A indefinição dos limites entre quatro estados brasileiros provocou uma disputa no Supremo Tribunal Federal (STF) por quase quatro décadas. O litígio, iniciado ainda na década de 1980 por meio da Ação Cível Originária (ACO) 347, tem como uma das partes o Estado do Piauí – que também tenta, desde 2011, incorporar parte do território de 13 municípios cearenses.
O processo envolvendo Piauí e Ceará está parado desde setembro de 2022 na Suprema Corte. A última movimentação foi pedido apresentado pela Procuradoria Geral do Ceará (PGE-CE) sobre a necessidade de “perícia ampla” dos limites entre os estados.
Segundo o órgão vinculado ao Governo do Ceará, é necessário análise “sobre todas as variáveis que lhe são fundamentais como o estudo dos componentes humano, histórico, cultural, social e econômico”. A PGE indicou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para a realização da perícia da região de litígio.
Atualmente, o responsável é o Exército brasileiro, que, em documento enviado ao STF, indicou que “não possui competência institucional para responder questionamentos de cunho social, político e econômico”.
O impasse em torno de qual órgão será responsável pela perícia na ação que envolve o Ceará não é diferente da vivenciada na ACO 347.
Na decisão do então relator da ação, ministro Luiz Fux, afirmou que o laudo realizado pelo Exército Brasileiro seria usado como base para resolução da disputa territorial, em detrimento da demarcação feita pelo IBGE, por contar com “recursos técnicos e modernos” para a realização do trabalho pericial.
DISPUTA POR TERRITÓRIO ENTRE 4 ESTADOS
Com origem em 1986, a disputa territorial em análise na ACO 347 envolve quatro municípios: Bahia, Goiás, Tocantins e Piauí. O processo chegou a envolver ainda Minas Gerais, que acabou retirado em 2014, após ser firmado acordo parcial.
Apesar do último despacho da ação ser de março de 2023, as últimas decisões quanto a ACO tem sido a respeito do pagamento de honorários periciais entre os estados que ainda integram o processo.
A definição das linhas divisórias foi feita, na verdade, durante o julgamento de outubro de 2014. Nele, foi julgado não apenas a ACO 247, mas a ACO 652 – desdobramento da primeira ação, ajuizada em 2006 pelo Piauí contra o estado de Tocantins.
A área disputada pelos quatro estados equivale a 15,4 mil quilômetros quadrados.
No voto do relator, ministro Luiz Fux, ficou definido que as divisas entre os quatro estados fossem fixadas segundo laudo técnico elaborado pelo Serviço Geográfico do Exército. Também ficou definido que títulos de posse de propriedades na área de litígio ficariam preservados, enquanto eventuais disputas referente a posse seriam resolvidas em “ação própria no juízo competente”.
Apesar de quase uma década da decisão, em alguns casos houve uma demora no cumprimento da definição da Suprema Corte. É o caso da disputa entre Piauí e Tocantins. Apenas em 2020, os 140 km² foram agregados ao estado nordestino, em área correspondente à Chapada das Mangabeiras.
QUAL A SITUAÇÃO DO LITÍGIO CEARÁ-PIAUÍ?
O Exército brasileiro iniciou a perícia referente ao litígio entre o Ceará e o Piauí em setembro de 2022. A primeira etapa tinha prazo ainda para novembro do ano passado, enquanto o laudo completo tinha previsão de ser finalizado depois de um ano do início dos trabalhos periciais.
O Diário do Nordeste entrou em contato com o Exército para saber em qual etapa da perícia a entidade está atualmente e se o prazo de finalização está mantido. Contudo, a assessoria informou que “os questionamentos sobre o assunto devem ser direcionados ao STF”.
A última movimentação no processo, que foi iniciado em 2011, é o pedido feito pelo Governo do Ceará para mudança na responsabilidade da perícia. A petição ainda aguarda a apreciação da ministra Cármen Lúcia, relatora da Ação Civil Pública 1831.
Enquanto aguarda resposta, a PGE-CE tem atuado em outras frentes quanto ao processo de litígio. Um deles é o grupo de trabalho criado pelo governador Elmano de Freitas, em março de 2023, para acompanhar as discussões e desdobramentos da disputa territorial.
O grupo reúne diversas secretarias do Estado, sob o comando da Procuradoria, e tem como função “prestar todos os subsídios técnicos solicitados pela PGE-CE para defesa dos interesses do Ceará em relação ao processo”, explicou a PGE por meio de nota.
“Serão desenvolvidas análises do perfil socioeconômico, histórico e demográfico da região, de aspectos técnico-demográficos da área, inventário de equipamentos públicos e privados, além de estudo jurídico da demanda e consulta popular com os habitantes da área em disputa”.
PROCURADORIA GERAL DO CEARÁ (PGE-CE)
Procurador-geral do Estado, Rafael Machado participou de reunião com a ministra do Supremo, no último dia 23 de fevereiro, no qual apresentou os argumentos a favor do Ceará, na qual foi, mais uma vez, destacado que a questão “não é simplesmente territorial e que o julgamento precisa levar em conta os aspectos humanos e sociais envolvidos”.
O contato com prefeitos e prefeitas das cidades que podem ser afetadas também é uma das prioridades, inclusive com análise da viabilidade de incluir as procuradorias municipais dessas prefeituras como amicus curiae (amigo da Corte), para que assim possam “fortalecer as manifestações em prol da população que ali vive e que se reconhece como cearense”, completa a PGE-CE.
MOBILIZAÇÃO NO LEGISLATIVO CEARENSE
A disputa entre Ceará e Piauí também tem mobilizado parlamentares cearenses, tanto a nível estadual como federal. Coordenador da bancada do Ceará no Congresso Nacional, Eduardo Bismarck (PDT) pretende propor Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para estabelecer uma previsão legal para resolução de litígios no País.
A proposta foi apresentada por ele durante reunião da bancada cearense federal com prefeitos, vereadores e lideranças da região, em Brasília, na última semana de abril. Agora, ele irá começar a recolher assinaturas para poder protocolar a PEC – é necessário o apoio de, pelo menos, 171 deputados federais.
Segundo o texto, explica Bismarck, “qualquer conflito territorial entre estados, que não estavam resolvidos no momento da promulgação da Constituição de 1988, passem a ser resolvidos por pertencimento da população e por ocupação de estado”.
Ele reforça que, caso aprovado este entendimento, as terras das cidades cearenses envolvidas no litígio “não poderia ser movidas para o Piauí”, já que os moradores da região se reconhecem enquanto cearenses e estão “assustadas (com a possibilidade) de serem agregadas ao estado do Piauí”, explica.
Na Assembleia Legislativa, o processo no STF também é acompanhado de perto pelo Comitê de Estudos de Limites e Divisas Territoriais do Ceará. A partir de iniciativa do comitê, foram realizadas audiências públicas, em 2022, nos municípios cearenses que podem perder território por conta da disputa.
“A situação processual que queríamos passar para prefeitos e prefeitas foi feito”, explica o atual presidente do comitê, deputado Queiroz Filho (PDT). No ano passado, ele acompanhou as audiências junto com a então presidente do comitê, Augusta Brito (PT) – que agora está no Senado Federal.
Queiroz explica que, por conta da realização do Censo pelo IBGE, o comitê tem estado focado na questão dos limites intermunicipais, mas que continua acompanhando o processo no STF sobre o litígio Ceará-Piauí. “(Mas) A gente não pode criar esse clima, essa instabilidade. Tem que estar atento, (mas) ainda está sendo feita a perícia”, reforça.
Diário do Nordeste