
Um ex-jogador de futebol, que atuou em clubes profissionais cearenses e se aposentou dos gramados, é apontado pela Polícia Civil do Ceará (PCCE) como um chefe da facção carioca Comando Vermelho (CV) e como responsável por ataques a rivais e expulsão de moradores no Vicente Pinzón, em Fortaleza. O bairro registra um intenso conflito entre facções, com aumento de mortes e suspensão de aulas escolares, nos últimos meses.
José Roberto de Sousa Severo, conhecido no mundo do futebol como Zé Roberto e no mundo da criminalidade como ‘Imperador’ ou ‘Jogador’, de 41 anos, foi preso junto do seu “braço direito” na facção, Alex Sousa da Silva, o ‘Pit’, em uma casa na Taíba, em São Gonçalo do Amarante, Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), no último dia 20 de agosto, conforme um relatório da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco).

O documento aponta que ‘Imperador’ é uma liderança do CV na Comunidade dos Cocos, na Praia do Futuro, e no bairro Caça e Pesca, em Fortaleza, e teria sido incumbido pela facção a tomar o domínio do Vicente Pinzón – um reduto histórico da facção cearense Guardiões do Estado (GDE).
Integrantes da GDE “rasgaram a camisa” e aderiram ao CV, na disputa, que se intensificou no fim de junho e já perdura por mais de dois meses. A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS) montou uma operação permanente na região, que resultou na prisão de mais de 100 suspeitos e descentralizou o conflito para comunidades do bairro Papicu.
Segundo a Draco, ‘Imperador’ estaria liderando a expulsão de moradores no Vicente Pinzón, nas últimas semanas. Os imóveis tomados pelo Comando Vermelho estariam sendo pintados com tinta branca, como sinalização. Ele também é apontado como conselheiro do Comando Vermelho no Ceará e como chefe da facção em São Gonçalo do Amarante.

Já ‘Pit’ seria o “braço direito” do chefe, cumprindo ordens de logística do tráfico de drogas e de ameaças a moradores, além de atuar como motorista de veículos blindados para ‘Imperador’, conforme as investigações.
A defesa de José Roberto de Sousa Severo, representada pelos advogados Raymundo Nonato da Silva Filho e Marcos Igor Morais Ponte, afirmou, por nota, que “não entrará, neste momento, no mérito técnico da causa, a fim de preservar a condução adequada da estratégia defensiva no curso do processo judicial”.
Reitera-se, entretanto, que o constituinte é inocente das acusações que lhe foram imputadas, sendo certo que tal inocência será devidamente comprovada no regular deslinde processual, perante o Poder Judiciário, local próprio para a produção e apreciação das provas.”
A defesa de Alex Sousa da Silva não foi localizada para comentar a investigação policial. O espaço segue aberto para futuras manifestações.
Extorsão a espanhol e fechamento de igreja
Testemunhas contaram à Polícia Civil que ‘Imperador’ atuava na expulsão de moradores, em nome de uma facção criminosa, há pelo menos cinco anos. Ele foi apontado como o mandante das ordens de extorsão a um espanhol, no bairro Caça e Pesca, em Fortaleza, em 2020. O estrangeiro não teria pago um valor cobrado pela facção e teria se mudado do local. O terreno foi tomado por criminosos.
‘Imperador’ e ‘Pit’ também são suspeitos de exigir um valor de mensalidade a uma igreja evangélica, que fechou as portas, em razão do medo dos religiosos, no mesmo bairro. Outra vítima das extorsões seria um parente do ex-prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio.
Segundo as testemunhas, a dupla cometia os crimes com o aval de chefes superiores do Comando Vermelho no Ceará, que estão escondidos no Rio de Janeiro: José Mário Pires Magalhães, o ‘ZM’, e Marcos Vitor Paiva da Silva, também conhecido como ‘Jogador’.
Histórico no futebol profissional
No relatório, a Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas citou que José Roberto de Sousa Severo era conhecido como Zé Roberto ou ‘Jogador’ “pois foi atleta profissional e era conhecido no meio futebolístico e nas rodas de amigos por estes apelidos”.
‘Jogador’ foi apontado como participante de dois homicídios, ocorridos em 2006. E voltou ao alvo da Polícia em 2020, ao ser preso por envolvimento com uma facção criminosa e pela expulsão de moradores no bairro Praia do Futuro, em Fortaleza.
“Jogador/Imperador passou vários anos jogando futebol profissional em outros estados, talvez por isso tenha ocorrido esse interstício de tempo entre os crimes a que responde/respondeu, mais precisamente de 2006 a 2020. Voltou para Fortaleza em 2015 quando começou a trabalhar como autônomo e passou a cuidar dos negócios de sua mãe”, detalhou a Polícia Civil.
Conforme documentos obtidos pelo Diário do Nordeste, Zé Roberto (nome que ele utilizava como jogador de futebol) atuou no clube Jandaia, do Paraná, entre 2002 e 2007, e nos times cearenses do Horizonte (dezembro de 2009 a novembro de 2010) e do São Benedito (abril a julho de 2011), com contratos profissionais, inscritos na Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
“A vida de José Roberto, como todo garoto que mora em uma favela, sempre foi ser jogador profissional de futebol, e este sonho só foi possível ser realizado graças a sua persistência, perspicácia e muita abdicação”, alegou a antiga defesa do suspeito, em um processo por tráfico de drogas, aberto em 2020.
Treinador de escolinha de futebol
Após a aposentadoria dos gramados, Zé Roberto teria aberto escolinhas de futebol, para treinar crianças e adolescentes, segundo o antigo advogado de defesa. Uma testemunha apontou para a Polícia Civil que o suposto chefe de uma facção trabalharia como treinador no Futebol Clube Atlético Cearense. A agremiação foi questionada por uma delegada, por ofício, em julho de 2020.
Em resposta à Polícia, enviada no mês seguinte, o Atlético Cearense garantiu que “José Roberto de Sousa Severo não trabalha, nem trabalhou no Futebol Clube Atlético Cearense”. “Para que não reste dúvidas, informamos que o referido senhor, realizou teste/avaliação para compor o elenco do Verdes Mares Esporte Clube, o qual, no ano de 2018, utilizava as instalações deste clube para treinamentos, em razão de parceria entre os clubes”, acrescentou.
Entretanto, “José Roberto de Sousa Severo não foi aprovado na avaliação, não tendo o Futebol Clube Atlético Cearense obtido qualquer informação ou contato deste”, segundo o clube de futebol.
O Atlético Cearense ponderou que um filho de Zé Roberto começou a treinar na escola de futebol para crianças do Clube e, devido à suspensão das aulas pela pandemia de Covid-19, o pai se voluntariou a prestar as aulas para o filho, na escolinha.
“Nesse sentido, o referido senhor não tem, nem teve qualquer vínculo empregatício ou vínculo qualquer de prestação de serviços ao Futebol Clube Atlético Cearense”, completou a então presidente do Clube, Maria José Vieira.













