Com a queda do projeto de lei, o procedimento, na Argentina, fica limitado apenas a casos de estupro e risco de morte da mãe
O Senado argentino derrubou, na madrugada desta quinta-feira (9), o projeto de lei que permitiria a interrupção da gravidez apenas pela vontade da mulher até a 14ª semana de gestação.
Depois de uma sessão que durou 17 horas e causou muita expectativa, com o Congressorodeado de militantes anti e a favor da causa, os senadores votaram contra a lei do aborto que já havia sido aprovada pela Câmara de Deputados. O placar final foi de 38 a 31.
Houve festejos e lançamento de fogos de artifício do lado dos que estavam contra a lei e panelaço e gritos de “não desistiremos” do lado dos que defendem a medida.
Uma das últimas a discursar foi a ex-presidente Cristina Kirchner (2007-2015), que durante seu mandato esteve ao lado dos anti-aborto, mas que declarou ter mudado de ideia. “Eu hoje penso diferente porque ouvi a voz das jovens, dessa geração de mulheres feministas que estão destruindo uma sociedade machista e patriarcal e precisam do nosso apoio”.
Acrescentou que se sentia na obrigação de estar ao lado delas porque tem duas netas pequenas e que quer que elas se orgulhem da avó quando ficarem grandes e o aborto estiver legalizado. “Porque vai estar legalizado, se não for hoje, será dentro de um ano ou dois”.
Entre os que se declararam contra estava Esteban Bullrich, da aliança governista Mudemos, para quem “a maternidade não deveria ser um problema. Se não houvesse vida, não haveria Senado nem leis.”
Também os ex-presidentes e senadores Carlos Menem e Rodriguez Saá se posicionaram contra a legislação. Porém, quem causou mais polêmica foi o peronista Rodolfo Urtubey, que disse que, depois de votada a derrota da lei, deveria-se “tipificar melhor o que é estupro”, explicando que aqueles que se realizam “com violência, nas ruas” são mais graves que os “intrafamiliares”, que ocorrem em casa.
E explicou: “Às vezes o estupro é um ato involuntário que uma pessoa sofre por parte de um abusador com quem tem uma relação de inferioridade, mas não chega a ser violento”.
Entre os que defenderam a lei, o discurso mais emotivo foi o de Gladys González, também do Mudemos, que chorou em seu discurso e disse que “sonha para as mulheres argentinas o mesmo que para as minhas filhas, que possam planejar ter seus filhos, gozar de seus direitos e, se tenham de fazer um aborto, que seja com segurança e dentro da lei”.
Já a peronista Beatriz Mirkin indagou se as mulheres são “ventres ou seres humanos com direitos? Fui votada para legislar e vou legislar pelos direitos da mulher.”
Mas quem virou meme e descontraiu o clima arrastado dos longos discursos foi o senador e cineasta Fernando “Pino” Solanas, que disse ser a favor do aborto porque os jovens devem “gozar a vida com liberdade”.
Além disso, contou histórias de amor pessoais, uma das quais terminou com uma gravidez indesejada e um aborto. Solanas ainda criticou os que votaram pensando em não causar dano à sua imagem política, uma vez que, no ano que vem, haverá eleições presidenciais e legislativas.
Com a queda do projeto de lei, o procedimento, na Argentina, fica limitado apenas a casos de estupro e risco de morte da mãe (no Brasil, além destes, é legal em caso de anencefalia).
Na praça diante do Congresso, foram postas placas de metal e limites até onde podiam ir os “celestes”, contra o aborto, e os “verdes”, pró-legalização.
Os “verdes” vêm sendo mais bem organizados por associações feministas, como a Campanha Nacional contra a Violência Contra a Mulher.
Além dos lenços verdes, elas distribuíram capas de chuva nessa cor (choveu a tarde e a noite toda) e montaram tendas de alimentação e um QG no hotel Castelar para que os ativistas pudessem descansar ao longo da jornada em uma tarde de temperaturas entre 8°C e 11°C. À noite, caiu para 6ºC.
Já os “celestes” trouxeram seu principal símbolo, o feto de plástico Alma, além de bandeiras argentinas e cartazes contra o presidente Mauricio Macri, que deu impulso ao início das votações. Havia crucifixos e imagens religiosas.
Enquanto os “verdes” gritavam “nem uma a menos” ou “aborto legal, no hospital”, os “celestes” bradavam “sim à vida, aborto não”, e “salvemos as duas vidas”. Entre as “verdes”, predominavam adolescentes e mulheres jovens. Entre os “celestes”, mulheres mais velhas e homens.
Folhapress