© AP Uma manifestante protesta em frente a Comissão Federal de Comunicações na quarta-feira, dia 13 de dezembro, Washington.

A era da igualdade entre os usuários da Internet parece ter chegado ao fim nos Estados Unidos, depois da retirada das medidas estabelecidas em 2015 pela administração Obama para garantir o princípio da neutralidade da Rede. A mudança inaugura uma nova etapa marcada pela imposição de um sistema de diferentes velocidades em função dos interesses das operadoras e reabre o debate sobre o controle da Internet, que nasceu como uma infraestrutura descentralizada.

O que é neutralidade da Rede?

O princípio da neutralidade rege as regras de navegação na Rede desde seu nascimento e foi cunhado pelo professor Tim Wu, da Universidade de Colúmbia (EUA), em 2003. Esse preceito fundamental foi regulamentado por Obama em 2015, obrigando os provedores de serviços de Internet e os governos que os regulamentam a tratar todos os internautas como iguais. Dessa forma, as empresas de telecomunicações não podiam bloquear conteúdo nem reduzir a velocidade do tráfego segundo o perfil de cada internauta. Da mesma forma, as empresas estão proibidas de dar um tratamento preferencial a seu próprio conteúdo para desfavorecer os concorrentes.

Por que é importante?

O princípio da neutralidade da Rede garante a igualdade de acesso a conteúdos e evita que haja conteúdos de primeira e de segunda classe. A supressão dessa regra coloca em perigo o espírito fundador da Internet, que nasceu como uma infraestrutura descentralizada para conectar computadores dispersos por todo o planeta e não como um espaço comercial.

“A neutralidade da Rede garantia a competitividade darwinista entre todos os possíveis usos da Internet de forma a sobreviverem os melhores”, afirmou o professor da Universidade de Colúmbia que cunhou o termo.

Como pode afetar os usuários?

O fim dessa norma pode afetar três aspectos relevantes: o bloqueio de conteúdos, de tal forma que as empresas imponham suas normas para o acesso a alguns conteúdos; a diminuição da velocidade de serviços, para priorizar aqueles pelos quais se pague um valor adicional, abrindo uma brecha entre a Internet dos ricos e a dos pobres, e transformando em privilégio o acesso a serviços de empresas de telecomunicações cada vez mais criadoras de conteúdo, como Netflix e Movistar.

A preocupação também pode se transferir ao campo das empresas pequenas e negócios hospedados na Rede. Se a velocidade do tráfego, por exemplo, depende dos pagamentos realizados aos servidores, as empresas com menor orçamento passariam a ocupar uma posição desigual diante das grandes gigantes comerciais.

Como a nova regulamentação pode afetar a Europa?

A mudança normativa dos Estados Unidos não afeta os europeus, mas pode abrir um precedente com uma nova forma de legislar a Internet.

A União Europeia aprovou em 2016 uma regulamentação para a neutralidade da Rede a fim de evitar que os provedores de serviços como Telefónica, Vodafone e Orange bloqueiem ou filtrem, segundo seus interesses comerciais, o tráfego gerado pelas empresas de conteúdo e aplicativos (Google, Facebook, YouTube e Spotify) ou de seus próprios assinantes. Depois de anos de discussões, o regulamento consagra o direito dos usuários a que todos os dados que viajem pela Rede tenham o mesmo tratamento, mas com exceções e muitas letras miúdas. Nesse sentido, a plataforma Save the Internet exige uma redação menos vaga e sem contradições.

No Brasil, a neutralidade de rede passou a ser garantida a partir de 2014, quando o Marco Civil da Internet entrou em vigor.

Como foi gestada a eliminação da lei?

Em aliança com a administração de Donald Trump, gigantes das telecomunicações como Comcast, At&T e Verizon conseguiram reverter a legislação vigente, que antes evitava que as empresas acabassem impondo seus desmandos no tráfego e nos conteúdos da Rede. A medida, aprovada pela Comissão Federal de Comunicações, sob controle republicano, foi apresentada como “uma vitória da liberdade” por seus defensores.

Em 2015 o governo do então presidente dos Estados Unidos, o democrata Barack Obama, aprovou uma série de medidas para garantir a equidade na Internet. Sob o sistema aprovado na era Obama, o operador deveria oferecer o mesmo tratamento a todos os usuários e era proibido para ele bloquear o acesso a páginas web, tornar mais lenta a conexão ou acelerá-la sob pagamento. O objetivo era impor na Rede o princípio de equidade e evitar a discriminação.

Que consequências pode haver para a liberdade e os direitos dos internautas?

A possibilidade de os provedores de serviços na Internet bloquearem ou censurarem conteúdos graças à nova legislação é muito controversa e reabre o debate sobre quem controla a informação na Rede.

Da mesma forma, a supressão do princípio de neutralidade propõe algumas incógnitas sobre a proteção dos usuários. Nos Estados Unidos, a Comissão Federal de Comunicações, com dois anos de experiência na custódia dos internautas, ficou relegada a questões de transparência. Agora essa tarefa recairá à Comissão de Comércio Federal, que carece de experiência e pessoal para a missão.

Que argumentos são oferecidos para defender a nova lei?

O diretor da Comissão Federal de Comunicações e principal inimigo da neutralidade da rede, Ajit Pai, negou várias vezes que as mudanças aumentem os custos para o usuário ou permita bloqueios. Pai argumenta que nada disso ocorria antes de 2015 e que, ao contrário, a reforma de Obama tinha permitido uma redução de investimento em banda que colocaria o consumidor diante de um aumento de preços.

“A retirada da neutralidade representará a volta da liberdade, a volta a uma Internet melhor e mais barata. Continuará a haver proteção para o consumidor e seu acesso não será limitado. Mas não é nosso trabalho decidir quem ganha e quem perde na economia da Internet. O governo deixará de regulamentar sobre como os provedores devem agir, e eles terão incentivos para enfrentar a próxima geração de redes e serviços”, afirma Pai.

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