Iguatu. Medo e revolta. Esses foram os sentimentos expressados na manhã de ontem pela maioria dos pacientes e acompanhantes do Centro de Nefrologia de Iguatu (CNI), após a prisão em flagrante de um dos administradores da clínica e responsável por um laboratório clandestino que fabricava a substância Concentrado Polieletrolítico para Hemodiálise (CPHD), utilizada na unidade de saúde.

A prisão do sócio-administrador Emir Lima Verde Filho e o fechamento do laboratório ocorreram na tarde desta segunda-feira (27), nesta cidade. O fato, considerado grave pelas autoridades, obteve ampla repercussão em Iguatu. Muitos lamentaram e outros questionaram o risco de morte dos pacientes que fazem hemodiálise, naturalmente debilitados.

“Isso é uma criminalidade”, reagiu a dona de casa Maria Augusta de Oliveira, 59, que acompanha há nove anos o filho, Bruno Oliveira, 27, doente mental, que faz hemodiálise três vezes por semana. “Algumas vezes ele tem passado mal e a gente fica preocupado”, comentou.

Segundo os pacientes, nenhum funcionário da clínica prestou esclarecimentos na manhã de ontem. A unidade funcionou normalmente, mas recebeu a visita de técnicos da Vigilância Sanitária do Estado e da Vigilância Sanitária do Município de Iguatu. Diariamente, o Centro de Nefrologia de Iguatu atende cerca de 70 pacientes nos turnos da manhã, tarde e noite, da cidade e da região Centro-Sul.

“Quem fez isso cometeu um erro e deve ser punido porque é um crime”, disse o paciente Francisco Hermilton Pinheiro, 34, morador de Irapuan Pinheiro.

Apoio

A Secretaria da Saúde do Estado (Sesa), por meio de nota, informou que “está dando todo apoio ao Ministério Público do Estado do Ceará para o andamento das investigações” e preferiu não comentar o fato e nem dar explicações acerca dos riscos para os pacientes e da gravidade da produção clandestina.

O coordenador da Vigilância Sanitária de Iguatu, Samuel Bezerra, esclareceu que uma equipe de técnicos da Secretaria de Saúde do Município realizou na unidade uma auditoria, por solicitação da Controladoria Geral da União (CGU), que teria recebido denúncias das irregularidades. “Elaboramos um relatório, constatamos inconformidades e encaminhamos para a CGU e Ministério Público”, disse Bezerra.

O delegado regional de Polícia Civil de Iguatu, Jerfisson Pereira, considerou ‘muito grave’ o funcionamento do laboratório clandestino. “É um crime hediondo, não é afiançável”, explicou. “O sócio-administrador e responsável pela unidade clandestina confessou o crime e alegou dificuldades financeiras”, disse.

Segundo o titular da 1ª Promotoria de Justiça da Comarca de Iguatu, promotor de Justiça Flávio Corte Pinheiro, em fiscalização realizada no dia 11 de maio no CNI, a Vigilância Sanitária constatou discrepâncias no estoque de CPHD que não condiziam com a quantidade utilizada, uma vez que fazia seis meses que a substância não era adquirida junto ao fornecedor. Com isso, a Vigilância Sanitária notificou a clínica e, na defesa apresentada, o administrador confessou que fabricava o CPHD, alegando dificuldades financeiras.

O representante do Ministério Público, entretanto, informou que a clínica recebeu, ontem mesmo, repasse de R$ 359 mil do poder público e, neste ano, teria sido repassado cerca de R$ 1,3 milhão. “Não se justifica alegar dificuldades financeiras”, frisou Flávio Pinheiro. Ele explicou que a unidade está funcionando, mas com o uso do concentrado produzido por uma fábrica regular e que outras medidas foram adotadas como a troca de “capilar” (equipamento) no tempo certo e estoque adequado de material hospitalar.

Nesta segunda-feira, mediante a visita de técnicos da Vigilância Sanitária do Estado e de delegados da Polícia Civil, Emir Lima Verde Filho afirmou que desativara a fábrica e mostrou o imóvel vazio. “Perguntei pelas máquinas e desconfiei da conversa”, revelou o delegado. “Em seguida, ele confessou e mostrou o local para onde havia transferido a unidade clandestina”.

O sócio-administrador utilizava embalagens e rótulos de uma fábrica legal para encobrir a fraude. “Ele vai responder por adulteração de medicamento, falsificação”, disse Pereira. “A pena prevista é de 10 a 15 anos”.

Mortes suspeitas

Acerca de suspeita de mortes de pacientes que faziam hemodiálise no Centro de Nefrologia de Iguatu, o delegado de Polícia Civil de Iguatu, Wesley Alves, responsável pelo inquérito da prisão e fechamento da fábrica, disse que será apurado em outro inquérito, por ser uma questão complexa e que exige maior investigação, análise de atestados de óbitos e depoimentos.

Na tarde de ontem ocorreu uma audiência de custódia em que o advogado Mario Leal pediu a liberdade provisória do empresário Emir Lima Verde Filho. Leal disse que tudo será esclarecido e que a direção quer a unidade funcionando dentro da legalidade. “Se houver erros, serão corrigidos”, pontuou.

História

Por meio de uma longa nota, o médico nefrologista Emir Mendonça Lima Verde, lembrou que, em 1971, instalou a primeira máquina de hemodiálise do Ceará, no Hospital Geral de Fortaleza (HGF) e que funcionou sob a administração dele até 1980. “Todas as hemodiálises nesse período de nove anos foram realizadas com soluções preparadas pelos médicos na própria sala, sendo os sais pesados previamente”. Emir Lima Verde esclareceu que obteve título de especialista em Análises Clínicas e que “estaria dispensado de registros os concentrados no serviço de diálise para uso da própria instituição, desde que atenda à legislação sanitária específica”.

O CNI começou a funcionar em 2008 e atende 145 pacientes. “Não recebemos o pagamento do Ministério da Saúde entre janeiro e abril de 2017, e tivemos que preparar o dialisato durante estes meses, pois as empresas só nos vendiam se fosse a vista, e dinheiro nós não tínhamos. Não poderíamos deixar os 145 pacientes sem hemodiálise, pois o retardo de 24 horas pode ser causa de parada cardíaca por hiperpotassemia”.

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“Há cinco anos que faço hemodiálise e venho da cidade de Cariús. O que eu me queixo é da pressão alta, que não tinha. A gente fica com medo, sem saber o que pode acontecer, mas precisa fazer a hemodiálise”

Maria Cláudia Ventura

Paciente

“Venho da cidade de Icó e faz cinco anos que passo por hemodiálise. Sinto muita dor de cabeça, mas sobre essa fabricação clandestina, está todo mundo assustado, temendo que faça algum mal”

Antônio Batista Lima

Paciente

Nordeste Notícia
Fonte: Diário do Nordeste

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