Nome importante do samba brasileiro e nascido no Ceará, Evaldo Gouveia traz no currículo dois sambas-enredos para a Portela

Quando chegaram ao Brasil, por volta da metade do século XVI, os escravos africanos não trouxeram apenas a força de trabalho embutida nos corpos. Mais do que vigor físico, esses homens e mulheres portavam também elementos culturais: a música, que originou o samba, era um deles. Para afastar a tristeza da terra distante, os negros se reuniam nas senzalas, ambientes que viram nascer os primeiros passos desse gênero musical, que já foi considerado símbolo da música popular brasileira. Registrado há 100 anos, esse senhor possui múltiplas identidades, uma vez que, em cada região ou estado do País, o samba tem uma história particular para contar.

No Ceará não é diferente. Hoje, Dia Nacional do Samba, é oportuno revisitar as origens do estilo musical que ganhou, inicialmente, destaque no carnaval cearense. De Lauro Maia, Luiz Assunção, Aleardo Freitas, passando por Evaldo Gouveia, Fausto Nilo e Carlinhos Palhano, é possível perceber que o Estado não é apenas o reduto do forró, carregando na herança musical também o batuque.

“A escola de samba era um grupo de foliões, com uma banda ao estilo das bandas militares, com instrumentos de sopro, fantasias improvisadas, sem sambar no pé. Era o pretexto para brincar e compor os sambas”, escreve o pesquisador e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Gilmar de Carvalho, no livro “Música de Fortaleza”, sobre Luiz Assunção (1902-1987).

Natural do Maranhão, estabeleceu uma relação apaixonada por Fortaleza, escreve o pesquisador, identificando a verve boêmia do autor do samba “Adeus Praia de Iracema”. Na obra, Gilmar cita também o compositor cearense Lauro Maia (1913-1950), considerado um dos pioneiros do rádio cearense, mas que enveredou pela música. Depois de viajar em 1939 para o Rio de Janeiro, retorna a Fortaleza, ganhando de um amigo da boemia uma escola de samba, em 1942, que passaria depois para Luiz Assunção. “A escola de samba era uma forma de produzir para o carnaval e conhecer o gosto das massas”, narra Gilmar de Carvalho.

Histórico

O cantor, compositor e pesquisador, Calé Alencar, assegura que “temos uma história longa”, fazendo referência ao samba cearense, que possui também velha guarda. Faz um recorte na história do samba no Ceará, remontando à década de 1930, dando ênfase nos talentos de Lauro Maia e Luiz Assunção. Descreve que foi “o tipo de samba que marcou uma característica cearense, pelo fato de ser cadenciado e com acompanhamento de naipe de metais”, bem peculiar ao ambiente carnavalesco.

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O cantor Calé Alencar tem uma pesquisa em torno da obra do compositor cearense Lauro Maia

O cantor explica que, até há pouco tempo, o bloco (antiga escola de samba) Prova de Fogo, fundado em 1935, resolveu trocar sua matriz rítmica por um modelo mais parecido com o samba- marcha dos carnavais de agora. As constatações são fruto da pesquisa que fez em torno da obra de Lauro Maia, principal nome da música local, pela forma eclética de compor, concentrando-se no samba, sendo um sucesso popular em Fortaleza.

Ao mergulhar na poética de Lauro Maia, impulsionou o compositor a enveredar pela seara do samba e da bossa nova, citando dois sambas-enredos, criados para o bloco Fuxico do Mexe-Mexe. Na década de 1940, o autor segue para o Rio de Janeiro, considerado o berço do samba no País. Lauro Maia compôs para o bloco Prova de Fogo, revela Calé Alencar, lembrando do trabalho dos grupos vocais que nasceram aqui e despontaram no cenário da música brasileira. São eles: “4 Azes & 1 Coringa e “Vocalistas Tropicais”, que gravaram muitos sambas conhecidos.

A investigação de Calé Alencar chega aos anos 1970, identificando a relação do Pessoal do Ceará com o gênero musical nascido na Lapa, na Casa da Tia Ciata, uma das rodas de samba mais famosas da Cidade Maravilhosa. Informa que Fagner traz dois sambas em parceria com o compositor Wilson Cirino, no seu primeiro disco. “A intenção da gravadora era concorrer com a dupla dos sambistas baianos, Antônio Carlos e Jocafi”. Fagner criou sambas com Ricardo Bezerra e Capinam, revela, assim como Ednardo e Brandão assinam a composição “Cara de pau”, identificada como samba. Rodger Rogério também se rendeu ao samba, embora no Ceará, o ritmo tenha um forte concorrente: o chorinho.

Composições

O Ceará tem samba, sim, confirma o compositor. A composição “No Ceará é assim (Eu só queria que você fosse um dia ver as praias bonitas do meu Ceará…) é um samba, gravado pelos “4 Azes & 1 Coringa”, e depois, por Fagner. A composição é do paraense Carlos Barroso, que morou em Fortaleza, sendo parceiro de Humberto Teixeira. Um dos sambas de maior sucesso da carreira de Cyro Monteiro, “Deus me Perdoe”, é de autoria de Lauro Maia e Humberto Teixeira, dois cearenses.

Outro nome importante do samba brasileiro, nascido no Ceará, Evaldo Gouveia, traz no currículo dois sambas-enredos para a Portela. Versátil, o autor de “Bloco da solidão” escreveu também boleros e músicas românticas, além de flertar com a bossa-nova, como a “Garota moderna”. Fausto Nilo, em parceria com o baiano Moraes Moreira, é um dos compositores cearenses que mais de destacam na vertente do samba, depois de Evaldo Gouveia, assinala Calé Alencar. A música “Felicidade”, conhecida na voz de Simone, é um exemplo. A geração “Massafeira” demonstrou inclinações para o samba, afirmando que Lúcio Ricardo assina letras do ritmo que nasceu nas senzalas. O cantor e compositor Rogério Soares gravou um Cd dedicado ao estilo musical herdados dos escravos africanos que vieram para o Brasil.

Cultura do samba

“Aprendi samba no Ceará”, confessa com orgulho o cantor, compositor e instrumentista, Carlinhos Palhano, autor de mais de 400 sambas, personifica a nova geração de sambistas da Terra do Sol. Na estrada há 41 anos, relata que buscou inspiração na velha guarda do samba local, entre outros, Descartes Gadelha, Zé Renato, Carlito Pamplona, além do seu pai, de quem herdou a manha de tocar, cantar e compor. “Vi meu pai tocando e criei amor pelo samba”, diz com voz tranquila, mostrando que tem ginga, o então menino nascido em Teresina, mas que seguiu com um ano para o Rio de Janeiro, onde morou até os 10.

Entusiasmado, Carlinhos Palhano identifica “uma cultura nacional”, explicando que samba é mais do que música. Observa elementos culturais que estão presentes na alimentação, bebida, roupa e comportamento. “O samba é um mundo”, resume, afirmando com orgulho viver de tocar pandeiro e de cantar.

“Há muito tempo sou desempregado e vivo da música”, revela o artista, que começou a cantar aos 14 anos. Hoje, incorpora a figura do novo malandro, bem diferente daqueles descritos por Noel Rosa, na letra de “Com que roupa?”. Compor é 50% inspiração e 50% inspiração, define o artista, que diz pesquisar e estudar para escrever suas letras, que garante não surgirem em mesa de bar. Dessa maneira, samba é trabalho, desconstruindo a figura romântica do antigo malandro carioca.

O samba é um universo multifacetado que se desenvolveu ao longo de um século ou mais, arrisca Carlinhos Palhano, relembrando a atitude do compositor Donga, que no dia 27 de novembro de 1916 registrou “Pelo telefone”, que seria gravado no ano seguinte. Fala sobre as variações do gênero, que abrange desde samba- maxixado, passando pelo samba-canção até chegar ao tipo mais refinado, a bossa- nova. Assim como é também possível dizer que existem vários formatos de samba.

Em Fortaleza, ele cresceu muito e o público ficou exigente, aconselhando às novas gerações, estudar sobre a cultura do samba e aprender a tocar. Além de gostar, justificando fazer samba por amor. “Está no meu sangue e foi o samba que me escolheu”.

Nordeste Notícia
Fonte: Diário do Nordeste/Iracema Sales

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