Em 6 de junho de 2006, no último ano do seu primeiro mandato, o presidente Lula lançou no município de Missão Velha, no Cariri cearense, as obras da ferrovia Transnordestina. À época, foi anunciado que a obra teria um custo de R$ 4,5 bilhões e ficaria pronta até 2010.
A ferrovia teria, ao todo, 1.753 quilômetros, conectando 81 municípios do Ceará, Piauí e Pernambuco, com objetivo de escoar a produção agrícola, minérios e combustíveis aos portos do Pecém (CE) e do Suape (PE), dois dos maiores do Nordeste.
Nesta sexta-feira, 5 de abril de 2024, Lula retorna ao Ceará em seu terceiro mandato para uma visita que, entre outros pontos, tem como objetivo vistoriar as obras da Transnordestina, lançada dezoito anos atrás. Hoje, o projeto está orçado em R$ 14 bilhões. Em vez de 1.753 quilômetros, devem ser entregues apenas 1.206. E isso até 2029.
Ao longo de quase duas décadas de obra, o projeto foi e é alvo de inúmeros processos, inclusive no Tribunal de Contas da União (TCU), que chegou a suspender o repasse de recursos federais para a Transnordestina por cinco anos.
Nesta reportagem, o g1 relembra os principais pontos do tortuoso caminho da Transnordestina – e o que ainda falta percorrer:
Conectando cerrado, sertão e litoral
Quando foi lançada em 2006, a Transnordestina era um dos maiores projetos de infraestrutura do Brasil, junto com a transposição do rio São Francisco. As duas obras foram uma espécie de semente do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que quando foi lançado em 2007, acabou incorporando as duas.
A obra é uma parceria do governo federal e da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), uma empresa privada considerada a maior siderúrgica do Brasil.
Para cuidar da obra e, futuramente administrar a ferrovia, foi criada a empresa Transnordestina Logística SA (cuja sigla é TLSA). Para isso, a TLSA incorporou a antiga Companhia Ferroviária do Nordeste (CFN), que tinha o direito de concessão das ferrovias da área.
No projeto apresentado, a Transnordestina teria um formato semelhante a um T de cabeça para baixo: em uma das pontas estava o município Eliseu Martins, no cerrado do Piauí; na outra ponta, o Porto de Suape, em Pernambuco; na terceira ponta do T, estava o Porto do Pecém, no Ceará. (Ver mapa baixo)
O ponto de encontro entre os três ramais seria o município de Salgueiro, no sertão pernambucano. Lá, inclusive, foi montado o coração industrial da empreitada: fábrica de dormentes, pedreira, central de britagem, estaleiro de solda e oficina de manutenção.
Ao todo, seriam 1.753 quilômetros de trilho. Para a construção, a empresa dividiu a obra em três fases:
A obra começou em 2006 pelo trecho entre o município cearense de Missão Velha (onde o projeto foi lançado) até o município de Salgueiro. Portanto, a construção começou pelo meio da ferrovia para depois chegar às pontas, isto é, ao Pecém (CE), ao Suape (PE) e a Eliseu Martins (PI).
Este trecho inicial foi concluído em 2008. Nessa época, o orçamento previsto para concluir a Transnordestina já havia subido para R$ 5,4 bilhões. E, faltando dois anos para o prazo previsto de entrega da obra, a ferrovia estava apenas 5,9% concluída.
Obra atrasou, preço triplicou e obra ainda ficou menor
Ceará Sobre os Trilhos conta a história da Transnordestina
Os anos seguintes foram uma sequência de atrasos, paralisações, adiamentos da entrega e aumentos no orçamento. Em 2010, na despedida do seu segundo mandato, Lula informou que a obra, inicialmente projetada para aquele ano, ficaria pronta em 2012.
Em 2011, a presidente Dilma Roussef afirmou que ficaria pronta em 2013. No entanto, ao fim de 2013, a ferrovia tinha pronto apenas 383 dos 1.753 quilômetros previstos.
Em 2012, na projeção do PAC 2, a Transnordestina já estava orçada em R$ 7,5 bilhões. Dentro das estimativas do PAC 2, a previsão era que a ferrovia ficasse pronta apenas em janeiro de 2017, ou seja, mais de dez anos após o lançamento.
Em 2016, dez anos depois do início das obras, a Transnordestina tinha cerca de 600 quilômetros prontos, dos 1.753 esperados.
A situação levou o Ministério Público a apresentar uma denúncia junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) sobre possíveis irregularidades nos contratos de construção e exploração da ferrovia.
A obra da Transnordestina é financiada, basicamente, com recursos privados da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), por meio do TLSA, e com recursos públicos do governo federal.
Pelo governo federal, o dinheiro público chega à obra por meios como:
- Infra (antiga Valec), empresa estatal do Ministério da Infraestrutura;
- Fundo de Investimento do Nordeste (Finor), do Banco do Nordeste do Brasil (BNB)
- Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
- Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE), da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene)
Em maio de 2016, o TCU proibiu que o governo federal repassasse mais dinheiro para a obra por causa de “diversas irregularidades na execução da construção e no valor real dos investimentos”.
Em junho do mesmo ano, porém, o tribunal voltou a permitir o envio de dinheiro, exigindo que a TSLA e o governo apresentassem um novo estudo de viabilidade técnica e um novo orçamento.
Em 2017, a TLSA falava que, corrigida a inflação, o custo total da obra seria R$ 11,2 bilhões, mais que o dobro dos R$ 4,5 bilhões previstos inicialmente. Àquela altura, desse valor previsto de R$ 11,2 bilhões, já haviam sido gastos R$ 6,4 bilhões.
Em janeiro de 2017, o TCU determinou novamente a suspensão completa de repasses do governo, por meio da estatal Infra ou pelos fundos oficiais (Finor, FDNE) que financiavam a construção da ferrovia. Sem o dinheiro público, TSLA paralisou efetivamente as obras da Transnordestina.
Retomada das obras e trecho abandonado
mEntre 2017 e 2018, o governo de Michel Temer e a TLSA discutiram inúmeras propostas para retomar as obras da Transnordestina.
Em novembro de 2018, à Câmara dos Deputados, a TLSA afirmou que a obra não ficaria pronta antes de 2027 e ainda precisaria de R$ 6,7 bilhões além dos R$ 6,4 bilhões já gastos. O orçamento total de R$ 11,2 bilhões, portanto, subiu para R$ 13,2 bilhões.
Com as negociações, a expectativa era retomar as obras da Transnordestina em 2019. E, de fato, elas foram parcialmente retomadas, apenas com os recursos privados da TLSA. O trecho retomado foi da Fase 1 (do Porto do Pecém, no Ceará, a São Miguel do Fidalgo, no Piauí), mas andava a passos lentos.
Em 27 de julho de 2022, mais de cinco anos depois da proibição, o Tribunal de Contas da União liberou que o governo federal fizesse novos aportes financeiros na obra, desde que a TLSA fornecesse um novo cronograma possível para conclusão. Em outubro de 2022, o governo de Jair Bolsonaro anunciou a retomada das obras da Transnordestina.
Em dezembro de 2022, contudo, a TLSA assinou um aditivo do contrato com o governo federal no qual resolvia devolver a concessão da chamada fase 3, isto é, o trecho ferroviário Salgueiro-Suape, que ligaria o porto pernambucano a Eliseu Martins (PI) e ao Pecém (CE). Portanto, a empresa decidiu que não iria mais tocar esta etapa da obra.
Quando a TLSA abriu mão da fase 3, já tinham sido executados 193 km. Portanto, faltavam cerca de 354 km. Desde então e até hoje, as obras desse trecho estão parada.
Transnordestina hoje
Atualmente, a TLSA é responsável pela construção e tem o direito de exploração somente das fases 1 e 2 da Transnordestina, ou seja, o trecho Eliseu Martins (PI) ao Pecém (CE) via Salgueiro (PE), com extensão de 1.206 quilômetros.
Dados de janeiro de 2024 apresentados pela TLSA ao TCU mostram que este trecho está 61% pronto. Ou seja, possui cerca de 735 dos 1.206 km concluídos.
A fase 1 da obra, com 1.040 quilômetros, a maior parte atravessando o Ceará, tem previsão de ficar pronta até 2027. Já a fase 2, de 166 quilômetros, no Piauí, deve ser concluída somente em 2029, de acordo com a TLSA.
No mesmo relatório do TCU, a empresa aponta que já foram consumidos, até agora, R$ 7,9 bilhões. Contudo, em 2023, o diretor-presidente da TLSA, Tufi Daher Filho, afirmou que ainda seriam necessários R$ 7,8 bilhões para concluir o restante da obra.
Somados aos R$ 7,9 bilhões já gastos, isso elevaria o orçamento total da obra para R$ 15,7 bilhões. E isso apenas para entregar a ligação entre o Porto do Pecém (CE) e Eliseu Martins (PI), enquanto o projeto inicial previa gastar R$ 4,5 bilhões para realizar essa conexão e ainda ligar os dois pontos ao Porto do Suape (PE).
No fim de 2023, o governo federal anunciou que iria retomar as obras da fase 3 da Transnordestina em Pernambuco, o trecho ferroviário entre Salgueiro e Suape do qual a TLSA desistiu. Essa retomada seria incluída no Novo PAC e dessa vez seria inteiramente bancada pelos cofres públicos, com um valor estimado de R$ 4 bilhões.
g1