Proibida no Brasil, a compra e venda de fósseis é praticada livremente em municípios do interior do Ceará. O G1 flagrou, nas localidades de Nova Olinda e Santana do Cariri, o tráfico de peças de milhões de anos, que podem ser adquiridas por até R$ 20.
Apresentando-se como turistas, membros da equipe de reportagem foram a pontos de venda onde são encontrados os fósseis. Em uma das minas de exploração, foi possível comprar um fóssil de Dastilbe crandalli, peixe de água doce que viveu de 96 a 113 milhões de anos atrás, por apenas R$ 20. A compra rendeu, ainda, o brinde de um exemplar de um Heteroptera (barata d’água).
Em Santana do Cariri, um homem foi flagrado mostrando em seu piso o que seria um osso de dinossauro. “Isso aqui é uma junta, continua em outra pedra”, explicou. Morador da localidade, ele demonstrou conhecimento acerca da ilegalidade dos negócios feitos por meio da venda de fósseis. “Se tirar uma pedra daqui e comercializar, você vai se encrencar”, alertou.
Na CE-166, que liga Santana do Cariri a Nova Olinda, há várias minas de exploração de calcário laminado. Antes de chegar a uma delas, um morador – não identificado – admite que a pedra é bastante encontrada na região, mas é fiscalizada pela Polícia Federal. Segundo ele, quem a acha mantém em sigilo. “Os funcionários (das minas) quando encontram, ficam todos caladinhos. Passam um ‘fio’ para um cara aí, ele vem, bota tanto (valor), outro bota tanto, e acabam levando. É proibido vender. É caro, dependendo da peça. Muitas vezes o cara encontra jacaré, pterossauro”, confirma.
Na chamada Mina de Idemar, a equipe se identificou, mais uma vez, como turistas que queriam levar uma “lembrança” para casa e indagou se havia alguma “pedra” – como costumam chamar os moradores – disponível. Rapidamente, um funcionário acompanhou a equipe até outra sala, onde havia diversos armários. Assim que todos entraram, o homem apontou para um fóssil. “Isso aqui não é meu, mas é raro. Os pesquisadores, quando veem, ficam loucos. Um vegetal, de ano em ano, você encontra um. Trabalho aqui há 10 anos. Faz tempo que vi desse aqui”, conta, após mostrar um peixe em suas mãos.
Por apenas R$ 20, a equipe adquiriu outra peça identificada como barata d’água. Após a aquisição dos fósseis, o material colhido em Nova Olinda foi entregue ao Laboratório de Paleontologia da Universidade Regional do Cariri (Urca). O paleontólogo Álamo Feitosa identificou os animais e entregou um termo de recebimento.
Ao longo das últimas três semanas, a equipe de reportagem também tentou contato, por telefone, com a Delegacia da Polícia Federal em Juazeiro do Norte. Questionamentos foram enviados por e-mail, e um repórter foi à própria unidade, mas não conseguiu falar com a delegada Josefa Maria Lourenço que, por meio dos secretários, afirmou “estar muito ocupada”.
Fóssil de barata d’água foi dado ‘de brinde’ após a aquisição de um item maior. — Foto: Antonio Rodrigues / Sistema Verdes Mares
Importância histórica
A Bacia do Araripe se tornou um dos principais alvos do tráfico de fósseis no mundo, por causa da preservação do material. “Houve coincidências geológicas e ambientais que preservaram os fósseis, mantendo as partes moles, mais delicadas, como músculo, pele, conteúdo estomacal, parasitos”, explica Álamo Feitosa.
No local, podem ser encontrados diversas espécies de insetos, moluscos, grupos de plantas, peixes, anfíbios, tartarugas, lagartos, dinossauros, pterossauros, crocodilos, aves e pequenos mamíferos. “Os fósseis aqui são usados como modelo para o mundo todo”, completa Álamo.
De acordo com o paleontólogo, o transporte destas peças para o exterior é antigo. Em 1800 já há registros feitos pelo naturalista João da Silva Feijó, que foi ao Cariri a mando da Coroa Portuguesa para relatar a singularidade dos fósseis. À época, enviou duas coleções ao rei de Portugal. Só a partir do último século, na década de 1940, que o material coletado começou a ser depositado no antigo DNPM. Porém, nos anos de 1960, Santana do Cariri tinha feiras livres de fósseis vendidos nas calçadas e praças, e enviados para São Paulo.
Prisões
Apesar de ter sido mais comum nas décadas de 1980 e 1990, o tráfico de fósseis ainda acontece na região. De 2012 a 2017, a Delegacia Federal de Juazeiro do Norte apreendeu 111 fósseis, prendeu/indiciou 19 pessoas e abriu 13 inquéritos.
Em outubro de 2013, a Polícia Militar deteve um caminhão carregado com 27 peças em Pedreira (SP). O veículo teria sido carregado em Nova Olinda e aguardava o destino final. Antes disso, o motorista confessou aos agentes de segurança que já havia feito outras entregas do tipo, mas com destino a Curvelo (MG).
No Brasil, fósseis são propriedades da União, enquanto a extração depende de autorização da Agência Nacional de Mineração.
Nordeste Notícia
Fonte: G1