Há mais pessoas inadimplentes do que com as contas em dia em Fortaleza. É o que revela um levantamento divulgado pela Serasa, com dados referentes a janeiro. São mais de 1,2 milhão de fortalezenses que estão com algum grau de endividamento, 50,8% de toda a população da capital cearense.
Sozinha, Fortaleza é responsável por 40% de toda a população inadimplente no Ceará, que conta com pouco mais de 3,1 milhões de pessoas endividadas. Os números se destacam pela quantidade e pelo valor das dívidas dos habitantes da cidade.
De acordo com a Serasa, são aproximadamente 4,8 milhões de dívidas em aberto em Fortaleza, o dobro da população atual da Capital, de 2,4 milhões de habitantes. Somados, os débitos chegam à casa dos R$ 6,62 bilhões.
Para acelerar a resolução das pendências financeiras, a Serasa Limpa Nome, em parceria com o Desenrola, abriram, na última segunda-feira, um mutirão de renegociação de dívidas. A renegociação pode ser feita pelos sites de ambas as plataformas e segue até o próximo dia 28 de março com descontos de até 96% nas dívidas.
CEARÁ COM PANORAMA ALARMANTE TAMBÉM NO INTERIOR
Se a situação em Fortaleza está crítica com relação ao endividamento, em Juazeiro do Norte e Sobral, as duas maiores cidades do interior do Estado, o número de inadimplentes também se destaca. Conforme a Serasa, em ambos os municípios, o percentual de pessoas que está com débitos em atraso é de 37%.
Mesmo com o cenário, a taxa de endividadas nas duas principais cidades do Interior está abaixo da média estadual. A indicação da Serasa é de que aproximadamente 45% da população cearense está inadimplente, segundo maior resultado da região Nordeste, atrás apenas de Pernambuco.
As dívidas dos cearenses, somadas, ultrapassam a casa dos R$ 14 bilhões, e são dominadas principalmente por três segmentos específicos: bancos e cartões (30,5%), utilities (contas como água, luz e gás – 26,16%) e demais instituições financeiras não bancárias (17,46%).
Em todo o Brasil, o endividamento voltou a subir no início de 2024, segundo a Serasa. Em comparação com o primeiro mês de 2023, o número de pessoas inadimplentes no País, no último janeiro, aumentou de 70 milhões para 72 milhões, mesmo com medidas governamentais que auxiliem a população a renegociar dívidas, como o Programa Desenrola Brasil.
Os estados do Rio de Janeiro (53,4%), Mato Grosso (52,6%), Distrito Federal (52,4%), Amapá (52,1%) e Amazonas (52%) são os que têm mais pessoas inadimplentes do que com o nome limpo no território.
45%Esse é o percentual de pessoas que estavam inadimplentes no Ceará em janeiro de 2024, segundo a Serasa.
ENDIVIDAMENTO PERSISTENTE
Apesar dos múltiplos incentivos a reduzir o endividamento da população, especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste concordam que o aumento da inadimplência evidencia que ainda é preciso investir em educação financeira para evitar novas dívidas.
A economista e professora de MBA da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Carla Beni, mostra surpresa com os resultados apresentados pelo Serasa, e indica que é “um dado muito ruim para a economia”, que trouxe sinais de recuperação acima do esperado em 2023 no Brasil.
“No ano passado, tivemos o retorno do aumento real do salário, estamos com os menores patamares de desemprego desde 2015, crescimento de 3% do PIB, recuperação de postos de trabalho com massa salarial. São resultados muito positivos na economia para se ter um aumento de inadimplência. Era para gente ter uma redução, e não novos entrantes na inadimplência”, lamenta.
O resultado trazido pela Serasa não necessariamente evidencia que a população que estava inadimplente antes do Desenrola voltou a ficar inadimplente. Carla Beni ressalta a situação, mas alerta para possíveis reincidências em pessoas que recentemente limparam o nome.
“Provavelmente as pessoas estão recuperando renda e voltando a se endividar, porque, além de tudo, a inflação diminuiu. O aumento da inadimplência precisa ser analisado se são novos entrantes ou se são pessoas que negociaram a dívida, limparam o nome e voltaram a ficar inadimplentes. Há a possibilidade de ser as duas coisas ao mesmo tempo. A pessoa renegociou a dívida, limpou o nome, voltou a ter crédito e deixou eventualmente de pagar e ficou negativada de novo, e outra pessoa que não conseguiu pagar as contas e ficou negativada”.
QUESTÕES REGIONAIS
Para o professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisador na área de Finanças Comportamentais, Érico Veras, a questão cearense é particular principalmente pela renda, que persiste em uma das mais baixas do País há anos.
“Não basta eu ter um programa de negociação de dívidas se eu não tiver renda. Uma parte da população ainda está com renda defasada. Tem as pessoas que perderam renda na época da pandemia e não necessariamente voltaram posição ganhando melhor. Tem muita gente que voltou a trabalhar, mas está ganhando menos, então não adianta eu colocar um programa de renegociação de dívidas se não tiver dinheiro para pagar”, observa.
Principalmente no Nordeste, onde a renda média é muito baixa e as pessoas usam a maior parte da renda para a sobrevivência, fica complicado tirar uma parte para pagar as contas que estão em atraso”ÉRICO VERASProfessor da UFC e pesquisador na área de Finanças Comportamentais
“Imagine que você está devendo R$ 5 mil e vai negociar. Na negociação, fica uma parcela de R$ 300, mas o dinheiro que você tem hoje disponível não dá para pagar porque você usa todo o dinheiro para pagar sua sobrevivência”, acrescenta.
Outra questão destacada pelo professor é de que, de modo geral, programas como o Desenrola contemplam dívidas antigas, isto é, pessoas que já estão há algum tempo inadimplentes, e não consumidores que, por alguma razão, ficaram recentemente endividadas.
A economista Carla Beni defende que muitos dos brasileiros, mesmo com diversas facilidades, ainda não tem a educação financeira necessária para adquirir a responsabilidade de elencar os gastos para evitar que o endividamento se torne uma “bola de neve” difícil de ser controlada.
“A maioria das pessoas não consegue listar as próprias despesas. Como ela tem ou preocupação, ou medo, ou tem até uma barreira psicológica com relação a isso, ela muitas vezes não consegue pegar literalmente o papel e uma caneta e fazer uma lista das despesas dela. É preciso enfrentar o problema, saber que ela não está sozinha, saber que agora ela tem mecanismos para ajudar”, detalha.
Diário do Nordeste