Serviços de internet, jogo do bicho, loterias, cigarros e bebidas falsificados, setor de combustíveis, golpes virtuais, jogos regulamentados (bets), “taxa de funcionamento” para comércios e tráfico de drogas.

O g1 teve acesso a documentos que mostram como as facções criminosas no Ceará têm expandido as áreas de atuação para ampliar suas receitas – muitas vezes, isso ocorre por meio da violência contra moradores e da disputa territorial com outros grupos, resultando em conflitos armados e famílias expulsas de casa.

Somente em 2025, foram revelados diversos episódios em que facções buscaram lucrar com o comércio de itens diversos no Ceará. Em agosto, os criminosos tentaram impor controle até sobre a venda de água de coco na avenida Beira Mar, o principal ponto turístico de Fortaleza.

Especialistas apontam que a “diversificação” dos negócios é uma forma de reduzir a dependência do tráfico de drogas como fonte de renda, muitas vezes afetada por apreensões policiais.

A dinâmica financeira dos criminosos influencia diretamente a estrutura e até a sobrevivência dos grupos. A perda de territórios da facção cearense Guardiões do Estado (GDE) para o Comando Vermelho (CV) levou o grupo local a uma espécie de crise financeira.

O cenário difícil acabou precipitando a fusão dos cearenses com o Terceiro Comando Puro (TCP), rival do CV no Rio de Janeiro. Desde setembro, já há diversos relatos da atuação do TCP no estado, não só no tráfico de drogas, mas também mirando outros negócios, como o monopólio das apostas de loteria.

Em nota, a SSPDS informou que as forças de segurança do Ceará realizaram 2.135 prisões e apreensões ligadas a grupos criminosos nos dez primeiros meses de 2025, um aumento de 93,2% em relação ao ano anterior.

Por que ‘diversificar’ os negócios?

O envolvimento das facções no Ceará não se limita a atividades de grande alcance, como o fornecimento de internet. Casos recentes mostram como os criminosos têm tentado influenciar vários aspectos do cotidiano e dos negócios no estado.

Em agosto, criminosos do Comando Vermelho (CV) tentaram controlar a venda de água de coco e outros produtos na Avenida Beira-Mar, principal ponto turístico de Fortaleza. Eles criaram um grupo de WhatsApp, chamado “Grupo das Bebidas”, e forçaram todos os ambulantes a participar.

Criminosos ameaçam vendedores na Beira-Mar. — Foto: Reprodução
Criminosos ameaçam vendedores na Beira-Mar. — Foto: Reprodução

No aplicativo, os suspeitos davam ordens e, sob ameaça de morte, exigiam que todos os ambulantes da Beira Mar comprassem produtos de um depósito da própria facção.

O professor Fillipe Azevedo Rodrigues, coordenador do Grupo de Pesquisa em Direito e Economia do Crime da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), explica que a “diversificação” dos negócios é uma forma dos criminosos aumentarem os lucros com outras fontes de renda além do tráfico de drogas e armas.

Os criminosos viram no modelo das milícias do Rio de Janeiro uma oportunidade de explorar outras fontes de captação da renda, sempre buscando o monopólio, que garante o controle do fornecimento e dos preços.

“O tráfico se apropriou também desse modus operandi e começou a dominar áreas e até impediu o acesso a serviços públicos. E começou a ver que isso era muito lucrativo, porque você cria, querendo ou não, uma sociedade paralela, um Estado paralelo e essencialmente monopolista. O crime organizado, para prosperar, ele precisa operar em monopólios. Então, ele se torna isso, ele impõe isso à sociedade”, explica.

 

As finanças da GDE e a fusão com o TCP

Informações obtidas pela Polícia Civil revelaram que, nos últimos meses de 2025, a GDE tinha uma receita de cerca de R$ 500 mil por mês. A maior parte do dinheiro não vinha do tráfico de drogas, mas principalmente do “aluguel” cobrado do jogo do bicho.

A “baixa” arrecadação mensal era um dos problemas enfrentados pela facção na disputa contra o Comando Vermelho, que avançou na conquista de territórios no Ceará. A situação piorou com a chegada ao Ceará da facção carioca Terceiro Comando Puro (TCP), rival do CV.

Para não perder espaço para mais um grupo de fora, a cúpula da GDE tentou uma “reestruturação” financeira, reduzindo “salários” e gastos com armamento. Assim como o CV, também ensaiou abrir uma provedora de internet para monopolizar o serviço nas áreas onde dominava.

A situação, porém, piorou. Entre agosto e setembro, o Comando Vermelho conquistou novos territórios estratégicos em Fortaleza, como o entorno do Porto do Mucuripe e a comunidade do Lagamar. As vitórias, inclusive, foram comemoradas com queima de fogos, em 15 de setembro, que terminou com vários presos.

Membros de facção são presos por tomar máquinas de apostas e exigir valores de prêmios — Foto: TV Verdes Mares/Reprodução
Membros de facção são presos por tomar máquinas de apostas e exigir valores de prêmios — Foto: TV Verdes Mares/Reprodução

Segundo investigadores, até junho de 2025 já havia um contato entre TCP e GDE, mas sem união. As derrotas para o CV, contudo, aceleraram a absorção da GDE pelos cariocas. Em 16 de setembro, dia seguinte à queima de fogos do CV, a GDE e a TCP anunciaram uma fusão no Ceará.

O novo grupo já começou a atuar em outras áreas para além do tráfico de drogas. Em novembro, três criminosos do TCP foram presos em Maracanaú por tomar as máquinas de apostas de vendedores ambulantes da Loteria Estadual do Ceará. O objetivo era obrigar vendedores a trabalhar com as máquinas da facção, que arrecadaria o dinheiro das apostas.

Como funcionava a facção cearense GDE, absorvida pelo TCP

Conforme levantamento da Polícia Civil do Ceará, a GDE possuía um elaborado sistema de captação e controle de recursos. A estrutura organizacional é ampla, mas de forma simplificada, pode ser dividida assim:

  1. Cúpula: liderança máxima da facção, recebe as drogas dos produtores e distribui entre os “frentes” dos bairros, que são os responsáveis pela venda de drogas naquela região
  2. Conselho Final: instância superior, abaixo apenas da cúpula. Decide sobre execuções e ações críticas. Controla 80% dos recursos da facção (armas, drogas, dinheiro, logística)
  3. Secundários: são intermediários entre as instâncias superiores e os membros nos bairros; são responsáveis por atividades como a “divulgação” das mensagens, o “batismo” de novos membros e a fiscalização dos territórios
  4. Frentes: são os “líderes” da facção nos bairros; recebem a droga distribuída pela cúpula e realizam a venda aos usuários

 

As principais movimentações financeiras da facção eram:

  • Caixinha: os membros da facção precisam pagar uma contribuição mensal obrigatória, chamada de “caixinha”. O valor aumenta conforme o “cargo” que o criminoso ocupa dentro da estrutura
  • Cotas: quantidade de drogas distribuída pela cúpula para os frentes; material é entregue como “fiado”, que deve ser pago à cúpula após um prazo e com juros
  • Tráfico de drogas: o dinheiro arrecado na venda ilícita de entorpecentes para os usuários
  • Taxas”: cobradas dos negócios que funcionam nas áreas controladas pela facção, como o “aluguel” cobrado do jogo do bicho
  • Multas: cobradas de membros com condutas consideradas indisciplinadas; valor podia chegar a R$ 1.500

 

Dentro do grupo, existem alguns “cargos” responsáveis por ajudar no controle das finanças:

  • O “geral da caixinha” é o responsável por cobrar os membros que estão em atraso
  • O “geral da biqueira” é o responsável por arrecadar mensalmente os valores dos “frentes” dos bairros
  • O “punição” aplica multas a membros por condutas consideradas indisciplinadas. Em alguns casos, a punição pode ser a morte

Crimes continuam

Em abril de 2025, comerciantes do Centro de Fortaleza denunciaram cobranças de até R$ 30 mil para “autorizar” o funcionamento das suas lojas no principal bairro comercial da capital cearense. Os criminosos se identificavam como membros do Comando Vermelho.

Como o Ceará tem combatido o crime organizado

A SSPDS informou quais ações de enfrentamento foram realizadas ao longo de 2025. A nota detalha os principais resultados operacionais, protocolos adotados e estratégias de inteligência que orientam o enfrentamento aos grupos criminosos no estado.

g1

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