De segundo maior polo industrial têxtil e de confecção do Brasil, com história que remonta à virada para o século XX, sendo o Ceará um polo produtor de algodão que chegou ao auge na indústria nos anos 1970CE, ao momento de crise, perda de espaço para produtos importados e a pandemia.

Polos varejistas de moda continuam fortes regionalmente, mas produção industrial retraiu bastante e enfrenta dificuldade para superar os efeitos da pandemia. (Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVESPolos varejistas de moda continuam fortes regionalmente, mas produção industrial retraiu bastante e enfrenta dificuldade para superar os efeitos da pandemia.

Desde 2020, o setor industrial têxtil vem sofrendo para se recuperar, enfrenta problemas para encontrar profissionais qualificados, o que corrobora à chegada ao seu pior momento: retração de 32,1% na produção.

A indústria cearense passa por um claro momento de transição, que também ficou notabilizado pelo marco da saída do Grupo Guararapes na semana que passou, e que estava no Ceará desde 1979. Nesse mesmo cenário, polos industriais em estados vizinhos são desenvolvidos.

Na análise da evolução da participação das regiões na produção de têxteis e vestuário, somente Nordeste (de 19,6% para 20,6%) e Sul (de 27,2% para 27,7%) apresentaram avanço entre 2017 e 2021.

E na análise dos segmentos, o Nordeste lidera na produção de fios (39,3% da produção nacional) e apresentou alta em quatro dos cinco segmentos analisados pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecções (Abit).

O presidente do Sindconfecções, Daniel Gomes, destaca que 2022 representou um ano de recuperação na vida das pequenas e médias empresas do setor, ainda que tenha sido um ano difícil para todo o conjunto da indústria cearense, que retraiu 5%.

Daniel pontua que desde a pandemia o patamar de produtos importados caiu praticamente pela metade no mercado (no pré-pandemia, aproximadamente 40% das roupas nas prateleiras não eram produzidas no País). A indústria local quer aproveitar esse movimento, ainda que o dólar esteja novamente em queda.

“Tivemos uma grata surpresa com a recuperação de empresas que subiram de desempenho após dois anos difíceis de pandemia”, diz ele lembrando ainda do impacto positivo da queda do desemprego e da realização da Copa do Mundo de futebol.

Para 2023, Daniel espera que o comércio popular permaneça forte e que o mercado de maior valor agregado ganhe força.

Colheita de algodão em Limoeiro do Norte-CE. Algodão foi o grande motor da economia cearense na virada do século XIX para o século XX e deu suporte ao setor têxtil e de confecção do Ceará.
Foto: TATIANA FORTES/ GOV. DO CEARA Colheita de algodão em Limoeiro do Norte-CE. Algodão foi o grande motor da economia cearense na virada do século XIX para o século XX e deu suporte ao setor têxtil e de confecção do Ceará.

A indústria chinesa chega a representar mais de 1/3 do mercado exportador em têxteis e de vestuário, movimentando US$ 215 bilhões em 2019.

No entanto, a chegada desses produtos chineses em solo cearense caiu 88,1%. De acordo com dados da balança comercial, o Ceará importou US$ 140,38 milhões em artigos confeccionados, total ou parcialmente de materiais têxteis. Em 2019, antes da pandemia, esse valor chegava a US$ 1,17 bilhão.

Na avaliação do Sindconfecções, mesmo com o impacto de saída das grandes empresas, o mercado está se readaptando por meio dos pequenos negócios, que buscam a especialização das facções, aumentando sua diferenciação no mercado para garantir bons negócios.

“Diria que 80% do mercado cearense é formado por pequenas e médias empresas. No mercado de lingerie que ainda temos grandes indústrias que empregam mais de 3 mil. Mas há a tendência de terceirização.”

“As grandes varejistas estão buscando produtos de pequenas produtoras especializadas. E o Ceará tem uma variedade muito grande, o que nos dá a vantagem de o comprador encontrar tudo aqui”, continua Daniel.

Witalo Paiva, analista de Políticas Públicas do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica (Ipece), observa que a dinâmica do setor de confecção é grande e exerce uma influência relevante no comportamento de toda indústria.

 

Até 2019, o setor possuía o maior número de firmas (26,4%) do total de fábricas ativas no Estado. E em empregos formais concentrou 19,7% da indústria, atrás somente do setor calçadista (25%).

“O desempenho em 2022 para o segmento da confecção se assemelha aos números da pandemia, em 2020, quando a atividade foi quase que totalmente paralisada diante da necessidade de se combater o novo coronavírus. Após o choque da pandemia em 2020 e da recuperação parcial em 2021, a retomada parece não se confirmar em 2022”, analisa Witalo.

Alessandra Araújo, professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre a Pobreza (LEP/UFC), analisa que é preciso levar em consideração o impacto da presença dos importados chineses no mercado nacional e seu impacto ao longo dos anos, enfraquecendo o setor produtivo local.

“Para fazer frente à entrada dos produtos importados, seria necessário ampliar a produtividade da indústria nacional imensamente e isso não tem acontecido. As pessoas têm consumido, muitos comércios informais pegam um monte desses produtos “made in China” para negociar a um preço bacana e as pessoas continuam comprando bastante”, observa.

Compras de Natal no Polo da Jose Avelino, com muitas pessoas nas ruas e nos boxes.
Foto: AURÉLIO ALVES Compras de Natal no Polo da Jose Avelino, com muitas pessoas nas ruas e nos boxes.

Estrutura de varejo de moda no Ceará ainda é destaque

Se nos dados da produção industrial o setor têxtil e de confecção não vai bem, no varejo a situação é bem diferente.

Segundo os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre janeiro e novembro, as vendas de tecidos, vestuário e calçados (que compõem o mesmo grupo nesta análise) apresentaram avanço de 12,6% no ano.

O resultado fica bem acima da média geral do comércio varejista cearense, de 4,5%, e só perde para o acumulado de vendas de livros, jornais, revistas e papelaria (+24,9%), que têm uma participação bem menos expressiva. Dentre os maiores mercados no varejo, a alta só é comparável a do varejo de combustíveis e lubrificantes (+10,6%).

O desempenho cearense é, inclusive, superior à média nacional. Na variação do acumulado do ano, o avanço do varejo de tecidos, vestuário e calçados foi de 1,7%.

No que se refere a receita nominal das vendas no comércio, o setor de tecidos, vestuário e calçados apresentou avanço de 26,2% no acumulado entre janeiro e novembro de 2022. A média do comércio varejista no mesmo período foi de avanço de 16,9%.

VESTUÁRIO está sendo item que puxa alta dos preços nos últimos índices de inflação.
Foto: Aurélio Alves VESTUÁRIO está sendo item que puxa alta dos preços nos últimos índices de inflação.

A capilaridade e apetite do varejo de moda em Fortaleza tem voltado a se adensar nos últimos anos. O Polo da José Avelino, que além da grande feira de rua que atrai muitos informais, possui diversos galpões com marcas locais que são base forte para dar vazão à produção de moda local.

Outro player importante que está consolidado é o Centro Fashion, fundado em 2017, e que gerou um novo movimento no varejo de moda cearense. Para 2023, o mercado ainda deve ser preenchido com o Giga Mall, do Grupo J Sleiman, e será inaugurado em Messejana, em maio.

Ainda assim, a Câmara de Comércio da Moda projeta iniciativas para fortalecer ainda mais a participação do Estado no varejo de moda. Na última reunião da câmara, o presidente, Afonso Júnior, lembrou do período em que Fortaleza foi a 2ª capital da moda no Brasil e lamentou a perda de espaço, inclusive para estados vizinhos, como Pernambuco.

O plano, agora, é retomar o protagonismo que o Ceará tinha no setor de moda no País, sob as referências em qualidade, baixo custo de produção e alta sofisticação. O processo, porém, deve iniciar pela base, com o investimento em capacitação profissional e formalização de empresas e trabalhadores.

Esperança de atração de novas marcas que empreguem os demitidos pela Guararapes

Em um dos movimentos ocorridos nos negócios envolvendo indústrias de confecções, temos a saída da Marisol do mercado cearense que foi absorvida pela chegada da Lupo, que ocupou, em abril de 2022, o mesmo espaço fabril, em Pacatuba, e aproveitou boa parte dos funcionários que havia perdido seus trabalhos com o desinvestimento.

Vladyson Viana, presidente do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho do Ceará (IDT-CE), espera que se confirme a tendência de substituição da operação neste antigo polo têxtil em Fortaleza, mas reconhece que nos últimos anos ele vem perdendo força.

“Virtualmente, podemos perder uma empresa ou outra, mas no âmbito geral observamos a partir dos dados que o Ceará tem uma boa ambiência para investimentos e tem atraído investimentos que tem gerado a abertura de mais postos de trabalho”, pontua.

A história da indústria têxtil e de confecções no Ceará

O início – Virada para o século XX: O início de uma indústria têxtil e de confecção no Ceará se deu graças à produção de algodão na região, o que passou a ser uma das principais atividades econômicas da época, o que beneficiou o Estado.

O auge – Entre os anos 1960 e 1980: Foi o período mais produtivo, com a formação das facções e chegada de grupos empresariais no Estado, principalmente na década de 1970, quando muitas indústrias têxteis e de confecção se instalaram na Grande Fortaleza e formaram, em 1973, a União Industrial Têxtil S/A (Unitêxtil). O lançamento de incentivos fiscais estaduais também potencializou o crescimento.

O declínio – Tragédia do voo 168 e a crise das matérias primas: A indústria cearense não se atualizou o suficiente no momento em que a modernização dos maquinários ocorreu, deixando as unidades fabris defasadas, o que começou a ser resolvido de forma mais uniforme apenas ao longo dos anos 2000. Mas um acidente aéreo foi evento relevante nesse processo de declínio: a queda do Vôo 168 da Vasp, em 1982, que causou a morte de vários empresários do setor de confecções do Estado. Até a tragédia, havia a perspectiva de que o Ceará se tornasse o principal polo de confecções do Brasil dali cinco anos.

Momento – Invasão de chineses e a busca por diferenciação: O aumento das relações comerciais também contribuiu para o enfraquecimento da competitividade do produto cearense, além de contribuir para a invasão de produtos chineses nas feiras do Estado. O efeito negativo atingiu em cheio a indústria local, que foi perdendo espaço ano após ano. Hoje, o Ceará é apenas o 7º produtor nacional de têxtil e confecções. A problemática moveu o setor produtivo a procurar soluções e uma delas foi encontrada no mercado europeu. Em Portugal, as indústrias simplesmente deixaram a faixa de produtos de baixo valor agregado e apostaram na produção de alto valor agregado. A diferenciação passou a ser vista como solução por aqui também, visto que o mercado chinês impunha uma concorrência “desleal” pelos valores que conseguem praticar.

Valor em produtos chineses importados classificado como artigos confeccionados, total ou parcialmente de materiais têxteis – Ceará

2022: US$ 140.261.122
2021: US$ 166.382.789
2020: US$ 407.379.199
2019: US$ 1.178.978.837

Montanha de lixo no deserto do Atacama.
Montanha de lixo no deserto do Atacama.

O “LIXÃO” MUNDIAL DAS ROUPAS

O deserto do Atacama, no norte do Chile, se tornou um lixão. Montanhas de roupas usadas, carros e pneus de todo o mundo poluem o ecossistema, o que preocupa os moradores. O território tem mais de 100 mil km² vem sendo o local preferido de descarte.

O problema é internacional, já que muitas roupas entram pela Zona Franca de Iquique (Zofri). Em 2021, entraram no Chile 46.287 toneladas de roupas usadas. Há camisas – algumas novas e com etiquetas – roupas de bebê, calças e sapatos. Mais da metade das roupas usadas que entram no Chile é descartada e vai parar no deserto. Para escondê-la, queima-se e enterra, gerando um problema ambiental adicional de fumaça tóxica.

TÊXTIL: OS NÃOTECIDOS

A necessidade de se fabricar novos tipos de produtos a partir de fibras têxteis para uso industrial levando em consideração fatores ecológicos, reproveitando fibras, levou ao desenvolvimento dos nãotecidos. Formados com fibras celulósicas e látex, por exemplo, são criados e produzidos por métodos não convencionais, diferentes da tecelagem, tricotagem e feltragem tradicional.

SAÍDA DA GUARARAPES

Nessa semana, a última das três fábricas do Grupo Guararapes em Fortaleza fechou. A companhia confirmou que 2 mil colaboradores perderam seus empregos. Em pouco mais de um ano, o grupo desativou os três complexos fabris que ocupavam no bairro Antônio Bezerra desde sua chegada ao Ceará em 1973. No auge de sua atuação, quase 10 mil eram empregados lá.

Maior grupo industrial têxtil e de confecções da América Latina, o grupo, que é controlador da varejista Riachuelo, informou que irá centralizar sua produção em Natal-RN e negou que aumentaria a demanda por produtos terceirizados. Hoje, a fábrica de Natal produz cerca de 106 mil peças/dia.

RECOLOCAÇÃO DE PROFISSIONAIS

Segundo o presidente do Sindconfecções, Daniel Gomes, atualmente o setor de confecções no Ceará tem a necessidade de preencher entre 2 mil e 3 mil vagas de profissionais especializados. Isso deve favorecer as funcionárias demitidas pelo Grupo Guararapes, em Fortaleza.

 

O Povo

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