O Censo Demográfico 2022 do IBGE revela que apenas 37,2% dos cearenses têm acesso à rede geral de esgotamento sanitário. Muitas famílias ainda dependem de fossas rudimentares (34,7%) ou fossas sépticas (20%). A falta de saneamento adequado resulta em problemas de saúde, como doenças de pele e diarreia, especialmente em crianças. A situação afeta o desenvolvimento infantil e o desempenho escolar, com crianças faltando às aulas devido a doenças. Estudos mostram que a falta de saneamento impacta negativamente as notas no Enem e perpetua o ciclo de pobreza.
Os prejuízos para a formação dos pequenos que faltam às aulas devido a problemas como dor de barriga, diarreia e doenças respiratórias, por exemplo, podem avançar até a vida adulta, contribuindo para um ciclo de pobreza. Uma estimativa do estudo aponta que a diferença salarial entre quem tem acesso ao esgoto e quem não tem é de 46,1%.
No Brasil, aproximadamente quatro a cada 10 crianças com idade até seis anos se afastaram de atividades rotineiras em razão de diarreias e doenças transmitidas por insetos e animais, em 2019. Foram 6,6 milhões de pessoas impactadas no País e, em média, cada criança brasileira ficou quatro dias longe da escola.
Não há um recorte específico dessa realidade para o Ceará, mas o estudo “Benefícios Econômicos da Expansão do Saneamento no Ceará”, de novembro de 2023, também produzido pelo Instituto Trata Brasil, indica que o Estado teve 26.273 internamentos por essas doenças, sendo a maioria dos pacientes pessoas com até 14 anos no período analisado.
A universalização do saneamento é vista como essencial para melhorar a qualidade de vida e o desenvolvimento das futuras gerações. Crianças que vivem em ambientes sem saneamento adequado enfrentam riscos constantes de infecções e desnutrição, o que compromete seu crescimento e desenvolvimento cognitivo. Além disso, a falta de saneamento adequado pode levar a um atraso escolar médio de quase dois anos, impactando negativamente a renda futura e a mobilidade social dessas crianças.
As doenças de veiculação hídrica, como diarreia, gastroenterite, cólera, leptospirose, dengue e esquistossomose, e as doenças respiratórias, como influenza e pneumonia, são agravadas pela falta de água limpa para higienização. Crianças afetadas por essas condições têm infecções recorrentes, menos dias de estudo e risco de desidratação grave e desnutrição, conforme explica a médica endocrinologista pediátrica Izabella Vasconcelos. A desnutrição impede o crescimento adequado e, junto com a anemia, compromete o desenvolvimento cognitivo e a formação escolar.
Luana Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil, destaca que o Ceará tem 23 casos de diarreia para cada 1.000 crianças menores de 2 anos e 8 casos de desnutrição para cada 1.000. O estudo mostra que a falta de saneamento causa um atraso escolar médio de 1,78 ano. A falta de esgoto impacta negativamente a renda futura e a mobilidade social das crianças, reforçando a importância da universalização do saneamento para uma geração mais saudável e próspera.
Impactos na Educação
Pensar no desenvolvimento infantil exige analisar os aspectos social, cognitivo, afetivo, cultural e de relação com o ambiente, como avalia Ticiana Santiago, psicopedagoga e doutora em Educação.
“O desenvolvimento humano, especialmente o infantil, encontra nessa fase um período crítico, uma janela de oportunidades. Tudo que se vive na infância tem um peso e um significado muito constitutivo da noção de si e da percepção do mundo”, resume.
Crianças que vivem nesse contexto, não por uma questão delas ou das famílias, estão na precarização da vida. Então, é muito importante que a gente consiga fornecer todos os recursos necessários para esse desenvolvimento
Mas, na contramão disso, muitas crianças estão em locais que oferecem “ameaças” pelo contato com o esgoto bruto e água contaminada.
“Essa relação com a natureza, com o outro e com o ambiente é muito importante na primeira infância de uma forma lúdica e vivencial. Quando esse ambiente é precarizado e contaminado pela falta de saneamento, acaba adoecendo”, acrescenta.
Um exemplo disso está no estudo do Trata Brasil, que também aponta uma disparidade entre as notas médias no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de quem não tem acesso aos serviços de coleta de esgoto, com base nos dados de 2021.
Para ter uma noção, enquanto a média de quem está em lares com cobertura adequada de tratamento de esgoto é de 519 pontos, essa nota cai para 460 pontos entre quem está de fora do serviço básico.
Jovens atentos ao tema
Como usar a comunicação para falar com as pessoas sobre os benefícios do saneamento? A questão é exercitada por Isaac da Silva Campos, 17, estudante do 1º ano do Ensino Médio na Escola Governador Adauto Bezerra, em Fortaleza, dentro do Projeto Pioneiros.
A iniciativa é do Instituto Aegea, executada pela Ambiental Ceará e Ambiental Crato, responsável pelos serviços de coleta, afastamento e tratamento de esgoto em 24 municípios cearenses.
Por meio de uma Parceria Público-Privada com a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), a Ambiental Ceará deve garantir, do Cariri ao litoral, que o serviço de coleta e tratamento de esgoto chegue a 90% da população até 2033, avançando para 95% em 2040.
Além disso, algumas ações de educação ambiental acontecem em paralelo, como o Projeto Pioneiros para incentivar jovens a criar soluções de saneamento nas comunidades onde vivem. No Brasil, 500 estudantes participam de atividades imersivas na área do saneamento, entre maio e dezembro deste ano.