Tradicional campus da Uece no Itaperi, em Fortaleza, é um dos afetados pela falta de professores
Legenda: Campus da Uece no Itaperi é um dos afetados pela falta de professores Foto: Divulgação/Governo do Estado do Ceará

Ingressar no ensino superior público e manter-se nele é meta para vários cearenses, mas muitos têm visto a conclusão do plano como “incerta”. Estudantes da Universidade Estadual do Ceará (Uece) denunciam a falta de professores em diversos cursos e temem que o andamento da graduação seja prejudicado em 2024.

A universidade não possui levantamento oficial atualizado sobre o assunto. O Diário do Nordeste apurou junto aos entrevistados, porém, que há cursos com até 30 disciplinas sem professores, como é o caso da graduação em Matemática.

O problema, segundo as fontes, atinge diversos cursos (a instituição não precisa o número), mas em alguns a situação é mais grave. Serviço Social, por exemplo, tem 26 disciplinas descobertas. Os números foram informados pelo presidente do Sindicato dos Docentes da Uece (Sinduece), Nilson Cardoso.

Diário do Nordeste teve acesso ainda à grade de disciplinas previstas para o curso de Medicina em 2024.1, classificadas em três categorias: “acontecerão normalmente”, “acontecerão parcialmente” (iniciam somente em março de 2024) e “não acontecerão de forma nenhuma”.

 

20
disciplinas do curso não têm funcionamento pleno garantido em 2024.1, das quais 11 estão entre as que “não acontecerão de forma nenhuma”. Outras 22 devem ser ministradas normalmente.

 

A grade mostra também que os estudantes que ingressarão na Uece para cursar Medicina em 2024.1 só têm confirmada 1 das 8 disciplinas que deveriam ser ofertadas.

“Já os alunos do 6º semestre, por exemplo, não terão a disciplina de Clínica Médica, que confere a ida dos estudantes aos hospitais para terem as suas práticas. Sem ela, não podemos dar continuidade ao curso, pois é pré-requisito para praticamente todas as outras”, preocupa-se João*, estudante que preferiu não ser identificado pelo nome verdadeiro.

Além de João*, a reportagem conversou com alunas dos cursos de Serviço Social e Química. Elas afirmam que a situação se estende há anos e afeta todas as graduações, chegando a impedir que muitos graduandos se formem.

Questionada sobre a lacuna atual de docentes, a Universidade informou que o levantamento mais recente sobre isso foi feito em 2021, quando a instituição  identificou uma carência geral de 407 professores. O sindicato dos docentes da Uece reitera o número, com a ponderação de que essa quantidade era o retrato de 2019.

Cardoso pontuou que o concurso realizado em 2022, definido como “o maior da história da Uece”, ofertou 365 vagas, das quais 186 destinadas a cursos existentes, para repor a carência.

“Só que esse número era 45% de toda a demanda que já tínhamos, de 407 professores. De lá pra cá, já houve professores aposentados, que faleceram ou pediram exoneração. Isso foi se agravando”, destaca.

 

“Não tínhamos uma expressão tão grande de disciplinas sem professores porque vivemos historicamente com apoio de substitutos e temporários. Era uma carência adormecida. Mas o contrato deles venceu e a demanda virá. Alertamos sobre isso desde agosto”, frisa Nilson.

 

Na tarde da última sexta-feira (1º), alunos e a administração da universidade se reuniram no campus da Uece no Itaperi, em Fortaleza, para discutir sobre o problema e deliberar sobre soluções.

Quadro de professores

No total, em 2023, o quadro de docentes da instituição possui 997 profissionais efetivos, substitutos e temporários, como informou a Uece à reportagem, via nota. Não houve detalhamento da quantidade enquadrada em cada categoria.

A Universidade declara que “encontram-se em tramitação as providências para o lançamento de editais de seleção pública para professores temporários e substitutos, que contemplarão os setores de estudos que não foram cobertos pelo concurso de professores efetivos realizado em 2022”.

As seleções públicas vão abranger “as quantidades de vagas apresentadas pelas coordenações dos cursos de graduação, as quais foram levantadas pela Pró-Reitoria de Graduação”, conforme a instituição.

“Entre as providências, estão em tramitação a convocação e a nomeação de 110 professores efetivos do concurso de 2022. Desses 110, 85 são para convocação e nomeação, e 25 para substituição de professores anteriormente convocados e nomeados que não tomaram posse”, complementa a nota.

“SERÁ COMO UMA GREVE, MAS INSTITUCIONAL”

O presidente do Sinduece, Nilson Cardoso, explica que a convocação de aprovados do último concurso que ainda estão no cadastro de reserva é uma possível alternativa, “mas ainda assim seria insuficiente”.

“Em 2024, a Uece vai paralisar. Será como uma greve institucional: não porque professores paralisaram, mas porque não há professores para ocupar as cadeiras. Isso trará diversos prejuízos aos estudantes, que não poderão se formar. Teremos retenção e evasão”, lamenta.

Outra entre as possíveis soluções para amenizar a carência, ele aponta, é a alocação de professores de cursos novos da universidade em cursos antigos. “Esses cursos novos já têm 95% do quadro completo. À medida que os semestres fossem avançando, eles seriam chamados”, inicia.

“Uma especulação nossa é que todos poderiam ser chamados agora, para atuarem na carência desses cursos já existentes. Mas esse arranjo não atende toda a demanda”, conclui.

Diário do Nordeste contatou o Ministério Público do Estado (MPCE) para saber se o órgão monitora a situação e se há alguma recomendação ou diálogo com a Uece sobre o assunto.

Em nota, o órgão informou que “vem acompanhando o caso através de procedimento administrativo”, e que, no 1º semestre deste ano, “a Uece informou ao MP que candidatos aprovados em editais para professor assistente e professor adjunto seriam nomeados em abril de 2023, tendo a universidade apontado ainda a necessidade realização de um novo concurso público”.

Nessa quinta-feira (7), complementa o MPCE, a 12ª Promotoria de Justiça de Fortaleza enviou “novo ofício para a Uece para solicitar informações mais recentes sobre assunto, já que a instituição de ensino havia preparado relatório para encaminhar ao Governo do Estado em que solicitava a realização de um novo concurso público para prover cargos vagos de professor”.

“PROFESSORES ESTÃO SOBRECARREGADOS”

Em 2022, a Uece realizou um concurso público para docentes com oferta de 365 vagas para todos os campi. A instituição afirma que, do total, 186 professores já tomaram posse em 2023, e os demais ingressarão em 2024.

As convocações, porém, não foram suficientes para suprir uma demanda que se arrasta por anos, como aponta Ariadna Magalhães, 29, estudante do 4º semestre de Serviço Social. “Ingressei em 2022, e já comecei com disciplinas que não tinham professores. Alunos veteranos já falavam que tinha um déficit muito grande”, relembra.

 

“Em 2022, teve o concurso conhecido como maior da história. Em Serviço Social, entraram 9 professores, o maior número – mas como passou muito tempo sem chamar, a quantidade não foi suficiente para cobrir todo o quadro. E os demais cursos receberam um, dois ou nenhum professor”, pontua Ariadna.

 

A estudante lamenta que, além do ensino, as atividades de pesquisa e extensão são prejudicadas. “Os professores estão sobrecarregados, não conseguem fazer um planejamento de aula que contemple isso.”

“Tem pessoas que não conseguiram cursar disciplinas que eram dos primeiros semestres, pré-requisitos para outras, já estão no 5º, e não conseguem seguir com o curso. Isso atrapalha toda a formação. Tem alunos esperando há 1 ano um professor para orientar o TCC e se formar”, acrescenta.

“MEU CURSO VAI PARALISAR?”

Os universitários apontam a não convocação de professores efetivos e a não renovação dos contratos temporários como dois dos principais motivos para a defasagem nos quadros de docentes – cenário que ameaça a continuidade dos cursos, como teme Paula Alves, 19, estudante do 3º semestre de Química.

“Está quase paralisando o curso como um todo, pois quase todas as cadeiras primárias, que avançam o curso, estão sem professores. Em muitos semestres, as inscrições para as cadeiras são abertas, mas sem professores”, conta.

 

Diário do Nordeste

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