O Facebook, a rede social utilizada por 2 bilhões de indivíduos que mudou a forma de as pessoas se relacionarem entre elas e com a política, e que está entre as dez maiores empresas de tecnologia do mundo, sofre um cerco em várias frentes desde que foi revelado, há quatro dias, que a consultoria política Cambridge Analytica, que participou das campanhas de Donald Trump e do Brexit, teve acesso ilegal aos dados de 50 milhões de seus usuários. Em dois dias, a companhia perdeu US$ 50 bilhões, 9,15% do seu valor de mercado.

Ontem, a imprensa americana revelou que a Comissão Federal de Comércio dos EUA decidiu investigar o caso, enquanto os Parlamentos Europeu e britânico e o Congresso americano cobraram explicações do fundador e CEO do Facebook, Mark Zuckerberg. As reações foram motivadas por reportagens publicadas no sábado pelos jornais “New York Times” e “Guardian”, que mostraram a amplitude do uso ilegal de dados pela Cambridge Analytica. Numa reação que muitos consideraram tardia, o Facebook baniu a consultoria, proibindo que mantenha páginas ou publique anúncios na rede social.

PAPEL-CHAVE DO ARTÍFICE DO TRUMPISMO

No Reino Unido, Elizabeth Denham, a chefe da Comissão de Informação, órgão regulador do direito à informação, anunciou que busca um mandado para coletar informações nos escritórios da Cambridge Analytica. Os britânicos já investigavam irregularidades na campanha Leave.EU, articuladora do Brexit. A comissão poderá punir o Facebook em até 4% de seus negócios globais quando uma nova lei de proteção de dados entrar em vigor, em maio.

— Chegou o momento de escutar um alto executivo do Facebook com autoridade suficiente para explicar este grande fiasco — disse Damien Collins, deputado que preside a comissão de Cultura do Parlamento. — Perguntamos insistentemente ao Facebook como empresas adquirem e retêm informações de usuários. Respostas de seus representantes subestimaram esse risco e foram enganosas.

Ontem, a Comissão Federal de Comércio (FTC) dos EUA abriu investigação sobre o uso ilegal dos dados. Ao menos 12 grupos civis pediram a ação. Fontes indicam que a FTC já avalia se a rede social descumpriu um acordo de 2011, quando se comprometeu a não repassar dados de usuários sem seu consentimento expresso. Segundo o “Washington Post”, se a FTC determinar que o repasse dos dados à Cambridge Analytica foge do que havia sido pactuado, a empresa poderá sofrer uma pesada multa de US$ 40 mil (R$ 132 mil) por cada violação. Não há prazo para análise, mas este tipo de investigação costuma terminar em menos de um ano.

Com isso, as ações do Facebook caíram 2,6% (após um baque de 6,72% na segunda-feira). Somadas as perdas, a desvalorização chega a US$ 50 bilhões — R$ 165 bilhões, valor superior, por exemplo, ao total das ações do Banco Santander no Brasil. Com os números, Zuckerberg é a pessoa que mais perdeu dinheiro no mundo em dois dias: US$ 9 bilhões. As ações do Twitter e do SnapChat também caíram em 2,5% e 10%.

A Cambridge Analytica é acusada de comprar, com a intenção de influenciar eleições, os dados pessoais recolhidos por um aplicativo que funcionava dentro do Facebook. Com os dados, podia fazer campanhas, dentro e fora da rede, voltadas a grupos específicos de eleitores.

O articulador da relação entre a campanha de Trump e a Cambridge Analytica foi Stephen Bannon — então CEO do site ultranacionalista Breitbart News, e que viria a integrar o conselho diretor da empresa, se tornaria braço direito de Trump na campanha e depois trabalharia na Casa Branca.

— Fizemos toda a pesquisa, todos os dados, estatísticas. Montamos os públicos-alvo. Fizemos toda a campanha digital, e nossos dados deram forma à estratégia deles — gaba-se o CEO Alexander Nix num vídeo revelado ontem pelo Channel 4 News.

A rede social se disse ontem “escandalizada” e prometeu “aplicar energicamente políticas para proteger a informação privada”.

— Devemos saber se eles (o Facebook) estão realmente preparados para liderar a indústria na implementação de mais controles para prevenir tudo isso — disse a senadora democrata Dianne Feinstein, defendendo convocar Zuckerberg para depor.

As instituições europeias também pressionaram a rede social: “O Facebook precisa esclarecer ante os representantes de 500 milhões de europeus que dados pessoais não estejam sendo usados para manipular a democracia”, cobrou no Twitter Antonio Tajani, presidente do Parlamento Europeu.

CEO É SUSPENSO APÓS SUGERIR TÁTICAS BAIXAS

No mais novo escândalo, o repórter do Channel 4 News se passou por um funcionário de uma família rica do Sri Lanka que queria ajudar a promover políticos aliados. Em encontros entre novembro e janeiro, marcados secretamente, Nix e outros executivos se vangloriam de contratar empresas de fachada e ex-espiões em nome de clientes, além de sugerirem o uso de propinas e prostitutas para chantagear políticos. Nix chega a falar em “enviar meninas para candidatos”, elogiando ucranianas.

Ontem, mesmo após acusar a reportagem de “deturpar grosseiramente” a empresa, a Cambridge Analytica suspendeu Nix, dizendo que suas falas “não representam valores ou operações da firma”. O cofundador da Cambridge Analytica e agora delator Christopher Wylie, que revelou o caso, anunciou ontem que vai depor na Comissão de Inteligência da Câmara como parte da investigação sobre a interferência russa na eleição de 2016, em suposto conluio com a campanha de Trump.

Brian Acton, cofundador do WhatsApp, deixou a empresa em 2017
© Nilton Fukuda/Estadão Brian Acton, cofundador do WhatsApp, deixou a empresa em 2017

O cofundador do aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp Brian Acton fez uma rara demonstração pública nesta quarta-feira, 20: em sua conta no Twitter, ele sugeriu a qualquer pessoa que deletasse sua conta no Facebook. “É hora #deletefacebook”, disse Acton na publicação, seu primeiro tuíte em um mês.

O comentário é uma das demonstrações mais vigorosas do mercado de tecnologia até o momento, em meio ao escândalo em que o Facebook se envolveu nos últimos dias, depois que reportagens revelaram que a empresa Cambridge Analytica usou dados de 50 milhões de usuários da rede de forma ilícita.

A manifestação ganha peso ainda pois Acton, cuja fortuna está avaliada em US$ 6,5 bilhões, vendeu o WhatsApp ao Facebook em 2014 por US$ 16 bilhões. Ele trabalhou junto do Facebook por três anos desde a venda, e deixou o WhatsApp no ano passado para se dedicar a causas sociais e de tecnologia.

Ainda não está claro, porém, se seu comentário se estende ao aplicativo que criou ao lado do ex-colega de Yahoo, Jan Koum, que permanece à frente da empresa. Questionado pelo site The Verge sobre o assunto, Acton não se manifestou ainda sobre pedidos de entrevistas – o mesmo vale para o Facebook ou WhatsApp.

No mês passado, porém, ele investiu US$ 50 milhões no Signal, um aplicativo de mensagens criptografadas que tem sido considerado uma alternativa independente ao WhatsApp. Acton, porém, não é o primeiro ex-executivo do Facebook a criticar sua ex-empresa – o mesmo já aconteceu com o ex-diretor de crescimento Chamath Palihapitiya e com o primeiro presidente da empresa, Sean Parker.

Nordeste Notícia
Fonte:O Globo

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