Do continente ao conteúdo. A Apple decidiu não ser só mais uma maçã no cesto — piada ruim — da indústria televisiva e fará a mudança entrando como um elefante em uma loja de cristais. Em plena guerra pela hegemonia do modelo de negócio entre as redes tradicionais e as plataformas de streaming como a Netflix, Hulu e Amazon, o gigante de Cupertino promete dinamitar o campo da batalha com seu talão de cheques e contatos. Um bilhão de dólares (3,5 bilhões de reais) de investimento como entrada e um milagre já creditado em sua conta: a volta à telinha, quinze anos depois, de quem foi sua rainha incontestável, Jennifer Aniston. Uma estratégia colocada em andamento em março e cuja aterrissagem e funcionamento ainda é uma incógnita aos espectadores. A seguir, tentaremos dar respostas.
Nos primeiros dias de 2018 a mesma manchete aparecia nos cadernos de economia da imprensa: “A Apple pretende comprar a Netflix”. Aproveitando a política de cortes de impostos às grandes empresas feita pelo presidente Trump, os analistas previam até 40% de possibilidades de que o gigante de Cupertino adquirisse a plataforma de streaming, resolvendo com uma canetada seu desejo de entrar no negócio da criação de conteúdo. Outros falaram até da própria Disney como objeto de desejo. Em um debate promovido pelo festival South by Southwest realizado em março, entretanto, a cabeça visível do ambicioso plano da Apple, Eddie Cue, calou os rumores. “Em geral, na história da Apple não foram feitas grandes aquisições”, acrescentando depois como pista sobre suas intenções uma clássica metáfora do hóquei sobre gelo: “patine para onde o disco irá, não para onde ele está agora”.
O disco da ficção televisiva e cinematográfica está atualmente nas mãos da Netflix. Por que então a Apple descartou sua compra? A política da empresa dirigida por Reed Hastingspode ser a culpada. “Existe uma diferença, nós não buscamos quantidade, buscamos qualidade. Não tentamos ser os que vendem mais smartphones e aplicativos no mundo, tentamos ser os melhores”, afirmou Cue. A Netflix, com aproximadamente 80 filmes e 700 séries originais disponíveis para 2018, parece seguir um modelo de negócio muito diferente do exposto nessas declarações. A Apple decidiu não se juntar ao inimigo e lutar contra ele, por mais atrasada que seja sua posição atual no grid de largada. Situadas no contexto do aplicativo Music, seus únicos projetos emitidos se limitam à série Carpool Karaoke de James Corden e o concurso Planet of the Apps; ambos longe de criar quaisquer indícios de preocupação em seus potenciais rivais. Até agora.
De acordo com o Wall Street Journal, a empresa liderada por Tim Cook preparou um bilhão de dólares para começar a estrear suas próprias séries nos próximos quatro meses. Ainda que fique longe dos sete bilhões de dólares (24 bilhões de reais) investidos pela Netflix e os quatro bilhões de dólares (14 bilhões de reais) da Amazon, sua estratégia baseada em uma menor produção e sua hegemonia nos dispositivos a colocará imediatamente como um rival a se considerar. E para uma empresa que conta atualmente com mais de 260 bilhões de dólares (916 bilhões de reais) em reserva somente em dinheiro, o investimento será quase insignificante em seu livro de contas. A equipe executiva foi montada como um All-Star da programação televisiva, dentre as quais se destacam duas contratações: Jamie Erlicht e Zack Van Amburg. Vindos da Sony Pictures Television, contam em seu currículo com a produção de séries tão elogiadas como Breaking Bad, The Crown e Justified.
Mas é o setor artístico que mais manchetes deu ao futuro projeto Apple Video. Tentando se apegar ao lema de “menos quantidade, mais qualidade”, a empresa de tecnologia decidiu apostar no certo. Jennifer Aniston voltará à telinha pela primeira vez desde o final da mítica série Friends em 2004, acompanhada por Reese Witherspoon (Big Little Lies), em Top of the Morning. A Apple venceu a Netflix e a HBO em um concorrido leilão para ficar com a ficção que narrará o dia a dia das integrantes de um programa de televisão matutino. A confiança da multinacional é tamanha que, sem sequer ter começado a filmagem, já a renovou por duas temporadas de dez capítulos cada uma. Witherspoon também produzirá mais outras duas ficções para a empresa da maçã: o thriller Are You Sleeping, com Octavia Spencer (A Dama na Água) como protagonista, e outro retorno televisivo esperado: o de Kristen Wiig (Missão Madrinha de Casamento) após sua saída do Saturday Night Live, uma comédia ainda sem título.
As contratações de grandes nomes não acabam aí. Steven Spielberg produzirá o remake de sua própria série dos anos 80 Amazing Stories, com um orçamento de mais de 5 milhões de dólares (17 milhões de reais) por episódio. Damien Chazelle (La La Land: Cantando Estações), anunciado por muitos como herdeiro do título de ‘rei Midas’ da indústria cinematográfica, também se encarregará de escrever e dirigir um drama que só se sabe que será ‘inovador’. M. Night Shyamalan (O Sexto Sentido) contribuirá com a cota de gênero sobrenatural; Kumail Nanjiani e Emily V. Gordon, roteiristas de Doentes de Amor, escreverão uma comédia sobre a vida dos imigrantes chamada Little America; e até Kevin Durant, a estrela do Golden State Warriors (equipe por excelência dos funcionários da Apple), estreará no cargo de produtor com uma série baseada em seu início como jogador de basquete nas ruas de Washington.
A única coisa que a Apple ainda mantém como incógnita é quando e como. Apesar de não existir nenhuma data confirmada, tudo leva a crer que será em março de 2019 quando as ficções começarem a chegar ao grande público. Em relação ao formato, os especialistas preveem um serviço de streaming por assinatura, acessível mediante aplicativo e Apple TV que deverá ser o carro-chefe de todo o projeto. As dúvidas que ainda estão sem resposta são várias: quanto custará o serviço? A Apple tentará prevalecer dificultando o acesso do consumidor à concorrência pelos seus dispositivos? Também produzirá, como a Netflix e a HBO, conteúdo fora dos Estados Unidos? Como seus rivais responderão? A chamada de “melhor marca do mundo” durante cinco anos consecutivos já tem em sua conta o fracasso da Apple Music como plataforma musical hegemônica, não pode se dar ao luxo de outra decepção. E tudo isso justamente quando outro gigante, nada menos do que a rede social Facebook, acaba de anunciar a próxima produção de uma série de ficção com Catherine Zeta-Jones para sua plataforma Watch. Todos querem sua fatia da torta na grande bolha da ficção televisiva internacional. Quem ficará sem prová-la?
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Fonte: AFP