Legenda: José Maria chorava ao pensar que não veria mais os irmãos vivos Foto: Acervo pessoal
José Maria não tinha nem 10 anos quando viu os dois irmãos mais velhos saírem de casa em Beberibe, no Litoral Leste do Ceará, com uma promessa para a mãe: “a gente vai arrumar o que comer e mandar dinheiro para a senhora”.
Foram 50 anos sem nenhum contato, numa saudade que embarga a voz do cearense, até o reencontro virtual neste mês por meio de um grupo de desaparecidos nas redes sociais.

A família se desmembrou no início da década de 1970, quando Dimas e Luciano da Silva Guerra saíram para trabalhar no Pará. Por lá, os dois também acabaram tomando caminhos diferente. No Ceará, José Maria ficou ao lado de duas irmãs, mas após a família mudar de cidade, quando vieram para Fortaleza, a comunicação ficou ainda mais difícil. Dimas chegou a enviar cartas no Norte do País, mas elas nunca chegaram aos familiares.

Foi a insistência da filha de José Maria que tornou o reencontro virtual possível, com buscas nominais e ajuda de pessoas na região que identificaram uma pessoa que poderia ser o seu tio. E era. “É uma felicidade muito grande, ficamos muito emocionados, dizem que homem não chora, mas só se for um homem que não ama, que tem uma barreira na alma”, reflete José Maria da Silva Guerra, agora com 59 anos.

Nunca é tarde para ser feliz, ela vem nem que seja na velhice, meus pais já se foram e eu só tenho minhas duas irmãs. Agora tenho a certeza da vida do meu irmão

JOSÉ MARIA
Zelador

Uma videochamada uniu Dimas e José no dia 14 de setembro e desde então os dois se falam constantemente, mas os assuntos de uma vida distante ainda precisam de muito tempo. Os irmãos buscam informações sobre Luciano.

“A gente já conversou sobre o nosso passado, os parentes que ficaram, nossa mãe que teve uma vida muito difícil para nos sustentar e sobre meu pai que trabalhou até em salinas e roçados”, lembra.

Sem condições financeiras para um reencontro, os dois ainda não sabem quando poderão encerrar a saudade com abraços. “Quando der certo a gente vai se encontrar, temos aquela esperança em Deus, como Ele colocou meu irmão no meu caminho de novo, acredito que não vai nos abandonar”, conclui José Maria.

 

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Tantas décadas longe dos irmãos deixou “uma marca muito profunda”, como define o zelador, que pede pausas durante a entrevista para contar a história da família devido à emoção.

“Eu tinha uns 6 anos e lembro do Dimas passando para trabalhar numa fazenda, ele me levava para buscar água no açude, me deixava em casa e eu chorava para continuar com ele”, resgata da memória.

Num período de muitas dificuldades, uma empresa ofereceu trabalho longe da família. Dimas chegou a voltar por um mês, mas voltou ao Pará e hoje vive na cidade de Oriximiná.

Legenda: Dimas fala constantemente com o irmão por videochamada Foto: Acervo pessoal

“Fui crescendo sentindo muita saudade, eu era encostado do mais novo e a gente se sentia desamparado, porque os irmãos mais velhos eram como chefes de família. Muitas vezes meu pai não estava presente e eles cuidavam”

O amor pela família aparece na fala de José Maria com facilidade e a angústia da distância fica mais evidente no Natal, Ano Novo e Dia dos Pais. “Vejo os filhos juntos e as outras famílias e o que mais dói é porque fomos separados muito cedo. Não deu tempo de conviver, brincar, perdemos uma infância”, conclui.

COMO FOI A PROCURA

Brena Guerra, de 29 anos, escuta sobre o desejo do pai de reencontrar os irmãos desde pequena e tomou para si esse desafio.

“Em 2016 eu publiquei uma chamada para saber se alguém conhecia o Dimas e o Luciano, filhos da Rosa e do Raimundo, mas sem sucesso. Nisso, o meu pai chorava e eu vendo ele dizer que não queria morrer sem ver os irmãos”, explica sobre a procura.

José Maria chegou a pedir para acionar rádios locais e visitar Belém, capital paraense, mas não conseguiu encontrá-los. Mas a filha não desistiu.

“Eu e meu primo começamos uma campanha, fomos em grupos de pessoas desaparecidas, e um rapaz localizou um Dimas com os mesmos dados e ao falar com ele já liguei numa videochamada e ele começou a chorar porque estava procurando a família há mais de 50 anos”, conta Brena sobre o momento.

Agora ela busca arrecadar uma quantia de R$ 5 mil para trazer o tio de volta ao Ceará para uma visita à família. “Eu desde pequena disse que queria trazer meu tio de volta para ele”, completa.

 

Diário do Nordeste

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