A mãe do garoto de seis anos que atraía milhares de pessoas em busca de milagres afirmou ao g1 nesta segunda-feira (26) que o filho perdeu a infância devido á grande demanda. Ela afirmou que foi necessário se mudar do local onde morava, no distrito de Belém de Cima, na cidade de Cruz, a 235 km de Fortaleza.
A procura pela criança teve início após se espalhar na região a história de que o menino fez uma mulher voltar a enxergar.
A mãe que preferiu não se identificar afirmou que a criança era prejudicada e que nem para a escola ia mais.
“Minha advogada já me orientou para não me expor mais. Quanto mais me estava me expondo, eu estava me prejudicando. Minha vida mudou completamente. Sempre fiz o bem. Estava prejudicando demais a minha família. Dia e noite. Demos um basta. Uma criança que não estava tendo mais infância. Nem para escola estava indo mais”, afirmou.
A mãe disse que as pessoas não respeitavam o espaço da família e que todos os familiares precisam ter uma vida normal. “Não estavam respeitando, não estava nem respirando. Quero continuar uma vida normal. Tivemos que viajar para voltar a antiga rotina”, explicou.
Após o caso do suposto milagre se espalhar na região, a criança passou a fazer orações individuais em pessoas que o buscavam. Com o passar do tempo, milhares de pessoas passaram a formar filas em frente à casa, em busca de bênção. Após o Conselho Tutelar questionar a atividade da criança, as atividades foram diminuindo, até que a família decidiu encerrá-las por completo.
“Até os 17 anos ele vai tentar ter uma vida normal. A doutrina dele não acaba. Quando estiver 18 anos se ele quiser seguir o caminho dele vai ser diferente. Aí não vou me preocupar. Ele já vai saber exercer”, concluiu.
Mudança da rotina e milagre
A rotina da cidade de pouco mais de 20 mil moradores (conforme o Censo Demográfico de 2010) foi alterada com a movimentação de veículos e filas longas formadas em frente à casa onde o menino morava com a família.
Entre as pessoas que buscaram atendimento com a criança estava o aposentado Raimundo Antônio de Araújo, de 71 anos, que disse ter parado de usar as muletas que o auxiliavam a andar, após ser “milagrosamente” curado pela criança.
Conforme o aposentado, poucas pessoas iam à casa do menino, mas atualmente muitas pessoas o procuram.
“Quem me falou foi um tio da mãe dele. Eu fui comprar carne lá [no comércio do tio], e ele me perguntou qual era o meu problema, aí falei que era na cartilagem do osso do quadril, que tinha acabado. O doutor disse que eu precisava operar senão não andava mais”, relatou Raimundo Antônio.
Raimundo decidiu ir à casa da criança por recomendação do próprio parente do menino.
“Ele me disse ‘lá no Belém, tem um menino que está curando gente lá. Aí fui num sábado, e voltei na segunda. Ele rezou de novo, aí na madrugada eu senti como se minha perna estivesse colando. O osso aqui já não dói mais”, complementou o aposentado.
“Eu entrei lá com muita fé. Quando o tio dele me falou, eu pensei ‘vou lá ainda hoje’ e fui com muita fé mesmo. Em comparação ao que eu estava antes, posso dizer que estou bem”, disse Raimundo.
Ainda de acordo com o idoso, há dois anos ele andava com duas muletas, mas há alguns dias parou de usar.
“Eu fico um pouco torto, porque uma perna minha é menor que a outra, já que acabou a cartilagem. Aí eu ando, balanço um pouco, mas dá para andar sem as muletas. Eu já passo por cerca de arame, que eu não passava porque doía, não aguentava a perna. Voltei a andar de moto, que eu não andava mais”, comentou.
Longas filas
Um vídeo registrado no local mostra a longa fila formada em frente a casa da família do garoto e a movimentação no distrito.
O g1 entrou em contato com a Cúria da Diocese de Sobral, da qual a cidade de Cruz faz parte, para saber se a Diocese estava acompanhando o caso, mas até a publicação da matéria a entidade não respondeu.
A repercussão dos atendimentos feito pelo menino levou ao Conselho Tutelar de Cruz a notificar os pais da criança a comparecerem ao órgão, o que ocorreu na última segunda-feira (5).
“Diante de tantas denúncias de exploração, o colegiado decidiu notificar os pais para comparecerem ao Conselho Tutelar”, disse o Conselho Tutelar.
Conforme o Conselho Tutelar, os pais do menino foram advertidos com base no artigo 129 inciso VII do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que trata das medidas aplicáveis aos pais ou responsável.
Além disso, eles foram orientados para que fossem reduzidos os atendimentos, conforme os artigos 4 e 17 da Lei 8.069 de 13 de Julho de 1990. Segundo moradores da região, por conta da determinação do Conselho Tutelar, o garoto passou a atender só em três dias da semana, no período da manhã, com distribuição de 150 senhas por dia.
SVM