Por mais que lideranças do PDT apostem no discurso de que o partido está unido, na prática, os desgastes ficam cada vez mais evidentes e mostram que o que está em jogo é muito mais do que a escolha de um nome para disputar o Governo. A sucessão de 2022 põe em jogo a manutenção do papel de liderança política absoluta dos irmãos Cid e Ciro Gomes no Ceará.
Outros momentos sucessórios já geraram fim de alianças e intrigas políticas para o grupo desde 2006. Desde então, os irmãos souberam equilibrar interesses diversos e descartar aliados que ameaçavam desestabilizar o sistema. Mas nem tudo é passível de controle.
Agora, o grupo político precisa lidar com o novo papel de liderança do ex-governador Camilo Santana que, apesar da relação com o PDT, pertence a outro partido; com uma oposição que entrará na disputa montando o melhor cenário em 15 anos; e com o fortalecimento interno de partidos aliados que cobram voz e espaço na mesa de decisão.
FATOR CAMILO
O foco do impasse interno no PDT é a polarização entre as pré-candidaturas da governadora Izolda Cela e do ex-prefeito de Fortaleza Roberto Cláudio. Os outros dois pré-candidatos, o presidente da Assembleia Legislativa, Evandro Leitão, e o deputado federal Mauro Filho correm por fora nessa disputa.
O “Time Izolda” tem como principal cabo eleitoral justamente o ex-governador. Já o “Time Roberto Cláudio” conta com o pré-candidato a presidente da República Ciro Gomes. Os demais aliados vão se somando a cada lado, alguns, no entanto, sem muito alarde público. Afinal, toda manifestação de apoio tem suas implicações.
Foi justamente a declaração pública de apoio a Roberto Cláudio pelo prefeito de Fortaleza, José Sarto, que expôs esse acirramento que já se percebia internamente.
Dentro do PDT, a ala cirista e mais fortemente ligada aos irmãos Cid e Ciro Gomes tem se mobilizado entorno de Roberto Cláudio, o que inclui fortemente a base de vereadores da Capital. O ex-prefeito também recebeu apoio do presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, com direito à música com trocadilho pró-Roberto Cláudio: “o melhor prefeito do Brasil vai virar governador”. O apoio efusivo não pegou bem e gerou mais desgaste para o partido.
O movimento pró-Izolda, no entanto, vem principalmente de fora do partido, encabeçado por lideranças de partidos como MDB, PP e PT, mas, com as estratégias de gestão de governo, tem tido simpatia também de deputados estaduais e prefeitos.
Percebe-se também que muitos do grupo “apoio se a candidata for Izolda” são forte aliados de Camilo Santana, gente que fez parte do Governo dele ou que foi atraída para a base por ele.
Para além de decidir sobre Izolda ou Roberto Cláudio, agora, a questão tem se encaminhado para mostrar qual padrinho político vai ter mais força.
Ao que os impasses indicam, não se contava com um apoio tão engajado de Camilo Santana à governadora, afinal o ex-prefeito também era próximo a Camilo e chegou a ser cotado como seu “sucessor natural”.
Em 2012, a ex-prefeita de Fortaleza Luizianne Lins tentou usar seu capital político pós-gestão para emplacar candidato dentro da aliança. Não funcionou: os irmãos Ferreira Gomes racharam a parceria para lançar Roberto Cláudio, derrotaram Luizianne e minaram a força política da então prefeita na Capital.
O cenário de Camilo não parece o mesmo, mas é preciso ver o desenrolar da queda de braço para tirar conclusões.
Fato é que lançar Izolda é fortalecer a figura de Camilo como líder, é também abrir mão de parte de um poderio político para um nome de outro partido, o que, até hoje, não aconteceu.
Todos os nomes lançados pelos Ferreira Gomes nos últimos anos para cargos de maior relevância mantêm-se sob comando de Cid e Ciro.
Aliados de outros partidos que tentaram faturar parte da liderança do grupo, como Eunício Oliveira, do MDB, e Domingos Filho, do PSD, chegaram a ir para a oposição após serem preteridos por escolhidos dos irmãos Cid e Ciro.
OPOSIÇÃO FORTALECIDA
E quem está de olho na decisão do PDT e no que vai sobrar dela é a oposição, encabeçada pelo deputado federal licenciado Capitão Wagner (União Brasil), pré-candidato ao governo.
Ciente das manifestações de preferência por Izolda Cela e das sinalizações pró-Roberto Cláudio, ele tenta atrair partidos como MDB, PP e PSD para a base, sem descartar, inclusive, oferecer o cargo de vice para o PSD, cujo presidente, Domingos Filho, tem cruzado o Ceará em eventos partidários reivindicando a vaga na base governista.
O União Brasil, comandando por Wagner no Ceará, terá a maior fatia de verba pública na campanha de 2022 e mais tempo destinado à propaganda eleitoral gratuita nas TVs e rádios. É uma oferta atrativa na mesa de negociação, que inclui ainda tratativas com o PL de Jair Bolsonaro.
Além dessa estrutura material, Wagner saiu fortalecido na disputa pela Prefeitura de Fortaleza em 2020, contra José Sarto (PDT), com uma pequena diferença no percentual de votos; e conta ainda com a “fadiga do poder”, ou seja, os desgastes acumulados pelo grupo governista ao longo de 16 anos de gestão, o que é natural na lógica política.
E COMO FICAM OS ALIADOS?
Nesse desgaste da base e nos atrativos da oposição, a pouco mais de um mês do prazo para definições partidárias, as alianças estão em aberto.
O PT, fortalecido com o nome de Camilo Santana, e com o desempenho do ex-presidente Lula nas pesquisas de intenção de voto para a presidência da República, marcou para o dia 2 de julho o encontro que vai definir se fica ou não na aliança com PDT. Boa parte do partido, seguindo o líder, Camilo Santana, é pró-Izolda.
No PDT, apesar dos discursos de que “a aliança é importante” e “não haverá ruptura”, o PT tem sido alfinetado com frases do tipo “quem escolhe candidato do PDT é o PDT” e “que seja feliz”, caso opte por uma candidatura própria. Entrelinhas, não parecem discursos de quem quer realmente manter um aliado perto.
O MDB de Eunício Oliveira é declarado opositor de Ciro Gomes e Roberto Cláudio e é mais um que segue os sinais de Camilo Santana.
O PSD de Domingos Filho tem insistido na vice, mas nada garante que, se for preterido em meio à queda de braço entre PT e PDT, não aceite as investidas de Capitão Wagner. No cenário atual, Domingos Filho lidera um partido bem mais robusto, com o filho deputado federal influente e prefeitos.
Os frequentes eventos regionais nos últimos meses também têm a intenção de demonstrar essa força. Isso muda (ou deveria mudar) os espaços de diálogo.
Numa aliança, não se pode cobrar que apenas um lado ceda nessa ou naquela decisão, mas é preciso também perceber as mudanças que o tempo traz e os novos jogos de força que se estabelecem. Contra o tempo e seus desgastes, quase ninguém pode.
O principal grupo político do Estado vive um momento singular em que terá de pôr à prova o discurso de que defende um projeto e não nomes. Não se trata apenas de escolher um nome entre quatro importantes figuras políticas. Comandar um grupo amplo sempre requer estratégias para muito além do que está à primeira vista.
Diário do Nordeste