A vida ainda está começando e já é interrompida. Com caminhos abreviados pela violência, entre 2003 e 2013, 5.159 crianças e adolescentes de 0 a 19 anos foram assassinados no Ceará. Nesta década, o número de mortes aumentou 389,3% no Estado. Passou de 215, em 2003, para 1.052 dez anos depois.
Os dados são do Relatório Violência Letal Contra as Crianças e Adolescentes do Brasil, feito pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) e divulgado ontem. No Brasil, este crescimento, nesta década, só foi maior no Rio Grande do Norte (509,8%) e em Roraima (427,3%).
Entre 2014 e 2015, estas ocorrências recuaram no Ceará, entre pessoas de 12 a 17 anos, conforme dados atualizados da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) do Estado. Sendo 542 mortes em 2014 e 450 no ano passado. Ainda assim, o número de assassinatos é alarmante. Neste ano, até maio, em média uma criança ou adolescente foi morto por dia no Estado. No decorrer dos 152 dias foram 161 homicídios.
Ao longo dos 10 anos analisados na pesquisa, que foi produzida como subsídio interno encomendado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e Secretaria de Direitos Humanos, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), apenas cinco estados brasileiros conseguiram reduzir o número de mortes na faixa etária de 0 a 19 anos. São Paulo foi o que contabilizou a maior queda, com 69,5% de assassinatos a menos entre 2003 e 2013. Para o coordenador do escritório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em Fortaleza, Rui Aguiar, que atua no Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência, organização coordenada pelo Unicef no Ceará, fruto de uma iniciativa da Assembleia Legislativa com apoio do Governo do Estado, a situação que o relatório constata é “conhecida e extremamente preocupante”.
Rui explica que apesar da redução no número de mortes nos últimos dois anos, o índice ainda é extremamente alto no Ceará e assustador. No Comitê, que investiga a situação de adolescentes assassinados em Fortaleza, Sobral, Caucaia, Juazeiro do Norte, Maracanaú, Eusébio e Horizonte, foi identificado que grande parte dessas vítimas da violência, bem como jovens que praticaram atos infracionais análogos ao crime de homicídio e latrocínio, abandonaram a escola com 12 anos ou menos.
“Este abandono escolar ocorreu há 5 ou 7 anos atrás. E foi ausência de políticas nesta época que pode justificar alguns fenômenos atuais. Os registros de violência muitas vezes são sinais destas carências”, explica Rui.
Carência de políticas
Ele acrescenta entre as lacunas mais expressivas no Ceará hoje estão, justamente, as políticas públicas voltadas para a infância e juventude. “Tivemos avanços importantes no combate à mortalidade infantil e na alfabetização de crianças, mas temos uma evasão escolar em certas camadas sociais que tornam esses adolescentes vulneráveis”, afirma.
Em Fortaleza, conforme o relatório, em 2013, foram 239 homicídios. Dados usados pelo Comitê apontam que em 2014 ocorreram 600 assassinatos e no ano passado 429. Segundo Rui, os registros estão concentrados em 20 bairros. Barra do Ceará, Bom Jardim e Jangurussu lideram a lista. Conforme o coordenador, as cidades que tiveram os maiores índices de morte “passaram por um processo de urbanização acelerado”, e a disposição dos serviços públicos não acompanhou essa ampliação.
O Diário do Nordeste solicitou à SSPDS detalhes sobre a atual situação dos registros de crimes contra crianças e jovens, bem como as medidas adotadas para reduzir estes índices. Mas, até o fechamento desta edição, não obteve respostada Pasta.