Escola em Maracanaú, na Grande Fortaleza — Foto: Camila Lima

No Ceará, 325.706 pessoas se inscreveram em 2020 para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) que, em decorrência da pandemia, no ano passado, teve as provas adiadas para os dias 17 e 24 de janeiro de 2021 (versão impressa) e 31 de janeiro e 7 de fevereiro de 2021 (versão digital). Mas, nos cursinhos populares de preparação para a prova no Ceará, cujo público são alunos de baixa renda, o número de desistências constatado ao longo do ano é alto. Com isso, estima-se que pode ocorrer uma redução no número de candidatos a prestarem o exame nos próximos dias.

Em Fortaleza, no bairro Benfica, as atividades Projeto Novo Vestibular (PNV), iniciativa da extensão da Universidade Federal do Ceará (UFC) vinculado ao Departamento de História, tiveram que ser remodeladas. As aulas presenciais deram lugar às remotas. No cursinho popular, segundo a coordenadora articuladora e graduanda em História, Janaiane Maciel Soares, o público são alunos e egressos de escolas públicas. De acordo com ela, pessoas de baixa renda e de todas as idades. “Temos alunos idosos, pessoas que confiam no trabalho”, acrescenta.

De cada aluno é cobrado o material didático, cujo primeiro módulo custava R$140,00 em 2020. O valor deveria diminuir, no decorrer dos cinco módulos, até chegar a R$ 90,00. “Com a pandemia, nós ficamos mais vulneráveis porque não pudemos mais vender material. Passamos a trabalhar sem bolsa no segundo mês da pandemia. No PNV, a gente continuou com as turmas matriculadas no início do ano passado. Nos reorganizamos no modo intensivo e ficamos oferecendo material online sem custo”, conta Janaiane.

Mas ficou difícil manter os alunos. Dos 250 matriculados, hoje apenas 30 continuam acompanhando as atividades. Além disso, garantir a motivação dos professores foi outro dilema. Das 25 bolsas ofertadas antes para custear a remuneração dos professores, 24 eram pagas pelas atividades do PNV, e outra pela UFC. Na pandemia, o trabalho tem sido voluntário.

“É uma situação muito triste que, infelizmente, depois de vários e vários planejamentos, ainda não vemos um futuro muito certo pela frente. Na pandemia, fizemos uma campanha para poder tentar driblar os problemas financeiros. Essa ano, nós vamos precisar fazer mais campanhas”, Janaiane.

Apesar de discordarem da realização do Enem na data marcada, devido à alta do número de contaminações por Covid-19 no país, Janaiane garante que os integrantes do PNV seguem preparando os alunos para a prova.

“Mesmo que o ano já tenha acabado, o trabalho voluntário continua. O cursinho está com uma turma. Vamos fazer, apesar de não concordarmos com a realização, uma preparação que nossos alunos se sintam mais seguros. Tudo isso pesou muito tanto no psicológico, como na performance dos nossos professores e alunos”.

Projeto em Maracanaú decidiu cortar mensalidades

Em Maracanaú, na Região Metropolitana de Fortaleza, antes da pandemia, as aulas do Projeto 6 de Março, no bairro Jereissati I, chegaram a ocorrer por duas semanas de forma presencial. A iniciativa é também um projeto de extensão da UFC no qual estudantes oriundos de escolas públicas que concluíram o Ensino Médio, ou aqueles que vão cursar o 3º ano na rede pública, têm aulas.

A média é de 40 a 50 alunos matriculados a cada ano, diz a professora e coordenadora do projeto, Kathleen Barros. Em 2020, relata ela, a desistência foi bem mais intensa. Hoje, entre 5 e 7 alunos permanecem na formação rumo à prova.

“Muita gente desistiu do processo seletivo dos vestibulares. É muito difícil. Dos 50 alunos, poucos ficaram. O impacto foi muito forte em relação à quantidade de alunos e também houve muito mais impacto psicológico. Muita gente não teve condições de continuar”, destaca Kathleen.

As aulas presenciais nas escolas José Martins Rodrigues – na semana – e na Professor Antônio Martins Filho – no fim de semana, foram substituídas pelas formações remotas. Com isso, a taxa mensal de R$ 25,00 para a manutenção do cursinho também foi abolida. “Como não pandemia não gastamos com manutenção, a gente não cobrou mensalidade”, completa. Apesar da baixa no número de alunos, as formações tiveram continuidade e, conforme Kathleen, eles continuam sendo incentivados e capacitados para tentar o Enem.

Aulas virtuais a ajudaram a manter frequência

Em Juazeiro do Norte, no Sul do Ceará, o Cursinho Edificar, projeto de extensão da Universidade Federal do Cariri (UFCA), também registrou desistências na participação no Enem. Mas, em paralelo, em decorrência das aulas remotas, houve o aumento da quantidade de pessoas que acompanharam as aulas no formato virtual, conforme um dos coordenadores do cursinho, o estudante de Engenharia de Materiais da UFCA, Lucas Clever.

O cursinho existe desde 2016, e a cada ano, por meio de uma prova, são selecionados entre 50 e 60 alunos para as aulas que são ministradas por professores voluntários da UFCA, da Universidade Regional do Cariri (URCA) e de instituições particulares da região.

“Em 2020 nossas aulas estavam previstas para começar em maio. Tínhamos na faixa de 50 e 60 alunos. Com cerca de 400 pessoas fazendo a prova. Quando a gente ia começar, a UFCA proferiu um documento dizendo que as aulas deveriam paralisar até junho. Mas chegou junho e não conseguimos e decidimos iniciar de forma remota”, relata. Do total de matriculados, ele estima que 40 devem fazer o Enem.

“Com o passar do tempo, as principais dificuldades foram: acesso à internet, cansaço emocional para o Enem. Até mesmo os professores estavam cansados de dar aula de forma remota. Vários alunos desistiram. Não conseguiam acompanhar porque precisavam trabalhar”, reforça Lucas.

Para o professor da Faculdade de Educação da UFC, Ruy de Deus e Mello Neto, os cursinhos populares no Ceará passam por uma situação “extremamente delicada em função da pandemia”. Segundo Ruy, por um lado eles são submetidos a problemas semelhantes ao das escolas públicas regulares, como a falta de acesso às aulas virtuais e o aumento da evasão, e por outro há problema de financiamento que agrava a situação.

“Em geral, os cursinhos trabalham com orçamentos do terceiro setor ou mesmo com contribuições simbólicas dos estudantes, estas que se tornaram escassas com o agravamento da crise sanitária e, consequentemente, com o adensamento da crise na economia. A situação se torna ainda pior quando consideramos que boa parte destes cursos não contam com uma estrutura física que os permita investir em aulas virtuais”.

O professor explica que para 2021, as ações a serem adotadas vão depender da realidade de cada cursinho. “Aqueles mais centrados em regiões pequenas, com um público alvo específico, podem passar a optar por turmas menores com cuidados protocolares adequados ao contexto da pandemia. Outros, com mais estrutura física, podem pensar em garantir um maior alcance pela manutenção das aulas virtuais”.

Comentários
  [instagram-feed feed=1]  
Clique para entrar em contato.
 
Ajude-nos a crescer ainda mais curtindo nossa página!
   
Clique na imagem para enviar sua notícia!