Ainda que a engenharia espacial seja uma realidade distante em Fortaleza, o Grupo de Desenvolvimento Aeroespacial (GDAe) nasceu com o intuito de estudar a ciência e construir foguetes. A ideia surgiu em 2015, quando alguns alunos da Universidade Federal do Ceará (UFC) criaram um grupo para discutir o assunto. Em 2017, sob a orientação do professor e físico por formação Claus Wehmann, virou projeto de extensão. Com 22 integrantes, todos estudantes de cursos de engenharia da instituição, o GDAe funciona dentro de uma casa feita de plástico, localizada no campus do Pici, e que anteriormente abrigava outro projeto.
“Tudo começou no 2º semestre de 2015. Eu e uns amigos estávamos conversando porque nos interessava essa área de engenharia espacial, só que não tinha nada na UFC sobre o assunto, nenhum núcleo de estudo. O grupo surgiu para estudar foguetes. Foi quando descobrimos que precisávamos chamar um professor, para ser nosso orientador, e indicaram o professor Claus. Ele até já tinha um grupo, que era menor, que já estava fazendo alguns projetos nessa área. Nós pedimos para ele abrir o grupo para todas as engenharias. Nem tinha um nome ainda, depois que surgiu a ideia do nome Grupo de Desenvolvimento Aeroespacial”, explica Renan Capistrano, ex-integrante do grupo.
Do ponto de vista do orientador, a ideia desde o início era fomentar essa área de pesquisa, já que ela não existe formalmente na Universidade. “E ainda aproveitar algumas características da nossa região. Nós temos uma base de lançamento em Natal, por exemplo, que tá, de certa forma, um pouco ociosa, e também apareceu bastante estudante interessado no assunto. Da minha parte, o grupo começou porque eu tive algumas experiências na minha formação, principalmente na área espacial, com algumas equipes da Universidade Técnica de Munique (Alemanha). Eu conheci uma equipe lá basicamente formada por estudantes que desenvolvia foguetes e achei interessante trazer a mesma proposta pra cá”.
“No Brasil a gente não tem um programa espacial bem desenvolvido. Desde que eu me dedico a essa área, percebo que existe uma necessidade do nosso País de desenvolver essa ciência. O GDAe não visa só estudar foguetes, mas discutir tudo que está por trás disso. Acredito que quando o grupo foi criado, o intuito era estudar e desenvolver nosso próprio método, utilizando o que já existe, de teorias a livros, pra gente fazer algo brasileiro que seja relacionado à área espacial”, comenta ainda Emanuel Santos, estudante de engenharia mecânica.
Quando oficialmente se tornou projeto de extensão, a equipe do GDAe passou a divulgar em eventos universitários o programa. O fato de no início não terem um local para se reunir dificultou para colocar as ideias em andamento. Eles ganharam um espaço físico somente este ano, e colocaram literalmente a mão na massa para transformar o lugar em “lar do projeto”. Parte da reforma foi resultado de um crowdfunding. No entanto, mesmo com pouco tempo de vida, já participaram de eventos como a Competição Brasileira Universitária de Foguetes (COBRUF).
“Apesar de participarmos de eventos, a proposta que eu faço ao grupo é o desenvolvimento da tecnologia em si. O GDAe não é uma equipe de competição e, sim, organizada para disseminar o conhecimento da área espacial. É para ser também uma semente para o desenvolvimento na área aqui na Universidade”, pontua Claus.
Projetos do GDAE
Ao longo desses meses de trabalho, o grupo desenvolveu dois projetos. Um deles é o Thunder, um foguete mais simples que usa um motor de propulsão sólida. O outro é chamado de Projeto Hermes, um foguete híbrido capaz de atingir 5.000 metros de altitude, e tido como projeto principal da equipe no momento.
Com o projeto do foguete em mãos, eles também pensam em uma missão. A Missão Dragão do Mar foi pensada para o foguete Hermes. “Geralmente as pessoas criam uma missão relacionada ao objetivo desse foguete. E a nossa missão é basicamente lançar um foguete que use tecnologia híbrida, atinja um apogeu de 5 quilômetros e seja lançado do Centro de Lançamento da Barreira do Inferno. Acho que a gente não vai levar nenhuma carga paga dentro do foguete. A missão se resume a lançar o foguete mesmo, porque, em termos universitários, já é um feito muito grande”. A ideia é que a Missão seja finalizada, com o lançamento, ainda em 2018, segundo o relato de Emanuel.
Já o foguete Thunder utiliza nitrato de potássio e açúcar como combustível. A ideia do grupo é que ele seja lançado entre maio e junho, em uma área isolada da Fazenda Experimental Vale do Curu, da UFC, em Pentecoste. Para que o lançamento aconteça, o grupo precisa de uma autorização da Força Aérea Brasileira (FAB).
“Nesse primeiro lançamento testaremos os pequenos sistemas, como o de recuperação e o de controle de altitude. Na segunda fase, ele vai ser aprimorado, e colocaremos uma carga útil, que é um experimento de outro professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Depois de testados, esses sistemas serão colocados no Hermes. O Thunder funciona como uma validação”, reforça Claus.
Os alunos utilizam variados tipos de material para construir os foguetes, desde cano PVC a aço inox. Para construir o paraquedas, eles usam tecido e barbante comum. Uma impressora 3D, que o professor comprou para uso pessoal, também é utilizada. “O projeto não tem um financiamento oficial. Boa parte das coisas que existem aqui foram compradas à base de rifa ou nos juntamos para comprar ou foram doadas”, explica ainda o professor.
“Também tem a parte eletrônica, que precisa ser validada, que são alguns sensores como altímetro, acelerômetro, etc”, acrescenta o estudante Davi Mendes. Em média, eles levam nove meses para construir um foguete.
No Ceará, o GDAe é pioneiro em sua proposta. Como antes não tinham uma oficina, eles aproveitavam a parceria com o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) para desenvolver peças do foguete em espaços da instituição. Com isso, alunos do IFCE quiseram montar seu próprio grupo e o intitularam de Baladeira e Rocket Time. “Fizemos uma palestra lá, devido a parceria, e apresentamos o projeto do nosso grupo. Tiveram muitos interessados no assunto e o professor Claus manteve contato com os professores, por isso o grupo acabou surgindo. Como todo começo, é complicado por conta da falta de apoio. A gente mantém a troca de ideia e acabou se tornando uma espécie de tutor deles”, conta Davi.
Mercado de trabalho
O grupo assume que no Ceará o mercado é zero para engenharia espacial. “Na verdade, minha opinião pessoal sobre o assunto é que a área espacial brasileira se resume muito aos institutos, como o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial, onde fica o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA); o Instituto de Aeronáutica e Espaço e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. E eles, assim como a Universidade, têm sofrido com a falta de financiamento. O Programa Espacial Brasileiro tem sofrido com o corte de verbas. O engenheiro que quer lidar com essa área aeroespacial tem que se vincular a esses projetos. Existem algumas empresas, como a Avibras, que desenvolvem algumas coisas porque lidam com foguetes com foco em armamento, mas não é voltado pra área espacial. Atualmente o desenvolvimento espacial já saiu do âmbito do governo há muito tempo. Quem sabe, esse pessoal saindo da Universidade… Existem ex-alunos que pensam em fazer uma startup na área espacial”, explica Claus.
A gente se preocupa em capacitar todos os membros para saber gerir. O engenheiro, no final da carreira dele, é um gerente. No começo a gente pensava só na parte técnica, mas chegou o momento que sentimos a necessidade de deixar o GDAe mais profissional, transformá-lo numa empresa. “Diz Davi Mendes”
Quando se trata de referência, Estados Unidos é o nome citado por eles na área. “A Índia é um caso à parte porque eles têm um apoio enorme do governo e o engraçado é que conseguem fazer as coisas com uma verba relativamente menor que os Estados Unidos ou a China. Eles conseguiram desenvolver muitas coisas com um orçamento mais modesto”, diz ainda o professor.
Apesar disso, o projeto pode ajudá-los em qualquer segmento da profissão que optarem. “A gente se preocupa em capacitar todos os membros para saber gerir. O engenheiro, no final da carreira dele, é um gerente. No começo a gente pensava só na parte técnica, mas chegou o momento que sentimos a necessidade de deixar o GDAe mais profissional, transformá-lo numa empresa. Foi quando nos reorganizamos, e montamos núcleos como o marketing, gestão de pessoas, etc”, comenta Davi.
“O engenheiro tem que solucionar problemas com os recursos que, às vezes, são escassos e no melhor tempo possível. Mesmo que eu não vá para a área espacial, seja lá pra onde formos, a gente vai poder usar o que aprendeu”, completa Emanuel.
A cada semestre um processo seletivo é feito para novos integrantes entrarem no grupo. Agora em maio, nos dias 16 e 17, também acontece a I Jornada Cearense de Foguetes, organizada pelo GDAe em parceria com o órgão Seara da Ciência. Podem participar do evento estudantes dos níveis fundamental, médio e superior do Ceará.
As equipes que obtiverem no lançamento alcance acima de 100 metros serão classificadas para participar da 13ª Jornada de Foguetes, evento realizado pela Mostra Brasileira de Foguetes (Mobfog), que ocorrerá em novembro, em Barra do Piraí, no Rio de Janeiro.
O objetivo da jornada é divulgar de forma lúdicas as áreas de astronomia, engenharia espacial, física e astronáutica. O evento ainda terá exposições e palestra com o professor João Canalle, coordenador da Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica.