A vida de Jocasta Batista dos Santos, 31 anos, não mudou um ano após ser filmada catando comida de um veículo que coleta lixo no Bairro Cocó, em Fortaleza. Desempregada e com três filhas, a mulher relatou que, de desde então, a situação continua a mesma e ela depende do que acha no veículo; nesta sexta-feira (7), ela vai almoçar alimentos vencidos deixados no caminhão de lixo.
Jocasta é moradora da Comunidade dos Trilhos, no Bairro Aldeota. Apesar de residir área nobre de Fortaleza, a dona de casa vive em um cubículo de dois cômodos, uma sala-quarto-cozinha e um banheiro, em um pequeno imóvel. A renda do Auxílio Brasil de R$ 600 dá para pagar o aluguel, de R$ 350, luz e a água, mas não para ter o que comer.
“Antes de ontem [quarta-feira] eu peguei uns iogurtes vencidos, uns frangos, outras coisas como verduras e frutas. Peguei dois pacotes. Cheguei em casa e escaldei porque vem com aquele mau-cheiro e fedendo, né? Aí eu escaldo e nós comemos. Nós almoçamos. Vamos almoçar hoje de novo o frango que peguei no lixo. Muita gente que não tem nada para comer. Agradeço por ter isso para comer.”
Apenas serviços de faxina
Jocasta Batista conta que não conseguiu emprego fixo ainda e somente às vezes faz serviços de faxina na própria comunidade.
“Eu não consegui emprego ainda. Algumas pessoas ligam para mim e mandam mensagens, mas não sei ler e complica um pouco. Fiz uma faxina ali outra acolá, mas minha vida é muito difícil. Quando trabalho, eu faço uma limpeza ali por aqui mesmo na comunidade.”
Para conseguir alimentos do caminhão, ela precisa acordar ainda mais cedo. Há um ano, quando a imagem dela e de amigas coletando comida no caminhão de lixo comoveu o país, o caminhão passava por volta das 5h30; agora ele passa por volta das 3h, dificultando o acesso aos alimentos.
“Quarta-feira eu estava lá. Para o mesmo cantinho. Não mudou nada, sabe? As mesmas pessoas saem de casa duas horas da madrugada. As coisas estão complicadas. Bem difícil. Tenho uma filha pequena. Na verdade, tenho três filhas”, relata.
Por conta do número de pessoas tentando coletar comida, os motoristas dos caminhões são até grosseiros. Jocasta Batista relata que às vezes recebe empurrões.
“Eles [caminhoneiros] não deixam pegar às vezes a comida, queriam até bater em mim, mas eu disse que precisava comer. Saio cedo, umas duas horas e é perigoso, muito medo por causa da violência. Tem muita gente ruim neste mundo. Deixo minhas filhas sozinhas. Não me arrependo de ter as minhas filhas.”
A imagem gravada pelo motorista de aplicativo André Queiroz foi compartilhada nas redes sociais no dia 17 de setembro. No vídeo, do dia 28 de setembro homens e mulheres coletam comida jogada fora por um comércio.
“É muito triste. Existem cenas como essa sempre naquela região. Sempre vejo, mas não como essa daí. Por isso resolvi filmar. É bem impactante”, disse Queiroz na época.
Fome no Ceará
Metade da população do Ceará sofre com a falta de alimentos e passa fome. É o que mostra um estudo da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Penssan), divulgado em setembro deste ano.
Segundo o estudo, a população do estado sofre em vários níveis da insegurança alimentar:
- 26,3% da população cearense vive em uma insegurança alimentar grave, quando a família sente fome e não come por falta de dinheiro
- 26,3% dos cearenses vivem em insegurança alimentar moderada, quando há uma redução concreta da quantidade de alimentos e o padrão saudável de alimentação é rompido por falta de comida
- 29,3% sofre insegurança alimentar leve, quando há preocupação ou incerteza se vai conseguir alimentos no futuro
Em parâmetro regional, o Ceará é o quinto do Nordeste em relação a insegurança grave. Fica atrás de Alagoas (36,7%); Piauí (34,3%); Sergipe (30%) e Maranhão (29,9%).
g1