conseguir realizar o casamento com o noivo, Bruno Dantas. Eles tentavam casar desde janeiro, mas recebiam recusas do cartório de Redenção, no interior do Ceará. Os juízes de paz da unidade se recusavam, alegando motivos religiosos. No entanto, o casal conseguiu que fosse nomeado um novo juiz de paz para fazer a cerimônia.

O g1 publicou o caso de Wallison e Bruno nesta quarta-feira (7). Após a reportagem, o Corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deu cinco dias para algum juiz de paz realizar o casamento. Wallison disse que, ainda nesta quarta, o cartório informou ao casal da nomeação de um novo juiz de paz, para que a cerimônia seja realizada.

A celeridade na nomeação, após a reportagem, pegou o casal de surpresa. Assim, eles ainda não conseguiram ir ao cartório para dar continuidade no processo. Logo, o casamento ainda não tem data para acontecer.

“Eu não estava preparado que ia ser uma coisa tão rápida. Então, não temos nada planejado ainda”, disse Wallison, que, agora, vê caminhar a passos largos um sonho que era adiado há sete meses.

Entenda o caso

Antes de conseguir que um juiz de paz se disponibilizasse a realizar o casamento, o casal falou ao g1 sobre a luta para conseguir oficializar a união. “O que era para ser um sonho está virando pesadelo”, disse Wallison.

Tudo começou quando ele entrou em contato com o Cartório Norões Brito, em busca de informações sobre o casamento, e já recebeu mensagens negativas pelo celular. Então, ele decidiu ir presencialmente ao local para buscar mais detalhes (veja mais abaixo o que diz o responsável pelo cartório).

“Ela [funcionária do cartório] falou que não, que não fariam casamento, que eles não fariam porque os juízes de paz não aceitavam fazer, que a gente não era as primeiras pessoas que iam lá querer casar e eles falavam a mesma coisa, que não casavam”, disse o cozinheiro, de 28 anos.

“A gente tá se sentindo impotente, a gente tá muito triste, porque uma coisa que a gente queria que tivesse resolvido logo, mas estamos passando por tudo isso, essa turbulência e complicação. Quero muito realizar esse sonho, mas está me deixando muito triste, muito pra baixo em relação a isso, que eu vejo que eles não estão fazendo nada pra resolver”, lamentou Wallison.

Walisson até abriu um boletim de ocorrência sobre o caso. Em nota, a Secretaria da Segurança Pública disse que a Polícia Civil apura uma denúncia de preconceito de raça ou cor – conduta homofóbica. A Delegacia Municipal de Redenção orientou às vítimas a comparecerem à unidade policial para repassar mais informações.

Na última sexta-feira (2), o g1 questionou o Tribunal de Justiça sobre o caso. Em nota, o órgão disse que “a celebração de casamentos em cartórios é de responsabilidade de juízes de paz, que são cidadãos voluntários que exercem atividades sem caráter jurisdicional. Quando há escusa de consciência, é designado outro juiz de paz para celebrar a união”.

A escusa de consciência é quando o funcionário apresenta motivos para ser dispensado de obrigações jurídicas, usando argumentos pessoais como, por exemplo, a própria religião.

O que disse o CNJ?

No entanto, o corregedor nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão, Na decisão, Salomão afirmou que a lei de organização da Justiça do Ceará, que trata dos juízes de paz, não permite a invocação do princípio da “escusa de consciência religiosa” na celebração do casamento homoafetivo.

“Como é sabido, trata-se de ato de cunho civil e não religioso, tampouco para a formação de ‘lista tríplice’ para o cargo de juiz de paz”, declarou Salomão em despacho assinado nesta quinta-feira.

No documento, Salomão trouxe a Resolução CN 175, de 14 de maio de 2013, que dispõe que “é expressamente vedado às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de convenção de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo”.

Salomão determinou ainda que a Corregedoria-Geral da Justiça do Ceará deve prestar informações, esclarecendo todo o procedimento adotado no caso, detalhando a forma como se deu a escolha dos juízes de paz e a formação da suposta “lista tríplice”.

Casal gay denuncia homofobia após juiz de paz se recusar a realizar casamento no Ceará. — Foto: Arquivo pessoal
Casal gay denuncia homofobia após juiz de paz se recusar a realizar casamento no Ceará. — Foto: Arquivo pessoal

O que diz a lei?

Os casamentos homoafetivos não são regulamentados em lei no Brasil. A base jurídica para a oficialização dessas relações é uma decisão do STF de 2011. Os ministros decidiram que um artigo do Código Civil deveria ser interpretado para garantir o reconhecimento de uniões entre pessoas do mesmo sexo. A decisão também considerou essas relações como entidades familiares.

Dois anos depois, em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou resolução para obrigar a celebração de casamentos homoafetivos em cartórios.

O que disse o responsável pelo cartório?

O tabelião responsável pelo Cartório Norões Brito, Renan Moreira, confirmou ao g1 que os três juízes de paz da unidade alegaram “escusa de consciência religiosa”, mas disse que “o cartório não possui nenhuma ingerência, poder de gestão ou vínculo com os juízes de paz que são vinculados ao Tribunal de Justiça”.

Moreira falou ainda que solicitou ao Tribunal de Justiça a mudança da lista tríplice da unidade ou a nomeação de um novo juiz de paz para a realização do casamento. “Meu desejo enquanto oficial delegatário e responsável pela serventia é a de que este e todo e qualquer casamento possa ser realizado, sem distinção de qualquer natureza”, declarou o tabelião.

“Assim, foram tomadas todas as providências que estão ao meu alcance e dentro da legalidade que rege a atividade registral pelo que aguardo as providências do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Ceará para que seja possível a realização do ato”, complementou.

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