Abrir o olho, respirar sem ajuda de aparelhos, andar, se tocar frente a frente. Renascer, de certa forma. Foram dois anos unidas por uma alteração embrionária que não as deixava se reconhecerem. Até que 30 profissionais conseguiram, após uma cirurgia, de cerca de 20 horas no sábado, 27, e meses de procedimentos lentos e detalhados, separar as siamesas cearenses Maria Ysadora e Maria Ysabelle, de 2 anos, que eram unidas pelo crânio.
Elas estão na UTI; já choraram e mexeram os membros. Já mudaram suas vidas. De agora em diante, o futuro será independente. “Esse caso tirou das pessoas o que elas têm de melhor”, afirma o neurocirurgião Eduardo Jucá, cearense responsável pelo acolhimento do caso no Hospital Infantil Albert Sabin, em Fortaleza, e pela articulação para a separação, realizada no Hospital das Clínicas da USP em Ribeirão Preto (SP).
A última das quatro cirurgias pelas quais as gêmeas passaram começou às 7h30min do sábado e chegou ao fim por volta das 3 horas da madrugada de ontem. Não houve imprevisto, nenhuma complicação, saiu tudo como os médicos planejaram: anestesia (complicada em crianças que estão fisicamente unidas), separação dos cérebros, rotação das mesas cirúrgicas para que cada profissional atuasse onde fosse necessário, reconstrução individual dos crânios.
Conforme Eduardo Jucá, durante o procedimento foi identificada uma nova ligação de uma porção dos cérebros, situação contornada. Agora, é dar tempo para que os cérebros funcionem sozinhos pela primeira vez, os fluxos sanguíneos tenham autonomia, e os neurônios, antes compartilhados, também. Acordar? “O verbo acordar acontece em etapas. Elas já choraram, mexeram os membros, sinais de que estão despertando. Mas é algo bem gradativo”, destaca o médico.
E assim será: lento, desconhecido, cheio de muitas expectativas e poucas certezas. Um caso que acontece a cada 2,5 milhões de pessoas, o primeiro do Brasil, o nono de uma das equipes médicas mais experientes do mundo. Não há fator de risco, nem genético. É o acaso que faz com que membros de gêmeos univitelinos não se separem e os bebês sejam siameses craniópagos (ligados pelo topo do crânio). “Esperamos uma recuperação lenta e progressiva. Não temos base de antecedentes e dados no Brasil para entender”, explica Jucá.
A espera será para que hemorragias e infecções, comuns a qualquer cirurgia, não aconteçam. Assim como sequelas neurológicas, recorrentes em intervenções cerebrais. “Esse risco ainda mais, porque os cérebros estavam funcionando de maneira compartilhada e agora não mais. Não temos como dar esses detalhes, é preciso acompanhar passo a passo”.
Nordeste Notícia
Fonte: O Povo/Sara Oliveira