Vinte reservatórios excederam a capacidade máxima no Estado e outros seis estão com mais de 90%. Apesar disso, devido às chuvas irregulares, açudes importantes, como o Castanhão e Orós, seguem em situação preocupante
As boas chuvas que banham o Ceará desde as primeiros semanas do ano trouxeram esperança ao povo sertanejo que depende da água para sobreviver. O sentimento de alívio transcende, e os agricultores já analisam o cenário com otimismo diante das boas recargas hídricas nos reservatórios cearenses. O volume acumulado nos 155 açudes monitorados pela Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), nos primeiros 70 dias de 2020, é o melhor desde 2015, se comparado a igual período dos anos anteriores.
Até ontem (11), marco temporal da série histórica analisada, eram 3,18 bilhões de metros cúbicos acumulados nos reservatórios cearenses, o que corresponde a 17,07% da capacidade hídrica das 12 bacias do Estado. Este índice só foi superado em 2015, quando o volume total dos açudes do Ceará era de 17,66%.
Essas recargas possibilitaram que 26 reservatórios ultrapassassem a marca de 90% da capacidade total. Destes, 20 estão atualmente sangrando. Este é o terceiro melhor índice das últimas duas décadas considerando os 70 dias iniciais de cada ano (2001-2020).
Conforme a Cogerh, somente em 2004 e 2011, o Ceará possuía mais açudes acima de 90% da capacidade até 11 de março dos respectivos anos. Em 2004, ano que marcou a maior recarga hídrica para o período, o Estado contava com 84 reservatórios sangrando e 16 com capacidade entre 90% e 99%. Já em 2011, eram 23 sangrando e oito próximos ao volume máximo.
Para os 21 mil habitantes de Quiterianópolis, a cheia do Açude Colina, responsável pelo abastecimento do Município, representa alívio. Construído em 1988, o Colina passou anos com volume morto, mas voltou a ter recarga a partir de 2016. Em 1º de abril de 2018, o reservatório superou sua capacidade máxima. No entanto, após esta sangria, o açude acumulou perda de volume. Porém, diante das boas precipitações dos últimos dois meses, houve recarga e o Colina atingiu, ontem (11), a marca de 105,99% da capacidade. O agricultor familiar e secretário do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Município, João Silva, está otimista com o cenário. “Sentimos que a chuva está melhorando. Com isso, nós temos a expectativa de uma safra boa”, ressalta.
Além de beneficiar a agricultura, a cheia no reservatório gera conforto à população. A expectativa, conforme o Sindicato, é que essa água atenda à necessidade do Município pelos próximos dois anos mesmo sem incidência de chuva.
Cenário contrastante
No entanto, apesar dos bons volumes pluviométricos deste início de ano, as principais bacias hidrográficas do Estado não conquistaram aporte satisfatório. Esta dualidade pode ser explicada pela distribuição irregular das chuvas por todo o território cearense. O presidente da Cogerh, João Lúcio Farias, avalia a necessidade urgente de aporte para algumas regiões. “Nós temos uma condição confortável mais ao Norte do Ceará. A Bacia do Rio Coreaú, onde está chovendo muito, está com 94,97% da reserva. Na Bacia do Litoral temos 83,84%. Porém, diria que temos uma situação preocupante nas bacias do Jaguaribe e Sertão de Crateús”. O tom de preocupação do representante da Cogerh é justificado pela importância geográfica destas duas bacias. São nelas que estão situados os principais açudes do Estado.
A bacia do Médio Jaguaribe, onde fica localizado o Açude Castanhão, está com apenas 3,53% da capacidade. Em igual período de 2019, o índice era de 3,79%, o que representa uma diminuição de 18,66 milhões de metros cúbicos no armazenamento de água de 2019 para 2020. No Alto Jaguaribe (6,43%), onde está o Açude Orós; e na bacia do Banabuiú (6,93%), onde fica o reservatório homônimo, a situação se mantém inalterada de um ano para o outro. “O problema é que as chuvas estão caindo onde nós temos uma situação mais confortável. Precisamos de um aporte significativo nessas bacias. Ainda temos até o mês de abril para vermos as precipitações nessas regiões”, avalia João Lúcio.
Ele explica ainda que esta disparidade entre o volume das bacias é reflexo dos anos anteriores de estiagem, já que o aporte nos reservatórios tem efeito cumulativo. “O Sertão de Crateús já vinha com dificuldades com as chuvas dos últimos 8 anos. Já as cinco sub-bacias do Jaguaribe estão com precipitações abaixo da média nos últimos cinco anos”.
Água subterrânea
Para driblar a deficiência hídrica nestas regiões, o Estado apostou em outras alternativas que não os reservatórios. “Foi possível abastecer os municípios por meio de um amplo programa de perfuração e aproveitamento de água subterrânea para as regiões com maiores dificuldades hídricas”, ressalta João Lúcio.
O objetivo, com esses projetos, é abastecer as sedes municipais e os distritos que dependem dos açudes. “Nos últimos cinco anos, foram perfurados mais de oito mil poços para atender à sede dos municípios, distritos e a zona rural. Além disso, foram feitos mais de 400 km de adutoras para fazer a transferência de água do açude que tem reserva aos municípios que não possuem esse aporte”, acrescenta o representante. Diante da continuidade das chuvas irregulares no Estado, essa política deve continuar neste ano.
Transposição
A grande aposta para garantir tranquilidade de abastecimento para milhões de cearenses é o Projeto de Integração do Rio São Francisco (Pisf). As águas do Velho Chico vão garantir recarga ao Castanhão e, consequentemente, beneficiarão, diretamente, à Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) e região do Jaguaribe. Em janeiro deste ano, as comportas da barragem Negreiros, em Salgueiro (PE), foram abertas e as águas do rio passaram a percorrer os trechos do canal do Pisf. A expectativa, agora, é que a barragem de Jati, no Cariri, receba as águas do São Francisco ainda neste mês, segundo o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR). Conforme o superintendente da Superintendência de Obras Hidráulicas (Sohidra) e diretor de planejamento da Cogerh, Yuri Castro, o ideal é que o calendário seja cumprido. “Vamos fazer toda a transposição, prioritariamente, nos meses úmidos, que pode ir, talvez, até agosto. Isso porque a perda de água é bem menor com o rio úmido”, garante Castro. Fonte: Diário do Nordeste