Ex-sem-teto, advogado defende comerciante que o tirou das ruas no Ceará: ‘Mínimo que posso fazer’

O amigo Raimundo Nascimento ligou para ele para pedir um apoio numa causa jurídica. Raimundo foi detido após um acidente de trânsito. A defesa aconteceu nesta terça-feira (5), na Promotoria de Justiça de Juazeiro do Norte, a 451 km da capital.

Raimundo Nascimento conheceu Sérgio Chaves em 2002, quando o advogado viajou para Fortaleza, após morar em Teresina. Raimundo era dono de um lava a jato, no Bairro de Fátima e foi quem o tirou das ruas e deu o primeiro trabalho.

“Parece coisa de filme. O Nonato foi o homem que me tirou das ruas. Foi ele que me deu oportunidade de trabalho no lava jato e ele teve um probleminha pessoal com a Justiça e fiquei com ele. Fui o advogado dele. É o mínimo que posso fazer por ele”, afirmou emocionado Sérgio Chaves.

Sérgio Chaves afirmou que não o via pessoalmente há 12 anos e se comunicava com ele apenas por telefone e pelas redes sociais.

“Eu sempre falava com ele, mas já havia uns 12 anos que não o via. Nonato me tirou das ruas e me deu um trabalho, um teto, comida, uma renda fixa por semana”, relembra emocionado.

Sobre o processo jurídico, Sérgio Chaves conseguiu que fosse concretizado um acordo entre as partes e o cliente e amigo continuará réu primário.

“Fizemos um acordo de não persecução penal e o Nonato continuará réu primário. Ainda não foi homologado no processo. O importante é que o ajudei e estou feliz por isso. Gratificante para mim como pessoa. Um dia muito feliz para mim”, conta.

“O acordo de não persecução penal pode ser definido como uma espécie de negócio jurídico pré-processual entre o Ministério Público e o investigado, assistido por seu defensor. Nele, as partes negociam cláusulas a serem cumpridas pelo acusado, que, ao final, será favorecido pela extinção da punibilidade”, explica.

Ainda sobre a história da amizade entre os dois, alguns meses depois, em 2002, Nonato e a família foram para Juazeiro do Norte. Sérgio Chaves na época ficou responsável pelo lava a jato. Além de trabalhar no local, ele conseguiu uma bicicleta e começou a entregar lanches pela noite.

“Ele foi fundamental para minha vida. Após conseguir emprego, eu pensei em estudar. E hoje estou aqui. Formado e atuando na área que sempre sonhei. Uma vida nova graças a essa amizade”.

Sérgio Chaves Pereira voltou a estudar após 20 anos longe da sala de aula. Em 2022, recebeu a notícia da conquista: a aprovação no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Em dezembro do ano passado, o g1 contou a sua história. Antes da aprovação, Sérgio passou frio e fome pelas ruas, sofreu preconceito de colegas de turma na faculdade e conciliou dois empregos com os estudos.

A vida de Sérgio Chaves sempre foi difícil. Aos 12 anos, viajou por conta própria para Teresina, no Piauí, sem chance de estudar ou trabalhar. “Quando eu tinha de 11 para 12 anos, fui parar em Teresina. Por ainda ser uma criança e sem oportunidades, acabei tendo que morar nas ruas daquela capital”, lembrou na época.

Por meses, ele dormiu nas calçadas e comia frutas estragadas da Ceasa de Teresina. Nessa época, passou frio e ganhava algumas moedas de donos de carros que vigiava.

“Para sobreviver, eu comia frutas estragadas no Ceasa. Pastorava carros em troca de algumas moedas, lavava louças de um pequeno box na rodoviária. Às vezes, por sorte, comia sopa em um local que fornecia esse alimento gratuito para pessoas que estavam na mesma situação que eu e, às vezes, comia resto de comida do lixo.”

“Dormia nas calçadas, meu lençol eram caixas de papelão e meu travesseiro era minhas sandálias. Às vezes, quando os seguranças da rodoviária não me viam, conseguia dormir ali dentro. Passei frio, passei fome e fiquei nessa situação, por aproximadamente um ano”, acrescentou durante entrevista ao g1 em dezembro de 2022.

Para ter sucesso nos estudos, o motoboy fez um plano didático. Se afastou das redes sociais, chegava mais cedo no trabalho para estudar e ouvia aulas gratuitas no YouTube. Até colocar adesivos com anotações no guidom da moto e conteúdo acadêmico na parede do banheiro foi arquitetado por Sérgio Chaves. Tudo isso para fixar o aprendizado.

“Com isso, quando eu parava em um semáforo, dava uma revisada. Quando eu aprendia aquele assunto, trocava os post it. Também tinha coisas escritas em locais estratégicos de casa, como na parede da pia do banheiro. Todos os dias eu tinha que olhar para aquela parede e lia o que estava escrito.”

A dedicação levou Sérgio Chaves ao ser aprovado, na primeira tentativa, no exame da Ordem da OAB. Antes de se tronar advogado, ele ainda trabalhou fazendo entregas pelas ruas de Fortaleza e fazia estágio em um escritório de advocacia.