Um esquema complexo com uma teia que se expandia para além do Brasil e chegava até a Bolívia, Paraguai, Itália e Portugal. Uma sociedade entre traficantes ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC) e empresários, que chegou a movimentar 300 quilos de cocaína e R$ 6 milhões por mês. Uma estratégia que parecia perfeita até setembro de 2015, quando a Polícia Federal (PF) deflagrou a ‘Operação Cardume’ e prendeu vinte e seis integrantes da organização criminosa.
Dois anos depois, a maior quadrilha de tráfico internacional de drogas já presa no Ceará é condenada pela 11ª Vara da Justiça Federal no Ceará. Dos 28 réus, 25 foram condenados, dois tiveram as penas extintas porque estão mortos e um foi absolvido. Somadas, as penas impostas pelo juiz Danilo Fontenelle Sampaio, chegam a mais de 1.300 anos de prisão.
Entre os sentenciados, que devem cumprir a pena em regime fechado, 11 estão presos desde a deflagração da operação, um está foragido e 13 estão em liberdade com medidas cautelares. Conforme o processo, a investigação policial, iniciada em 2013, identificou a divisão em núcleos do grupo criminoso associado para o tráfico internacional de drogas, contrabando de armas, desvio de insumos químicos e lavagem de dinheiro.
A logística montada pela quadrilha, detalhada pelos policiais federais e aprofundada durante a instrução processual pelo Ministério Público Federal (MPF), consistia “na internalização e transporte de substâncias entorpecentes para o Nordeste brasileiro valendo-se de rotas internacionais (Brasil/Bolívia e Brasil/Paraguai) e no envio de cocaína para Itália e Portugal”.
Os agentes da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), à época sob o comando do delegado Janderlyer Gomes de Lima, obtiveram, ainda, dados e informações sobre o desvio de produtos químicos para preparação e desdobro da cocaína e sobre a trama muito bem armada para que o dinheiro conseguido com a negociação dos entorpecentes fosse “lavado”. A Polícia Federal estima que pelo menos R$ 20 milhões tenham sido lavados, por 32 empresas registradas no Estado do Ceará.
O ‘branqueamento’ do capital obtido ilicitamente passava por movimentações financeiras em contas de empresas fantasmas, e pela “ocultação ou dissimulação da propriedade de bens móveis e imóveis utilizando nome de terceiros”. O núcleo que atuava para ‘limpar’ o dinheiro proveniente do tráfico agia também nos Estados de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. Parte desse dinheiro ‘lavado’ era enviado para o Uruguai.
Durante a ‘Operação Cardume’, os investigadores descobriram que a rede criminosa tinha nos empresários Cícero de Brito e George Gustavo da Silva seus principais líderes. Os dois, com o apoio de outros membros da quadrilha, negociavam diretamente a aquisição de maconha e cocaína com fornecedores baseados na Bolívia e no Paraguai.
Depois que a droga chegava ao Ceará, os criminosos adquiriam substâncias químicas controladas, junto a comerciantes do ramo farmacêutico, e misturavam à cocaína com o objetivo de maximizar seus lucros.
Segundo o MPF, além da droga, a organização criminosa adquiria armas de fogo de uso restrito para comércio e utilização própria, para assegurar seus pontos de venda de drogas. Além disso, os criminosos também atuavam na corrupção de agentes públicos, promovendo ações de contrainteligência para dificultar investigações policiais.
Delação
Os dois empresários tidos como líderes da organização criminosa – Cícero de Brito e George Gustavo da Silva – foram condenados a 197 e 164 anos de prisão, respectivamente. Ambos tinham conexões internacionais e conseguiam fazer girar parte do capital conseguido com o tráfico, aplicando o dinheiro em negócios aparentemente regulares, nos Estados do Ceará e no Rio Grande do Norte.
O traficante que deu o nome à ‘Operação Cardume’, também foi punido. A princípio, a Polícia acreditava que era Lindoberto Silva de Castro que comandava a organização criminosa. O traficante mantinha negócios no ramo de piscicultura.
Quando as apurações avançaram, a PF descobriu os dois grandes empresários que encabeçavam o esquema e estavam por trás das ações de Lindoberto.
Apontado como um dos líderes da organização criminosa, Lindoberto foi condenado a 91 anos de prisão. No meio das apurações, ele resolveu fazer a primeira delação premiada do Ceará, com o objetivo de reduzir sua pena. Em três depoimentos ao MPF, confessou o tráfico de drogas, listou os nomes de mais comparsas e citou corrupção policial e contrabando de armas. Porém, não apresentou provas do que disse e desistiu da delação.
Esquema envolvia países da América do Sul e Europa
A droga negociada pelos investigados na ‘Operação Cardume’ chegava ao destino das formas mais diversas. Conforme a Polícia Federal (PF), os entorpecentes saíam para entrega em ônibus, caminhões e aviões. Valendo-se dos contatos internacionais firmados ao longo dos anos, os traficantes conseguiram movimentar um esquema que envolvia dois continentes.
Conforme as investigações, George Gustavo da Silva distribuía cocaína no Ceará, Rio Gran do Norte e na Paraíba. Ele teria comprado fuzis, no Paraguai, e quando o esquema foi desarticulado, planejava comprar uma aeronave para otimizar o transporte da cocaína.
Já Cícero de Brito, há anos mantinha contato com um traficante da Bolívia, segundo a PF. Ele tinha uma sociedade com Antônio Márcio Renes de Araújo na exportação de cocaína diluída em garrafas de cachaça.
Pelo menos 660 garrafas de cachaça com cocaína, divididas em 55 caixas, deixaram o Ceará pelo Aeroporto, com destino a Portugal, em março de 2015. Conforme a Polícia, também foi enviada droga para a Itália, usando a mesma técnica.
A quadrilha enviou um químico para Setúbal, em Portugal, com a finalidade de extrair a droga diluída na aguardente. De acordo com a PF, um português baseado em Lisboa, intermediava a chegada da cocaína de Cícero de Brito em Portugal.
Lindoberto de Castro era outro expoente da organização. Além de drogas, ele também negociou armas, inclusive fuzis, com traficantes paraguaios. A sentença da Justiça Federal diz que “o réu há anos tem atuação ativa e preponderante na organização criminosa especializada na aquisição, transporte e distribuição de entorpecente de origem internacional”.
Investigações deram início à Expresso 150
Foi durante a investigação realizada pela Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), que interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça flagraram conversas com indicativos de que aconteciam negociações de sentenças, nos plantões do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE). A partir destas interceptações, um novo inquérito foi aberto e começava então as apurações que desembocaram na ‘Operação Expresso 150’.
Investigado nas operações ‘Cardume’ e ‘Expresso 150’, Paulo Diego da Silva Araújo seria um dos detentos que pleiteou sua soltura, por meio da compra de uma liminar. Ele foi beneficiado por um habeas corpus, no plantão do desembargador Carlos Rodrigues Feitosa, que atualmente está afastado das funções e também é acusado de participar das negociatas investigadas pela Polícia Federal (PF).
A ‘Expresso 150’ já está na segunda fase. Nos desdobramentos surgiram nomes de mais quatro desembargadores. Em consequência das duas fases da operação, 34 pessoas foram indiciadas. No último dia 21 de setembro, Carlos Feitosa, Paulo Diego e oito advogados foram interrogados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Nordeste Notícia
Fonte: Diário do Nordeste