Legenda: Disputa territorial entre Ceará e Piauí é centenária
Foto: Cid Barbosa

A disputa territorial entre o Ceará e o Piauí, alvo de ação no Supremo Tribunal Federal (STF), pode ter extenso impacto no território cearense – caso o estado vizinho obtenha vitória. Além do território e da população afetadas, equipamentos públicos, áreas de produção, estradas e até mesmo recursos hídricos podem ser perdidos pelo Ceará.

Pelo menos 13 municípios cearenses fazem parte da área de litígio – a maior parte localizada na região da Serra da Ibiapaba. O número pode subir para 14 caso o Supremo aceite a perícia preliminar realizada pelo Exército brasileiro – que aumentou a área de disputa entre os dois estados.

 

Comitê discute disputa de território

Cerca de 245 mil pessoas podem deixar de ser cearenses por conflito entre Ceará e Piauí

 

Como partes impactadas pelo processo, representantes das cidades afetadas estiveram na Assembleia Legislativa, na semana passada, para, junto à Procuradoria-Geral do Estado, trabalhar os próximos passos da ação,  inclusive com a possibilidade de, enquanto grupo, os Municípios solicitarem o ingresso no processo como parte interessada.

Apesar de o processo estar paralisado, esperando a continuidade dos trabalhos técnicos realizados na área pelo Exército, atores políticos e chefes do Executivo têm procurado alternativas para minimizar quaisquer prejuízos que o litígio possa trazer para o Ceará.

LEVANTAMENTO DO IMPACTO

A ação ajuizada pelo Estado do Piauí resultou em uma perícia técnica preliminar realizada em 2016 pelo Exército brasileiro. Nela, foi realizada uma análise de documentos históricos tendo como referência apenas questões cartográficas e geográficas.

 

 

Com isto, a área que poderia ser perdida do território cearense seria ainda maior do que inicialmente solicitada pelo estado vizinho no processo. Na ação em tramitação no Supremo, são detalhadas três áreas de litígio, correspondendo a um valor de 2.821,54 quilômetros quadrados – equivalente a 1,9% do território cearense.

A análise preliminar do Exército brasileiro triplica essa área, chegando a 6 mil quilômetros quadrados e abrangendo um número bem maior de localidades, equipamentos públicos e, principalmente, habitantes impactados pela disputa territorial.

CONFIRA AS PERDAS QUE ISSO PODE OCASIONAR PARA O CEARÁ:

Além destes, se a perícia inicial do Exército for aceita, o Estado também pode perder brinquedopraças (2), delegacias (3), posto da Polícia Rodoviária Estadual (1), Unidades de Conservação (2) e açudes estratégicos (2). Apenas pelo que foi pedido no processo, esses equipamentos não seriam afetados.

O levantamento do que pode ser afetado pela disputa foi elaborado em 2019, pelo Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece) em parceria com o Comitê de Estudos de Limites e Divisas Territoriais do Ceará (Celditec) da Assembleia Legislativa do Ceará.

O documento preliminar do Exército aponta ainda que seis municípios cearenses da área de litígio pertenceriam ao Piauí, caso sejam considerados apenas questões cartográficas e geográficas. Além disso, aumenta de 13 para 14 o número de cidades com território impactado.

No mesmo texto, a instituição afirma ser “desnecessário ter um gasto de tão grande vulto para a realização de uma Perícia Técnica”, já que havia sido possível identificar documentos cartográficos.

Apesar disso, a relatora do processo no Supremo, ministra Cármen Lúcia, determinou, em 2019, que o Exército iniciasse, na área de litígio, os trabalhos técnicos para definir a quem pertencem as áreas de litígio. Contudo, a pandemia de Covid-19 afetou a realização da perícia, que ainda não foi finalizada.

 

Divisa Piaui e Ceará
Legenda: Disputa entre Ceará e Piauí vem desde o fim do século 19, mas litígio deve ser decidido pelo Supremo Tribunal Federal Foto: AL-CE

 

PERTENCIMENTO AO TERRITÓRIO CEARENSE

O estudo feito pelo Ipece aponta ainda que a interpretação apenas do divisor topográfico do litígio não contempla outros elementos relevantes para a disputa, como a dimensão cultural e de identidade das populações que vivem nesse território.

Este também é um dos argumentos que deve ser apresentado pela defesa do Estado do Ceará, de responsabilidade da Procuradoria-Geral do Estado. Chefe da representação do órgão em Brasília, a procuradora Ludiana Carla Braga acompanha o processo desde o início, em 2011.

 

Litigio
Legenda: No último dia 9, reunião de trabalho na Assembleia Legislativa reuniu prefeitos, procuradores municipais, Procuradoria do Estado e parlamentares Foto: Máximo Moura/AL-CE

Ela explica que existem elementos que devem ser destacados na hora da decisão quanto à posse dos territórios – e que devem ser levados ao Supremo pelo Ceará. “Temos o argumento, que é o mais importante, que é a verdadeira posse, a utilização do território e os equipamentos que (o Governo) traz para os territórios”, detalha.

Esse contraponto será levantado em relação à alegação defendida pelo Piauí, que utiliza apenas aspectos cartográficos. Elementos culturais – principalmente quanto ao pertencimento da população – e econômicos também são ressaltados pelos prefeitos das cidades que podem ser atingidas pela disputa territorial.

 

“Além do questionamento territorial, nós temos também que elevar o questionamento cultural dessas comunidades, do cidadão que se identifica como cearense, de quanto tempo eles estão naquelas áreas, do investimento do Estado, há muitos anos, na região”.

Saul Maciel
Prefeito de São Benedito

 

“O interesse é que a gente resolva logo, até pelo fato de que o município é beneficiado totalmente pelo estado do Ceará. Para nós, com certeza seria uma grande perda. Todos os benefícios que nós temos de infraestrutura, de saúde, tudo é via Governo do Estado do Ceará”, concorda o prefeito de Carnaubal, Zé Weliton.

A identificação da “raiz dessa população tem que ser ouvida”, argumenta Saul Maciel. O gestor considera que poderia ser feito, inclusive, um plebiscito com moradores da região – tanto do lado do Piauí como do Ceará – para que “essas comunidades possam ser ouvidas realmente”.

 

Carta cartográfica da Província do Ceará, em 1861, antes de se ceder ao Piauí uma saída para o mar (no noroeste do mapa, localidade de Armação, hoje município piauiense de Luís Correia) e de se anexar as terras de Crateús (oeste) ao Ceará
Legenda: Carta cartográfica da Província do Ceará, em 1861, antes de se ceder ao Piauí uma saída para o mar (no noroeste do mapa, localidade de Armação, hoje município piauiense de Luís Correia) e de se anexar as terras de Crateús (oeste) ao Ceará

 

IMPACTO NA POPULAÇÃO

O município de São Benedito pode sofrer uma perda territorial de 13,5% caso a decisão seja favorável ao Piauí. Em relação a habitantes, seriam, em média, 3 mil pessoas impactadas. No total, são quase 245 mil famílias que estão nas áreas de litígio.

 

“São nossos territórios, nossos conterrâneos, nossas famílias, uma população gigantesca que está envolvida nesse cenário”, ressalta o prefeito de Crateús, Marcelo Machado.

 

Ele aponta que é momento de municípios, Estado e parlamentares estarem “juntos para somar, fortalecer e defender o que pertence a nós, o que pertence à nossa gente”.

No Ceará, o município que pode ser mais impactado por uma eventual vitória do Piauí no processo seria Poranga. A cidade perderia 66% do território – área que concentra os distritos e localidades do município. Seriam afetados 3 mil habitantes – quase um quarto da população total.

“Ficaria só a área do da sede do município, perdendo totalmente todos os distritos, todos os as localidades. Fica inviável a gente tentar um avanço para o município onde não temos mais como progredir”, ressalta o vice-prefeito de Poranga, Igor Pinho.

 

Divisão do território Ceará e Piauí

 

PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO

Prefeitos e procuradores municipais das cidades que podem ser atingidas pelo litígio entre o Ceará e o Piauí estiveram, no dia 9 de novembro, reunidos na Assembleia Legislativa do Ceará para discutir os próximos passos quanto ao processo.

Um dos principais pontos analisados durante o encontro foi a possibilidade de os Municípios ingressarem na ação como amicus curiae – ou, amigos da corte. Este termo é usado para designar atores que participam de uma ação para oferecer subsídios e informações para serem apreciadas pelo tribunal.

 

“É uma forma para que eles possam vir a ter voz junto ao Supremo Tribunal Federal e ingressarem na ação. Como amigus curium, eles poderiam, uma vez que a ação venha a ser palpada, fazer sustentação oral e participar de forma mais ativa no processo”, explica Ludiana Carla.

Ludiana Carla Braga
Chefe da representação da Procuradoria-Geral do Estado em Brasília

 

O fato dos municípios serem diretamente afetados pelo processo justifica essa participação. “Eles podem vir a ter o seu território e a sua população impactados e o próprio sentimento de ser cearense entra na questão desse processo. Esse processo eu considero uma das mais importantes que nós temos no estado do Ceará e os municípios não podem ficar afastados”, completa.

MOBILIZAÇÃO POLÍTICA

Nova procuradora-geral do Estado, Camily Cruz explica que o ingresso na ação tem ainda como objetivo “fortalecer a defesa do Estado do Ceará”. Ela também esteve presente na reunião, na qual foram levantadas ainda outras possibilidades para reforçar a união de Estado e municípios.

 

Cármen Lúcia
Legenda: A ministra Cármen Lúcia é a relatora da ação de litígio ajuizada pelo Piauí no STF Foto: Agência Brasil

Dentre eles, a realização de abaixo-assinado com instituições, entidades e pessoas físicas que residem nos municípios afetados pelo litígio, para mostrar o interesse da população de continuar no Ceará. Com sessão itinerante da Assembleia Legislativa agendada para esta semana, o objetivo é que a ação possa ser iniciada.

Além disso, mobilizações junto ao Supremo também estão na agenda de parlamentares e outros atores políticos envolvidos no imbróglio – dentre os quais a própria Assembleia Legislativa, a Associação de Prefeitos do Ceará (Aprece), a União dos Vereadores do Ceará, entre outros.

Presidente do Comitê de Estudos de Limites e Divisas Territoriais do Ceará (Celditec) da Assembleia Legislativa, a deputada Augusta Brito (PCdoB) ressalta a necessidade desses movimentos políticos.

“Além de juntar toda a questão legal, do processo em si, queremos marcar reuniões com a ministra Cármen Lúcia. Queremos ir não só pela questão jurídica, mas também pelo sentimento das pessoas que estão nessa área de litígio”, ressalta.

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