Legenda: Retorno de 100% da frota de ônibus depende de evolução da demanda, segundo Etufor
Foto: Thiago Gadelha

Medo do contágio e a necessidade de trabalhar. Como se proteger se não há condições de distanciamento no transporte coletivo? Como evitar aglomeração se há um número excessivo de usuários nos veículos que seguem lotados? Como fugir do risco se a única alternativa de deslocamento é essa? Tais dilemas, motivos de preocupação de especialistas em saúde mundo afora, em Fortaleza são impasses reais no cotidiano de inúmeros passageiros em meio à pandemia do coronavírus.

A Capital já está na fase 3 da retomada das atividades econômicas, etapa em que a indústria e o comércio já operam 100%, mas, no caso dos ônibus, a frota segue igual ao que funcionava em junho, com 70% dos veículos. Segundo a Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor), ainda não há definição sobre o retorno completo da frota. “Ocorrerá junto da evolução gradual da demanda, acompanhada pelo monitoramento diário”, explicou em nota.

“A Etufor monitora diariamente a quantidade pessoas circulando em cada linha do transporte público, de maneira que possa dimensionar a frota de maneira mais eficiente e permitir uma condição de mais espaçamento no transporte coletivo. Atualmente, a Fase 3 tem apresentado uma média de 42,5% da demanda do período típico pré-Covid e com 70% da operação regular, isto é, 1200 ônibus, com 218 reservados para atendimento de linhas que apresentarem demanda acima do esperado”, detalhou a Etufor.

Lotação e demora excessiva entre um coletivo e outro, sobretudo, nos horários de pico, são queixas históricas na Capital. No período de crise sanitária, o efeito desses problemas é ainda mais acentuado devido os riscos da falta de condições de distanciamento.

“Na normalidade dentro da rotina já é complicado. Os ônibus não dão conta da demanda. Imagine agora, com a pandemia. Com a redução da frota é impossível se sentir seguro”, relata a educadora, Valéria Araújo, que se desloca diariamente do Parque Dois Irmãos a Bela Vista para trabalhar. Nesse percurso, diz, são recorrentes as cenas de aglomeração na busca por transporte coletivo.

Uma das linhas de ônibus que ela usava antes da pandemia foi suspensa. Com isso, para ir ao trabalho, Valéria que antes passava só pelo Terminal da Parangaba, agora, tem que utilizar também o Terminal do Lagoa. Nos dois locais, explica ela, a demarcação para garantir o afastamento entre os passageiros não existe.

Os relatos e as dificuldades são semelhantes aos da analista fiscal de produtos de farmácia, Ana Barros, moradora do João XXIII. Ela trabalha no Centro e também sente os efeitos das suspensões de linhas. “Eu trabalho de segunda a sábado e tem sábados que espero uma hora no terminal. Quando o ônibus vem, já tem muita gente esperando. É impossível não ter aglomeração”.

As sinalizações para manter distância, reitera ela, quando existem, são ignoradas. De Messejana até a Barra do Ceará, a situação não é diferente, afirma a porteira, Fernanda Oliveira. No trajeto entre a casa e o trabalho, ela passa pelos terminais de Messejana e da Parangaba. “Sempre tem lotação e os ônibus demoram de 30 a 40 minutos. E não tem nem divisão e nem orientação. Eu só vi nos primeiros dias”, conta.

Além disso, embora reconheça que a maioria dos passageiros usa máscara, Fernanda relata que alguns, a retiram quando adentram os ônibus. “Uso máscara e tento ficar afastada das pessoas. Se a pessoa sentar do meu lado sem máscara, eu saio”.

“Desde antes da pandemia da Covid-19, o processo de redesenho das linhas a partir do monitoramento de demanda e da oferta é um processo contínuo e que acompanha a operação diária, sendo o processo que, historicamente, conduz alterações de rota, criação e fusão/supressão de linhas, visando sempre melhor utilizar a frota ao dedicar veículos para as linhas de maior lotação”, explica a Etufor sobre a suspensão das linhas.

Riscos

As situações narradas pelas passageiras preocupam e já foram motivo de fiscalização do Ministério Público do Ceará, por meio do Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Decon). No começo deste mês, os terminais do Antônio Bezerra e do Siqueira foram vistoriados. Quatro empresas foram autuadas. Dentre as irregularidades, segundo o diretor de fiscalização do Decon, Pedro Ian Sarmento, constam o transporte de passageiros em quantidade excessiva e ausência de demarcação que indique o distanciamento seguro nas filas nos terminais.

Conforme Pedro, as empresas estão em um prazo que ainda podem apresentar defesa junto ao Decon. A fiscalização deve continuar em outros terminais este mês. O Decon também irá oficiar a Etufor para prestar esclarecimento em relação aos serviços ofertados. No entanto, não há data prevista para essa ação oficial.

Para a enfermeira, especialista em doenças infecciosas e coordenadora do Grupo de Trabalho de Enfrentamento à Pandemia na Universidade Estadual do Ceará (Uece), Maria Lúcia Duarte, o retorno ao uso do transporte público é notório, e nesse momento, ao tentar equacionar essa necessidade com os cuidados sanitários, a população precisa ser conscientizada, antes de tudo, sobre a gravidade da doença. “Na prática, é preciso que as pessoas mais suscetíveis fiquem, de fato, em casa. E, sobretudo, se precisar sair, evitem o transporte coletivo em horário de picos”.

A professora cita outras medidas que precisam ser implementadas ou necessitam ter continuidade: manutenção de janelas abertas durante as viagens (tal ação vem ocorrendo nos ônibus desde março e segundo Metrofor também acontece nas linhas metroferroviárias); realização de viagens somente com passageiros sentados e com máscaras; instalação de equipamentos com álcool em gel dentro dos veículos; e a higienização dos transportes a cada viagem.

Essas iniciativas, reforça ela, também devem se aplicar a modais como metrô e trem. Segundo a Companhia Cearense de Transportes Metropolitanos (Metrofor), a operação dos trens em Fortaleza e Região Metropolitana, Cariri e Sobral foi suspensa no dia 21 de março. No dia 1º de junho os serviços foram retomados na Capital. Desde então, diz o órgão, para utilizar as linhas, é necessário usar máscaras, manter o distanciamento e cumprir as marcações sinalizadas nos assentos.

Além disso, dispensadores de álcool em gel foram implantados em todos os trens e estações, garante o Metrofor. Em junho, 332.424 passageiros utilizaram as linhas Sul, Oeste e o VLT Parangaba-Mucuripe. “É preciso tem muito cuidado em todos os transportes. Principalmente depois de sabermos dessa possibilidade de o vírus se manter no ar”, reforça a enfermeira Maria Lúcia, fazendo referência à carta assinada por mais de 230 cientistas no mundo endereçada a Organização Mundial da Saúde (OMS), na primeira semana de junho, afirmando que uma outra forma de transmissão do novo coronavírus é através de partículas suspensas no ar.

Cuidados

O médico e doutor em saúde pública, Bruno Benevides, ressalta que o transporte público impõe alguns riscos pois, além de não existir outra alternativa para uma parte considerável da população, “é um local onde você tem uma aproximação grande de pessoas o que favorece a transmissão por via aérea e contato físico com as mãos, pois como muitas pessoas andam em pé, têm a necessidade de se segurar”. Ele ressalta ainda que, em geral, as pessoas fazem uso desse tipo de transporte mais de uma vez ao dia, o que aumenta a exposição.

Bruno também defende que o ideal é que os ônibus fizessem viagens somente com passageiros sentados e que haja um aumento da frota. Ele enfatiza o uso da máscara e acrescenta “as máscaras de pano protegem mais a outra pessoa do que as pessoas que estão usando. Por isso, além de usá-la é preciso higienizar as mãos sempre e, no dia a dia, nos ônibus, se afastar das pessoas que não estão usando máscaras”.

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