Legenda: Reservatório voltou a sangrar depois de mais de uma década Foto: SAAE Solonópole

Após 12 anos de espera, a população de Solonópole, no Sertão Central do Ceará, finalmente reviu o açude Riacho do Sangue atingir sua capacidade máxima, no fim de março. O fenômeno conhecido como “sangria” guarda coincidência com o nome do próprio reservatório, batizado possivelmente após conflitos armados durante a colonização daquela região.

As historiografias oficiais de Solonópole e dos municípios vizinhos de Jaguaretama e Deputado Irapuan Pinheiro narram que o passado desses lugares começou com muita violência. Para consultar as versões conhecidas, o Diário do Nordeste recorreu ao livro “Solonópole”, cronologia que documenta a história social, econômica e política do município, do escritor Francisco Dantas Pinheiro, cedido pelo historiador Edinaldo Dantas.

Dantas crê que a atribuição “ainda não encontrou uma explicação irrefutável”, por isso revisita as teorias de diversos estudiosos antes de dar seu voto. O ponto em comum entre elas é o mesmo: a carnificina teria sido tão grande que o sangue das vítimas teria tingido de vermelho as águas da corrente.

 

Legenda: Vista aérea da parede e do sangradouro do açude Foto: Gesiel Lins/Prefeitura de Solonópole

Uma delas, de Barão de Studart, descreve que o nome do riacho recorda lutas travadas entre desbravadores paulistas da bandeira de Matias Cardoso, vinda do Rio São Francisco, e indígenas tapuias que habitavam a região.

Já Senador Pompeu afirma que ele é resultado de uma batalha ocorrida às margens, entre os primeiros sesmeiros (colonos beneficiados com pedaços de terra conhecidos como sesmarias), durante a partilha dos territórios.

O coronel João Brígido pensa ainda que o riacho passou a ser conhecido assim após “horríveis carnificinas” entre membros das famílias Monte e Feitosa, “que brigaram durante muitos anos no interior do Estado”. O embate teria ocorrido num lugar chamado Alto da Batalha. No entanto, o pesquisador Edson Pinheiro ressalta que essa luta só se verificou em 1724, quando o rio já levava esse nome.

Francisco Dantas relembra documentos que mostram que a primeira sesmaria da região, requerida pelo colonizador português Manuel Pinheiro do Lago Landim, já levava o nome “Riacho do Sangue” – isso em 23 de outubro de 1708.

Por isso, o memorialista se posiciona a favor de outra hipótese de Edson Pinheiro, para quem poderia ter havido uma luta entre comunidades indígenas na localidade de Logradouro, a 15km de Solonópole. Para ele, como a região era muito afastada e desabitada, “não tinha por que o invasor estar em armas com os nativos”.

A COR DA ÁGUA

Ainda em 1911, ao fazer estudos preliminares para a construção do açude, o servidor público federal do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), Sebastião de Abreu, percebeu uma diferença entre a cor da água de dois rios próximos: o do Capitão-Mor seria “muito clara”, já a do Riacho do Sangue, “vermelha”.

“As chuvas lavam o barro vermelho de São Bernardo (povoado hoje correspondente a Deputado Irapuan Pinheiro), nas nascentes do rio, tornando sanguíneas as águas”, escreveu em relatório.

 

Segundo o historiador Edinaldo Dantas, ainda hoje, parte da corrente chega com essa coloração ao percorrer o mesmo caminho.

ANOS DE SECA

O açude, também chamado de “Boqueirão”, foi idealizado pelo estudante de engenharia Leopoldo Rodrigues Pinheiro, que solicitou às autoridades do Estado do Ceará os estudos técnicos para o barramento do Riacho do Sangue. A construção começou em 1915, e sua inauguração ocorreu em 9 de março de 1918.

O Riacho do Sangue transbordou pela primeira vez antes mesmo de ser concluído, em 1917, pondo em xeque a conclusão da barragem. Nos anos seguintes, desempenhou importante papel no enfrentamento a um grande período de seca, sendo a principal fonte para a agricultura de subsistência.

Como todos os reservatórios do Ceará, o açude sofreu com a severa estiagem atravessada pelo Estado entre 2012 e 2018. Ele chegou a ficar praticamente seco (apenas 0,06% do total) 100 anos após sua inauguração.

SANGRIA EM 2023

Há um ano, o Riacho do Sangue estava com cerca de 60% de volume armazenado. O nível foi melhorando até voltar a sangrar em março deste ano, quando superou seus 58,4 milhões de metros cúbicos de água.

 

 

Diário do Nordeste

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