Alvaro Dias entrou no Senado pela primeira vez em 1983. Entre idas e vindas, o tradicional político já ocupou a cadeira de senador por 23 anos. Sonhando com voos mais altos, no entanto, ele ainda se considera um “desconhecido” e entra na disputa eleitoral pela Presidência com a promessa de romper com o sistema político vigente e “refundar a República”.
Pré-candidato pelo Podemos, Alvaro Dias tem 4% das intenções de votos, segundo pesquisa do Datafolha divulgada em 10 de junho. O baixo patamar a pouco mais de três meses das eleições, no entanto, não o assusta. “Às vezes, ser desconhecido é uma vantagem”, diz o paulista, nascido em Quatá (SP), criticando os postulantes “muito conhecidos e rejeitados” pela população.
Com 74 anos, Dias é um crítico dos partidos brasileiros, que chama apenas de “siglas” por não seguirem conteúdo programático. Ele mesmo já transitou por vários: PSDB, PDT, PV e, desde 2017, Podemos (antigo PTN).
Para as eleições, ele refuta qualquer aliança com o antigo colega de partido, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB). “Seria uma proposta constrangedora”, diz, sobre um possível convite para concorrer como vice na chapa tucana, por considerar tratarem-se de duas candidaturas plenamente viáveis.
De postura liberal, Dias afirma ser a favor do “livre-arbítrio” do cidadão para escolher ter ou não armas, mas se diz contrário a qualquer mudança na legislação brasileira referente ao aborto que não seja decidida a partir de um plebiscito. “Entendo que a legislação atual atende as necessidades”, diz.
Leia os principais trechos da entrevista abaixo.
BBC News Brasil – Há rumores de que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso gostaria de convidá-lo para ser candidato a vice de Geraldo Alckmin. O senhor estaria disposto?
Alvaro Dias – Não tenho ouvido isso, não. FHC não falou comigo e os que falaram não colocaram esses termos. Até porque seria deselegante. E eles, os tucanos, são pessoas elegantes. É uma elite elegante do país. Eles não fariam esse tipo de proposta constrangedora.
BBC News Brasil – Por que constrangedora? Por causa da pontuação de ambos nas pesquisas?
Dias – Não é uma questão de pesquisa, até porque elas hoje pouco significam. Elas não são de definição de voto, mas de intenção. Isso se altera ao sabor das circunstâncias. Se você fizer uma avaliação em função da rejeição dos candidatos, até acho que seria mais razoável, porque a rejeição diz respeito ao passado e ao presente. A intenção fala do futuro, do que pode se alterar.
BBC News Brasil – O senhor tem 15% no Sul, mas entre 2 e 3% nas outras regiões, onde não é tão conhecido…
Dias – Tem pesquisa para todo gosto. Recebo algumas com números diferentes. Por isso eu digo que elas não me assustam, não me atemorizam. Ao contrário, elas até me animam, porque, quando vejo que 62% (dos eleitores) não definiram o voto, isso significa que há um espaço enorme à frente, que a eleição está aberta. Quem tiver passado limpo, experiência e proposta de futuro certamente terá espaço para conquistar voto.
Às vezes, ser desconhecido é uma vantagem, até porque é possível se fazer conhecido positivamente. Os que são muito conhecidos possuem alta rejeição exatamente porque apresentaram problemas que proporcionaram desgaste.
BBC News Brasil – O Podemos terá 12 segundos por dia na TV. Para aumentar esse tempo, o senhor precisará de alianças com os partidos que critica. Como fazer isso?
Dias – Confesso que não imaginava ter a possibilidade de fazer alianças, por causa da nossa proposta radical, de ruptura com o sistema, propondo a refundação da República. Mas hoje há uma consciência de que é preciso mudar de fato. Então, os partidos estão admitindo assumir uma proposta de mudança real. Nós não estamos fora do jogo em matéria de alianças, ao contrário. Acho que só lá para o começo de julho é que vamos ter um avanço nisso.
BBC News Brasil – O PSB é uma possibilidade de aliança?
Dias – Nós gostaríamos de retomar as conversas com o PSB, pois elas foram interrompidas com a possibilidade do ex-ministro [do STF] Joaquim Barbosa se candidatar. No entanto, nós sabemos das dificuldades. O PSB tem divisões visíveis, uma realidade no Nordeste e outras realidades no restante do país. Gostaríamos de conversar sobre uma eventual coligação.
BBC News Brasil – E o seu irmão Osmar Dias? O senhor declarou que não vai apoiá-lo na eleição ao governo do Paraná.
Dias – Ele compreende o momento, que é de construção de unidade em torno da minha candidatura no Paraná. Nós realizamos recentemente um grande evento suprapartidário, com presença de todos os partidos. Tenho tido essa cautela (de não apoiar nenhum candidato no Paraná) e meu irmão sabe disso.
BBC News Brasil – O senhor criticou a reforma da Previdência. Qual seria a reforma ideal?
Dias – Acho a reforma da Previdência imprescindível, e ela chega com atraso em função da desarrumação das finanças públicas. Nós consumimos 65% do total da receita pública com previdência e folha de pessoal. É inevitável uma reforma. É preciso fazer um balanço sobre o que ocorreu com a Previdência. Por que esse desastre?
Outro ponto: há uma inadimplência de R$ 400 bilhões. Por quê? São grandes empresários, grandes bancos e grandes empresas devendo para a Previdência. E o governo se mostra impotente, ou seja, ele é forte para botar a mão grande no bolso dos pequenos, mas não tem força para cobrar dos grandes.
BBC News Brasil – Como seria feito essa cobrança?
Dias – É só cobrar. Como se cobra? Cobrando.
BBC News Brasil – Mas por que ninguém cobrou até agora?
Dias – Também me faço essa pergunta. A JBS, por exemplo. O governo repassou mais de R$ 18 bilhões do BNDES para eles e sequer provisionou o que deviam à Previdência, algo de R$ 2 bilhões. Mesma coisa Eike Batista, grandes bancos.
Certamente há duas questões essenciais: a paridade do sistema público e privado e idade mínima, que é inevitável em todos os países.
BBC News Brasil – O senhor defende que a idade mínima para aposentadoria seja no formato que foi apresentada ou gradual?
Dias – Acho que pode ser gradual, como ocorre em outros países em que há uma espécie de gatilho. A idade vem crescendo conforme a longevidade aumenta. Tem que se estudar a melhor das formas de modernizar a legislação. É um primeiro passo importante no ajuste fiscal. Há os desafios da produtividade, de investimento, mas o fiscal é o primeiro e inevitável.
BBC News Brasil – O déficit primário das contas públicas está se aproximando do limite para este ano. Como reduzi-lo?
Dias – Todas as reformas previstas têm esse objetivo. O que iniciou esse processo de deterioração das finanças públicas foi o comprometimento do tripé macroeconômico lá por volta de 2007, 2008. Meta fiscal, meta de inflação e câmbio flutuante. Ela passou por essa irresponsabilidade dessas desonerações pontuais, que significaram renúncia fiscal de R$ 354 bilhões, segundo o Tribunal de Contas, ou 4,5% do PIB.
O próprio presidente da República já assume com contrato celebrado de desonerações no primeiro ano, em 2019, de R$ 306 bilhões e, no ano seguinte, de R$ 330 bilhões. É terra arrasada. O Tribunal de Contas da União apresentou relatório dizendo que, no início da próxima gestão, o governo não terá dinheiro para pagar a folha de pessoal. (É necessária uma) reforma tributária para melhorar o ambiente de negócios com a simplificação do sistema, desburocratização, combate à corrupção para melhorar a imagem do país, fazendo com que voltem os investimentos que se foram. Enfim, a valorização do empreendedorismo, com a tese de que o combate à pobreza começa pela valorização da produção.
BBC News Brasil – O senhor votou contra a reforma trabalhista proposta por Temer. Pretende revogá-la?
Dias – Votei contra muito mais para registrar inconformismo com a forma de apresentação e condução. Em vez de eliminar conflitos, o governo estimulou conflitos. E anulou a presença do Senado federal como Casa revisora. Existem lá mais de 800 emendas e centenas de destaques foram todas ignorados. O governo assumiu compromisso em 27 itens e não cumpriu nenhum.
BBC News Brasil – Por que o desemprego não cai?
Dias – Estamos num clima de pessimismo que se instalou no país. E porque medidas estruturais não foram adotadas. O próximo presidente precisa chegar com capacidade de comunicação com a sociedade, convencer que num primeiro momento é preciso descolar a atividade pública do setor privado.
O fato de você combater rigorosamente a corrupção, você já passa ao exterior a imagem de que você voltou a ser sério. Portanto, cabe aos empresários e investidores estrangeiros voltar a investir e acreditar no país.
BBC News Brasil – O senhor fala em reforma do Estado. O que isso significa exatamente? Entrariam privatizações? O senhor privatizaria a Petrobras e outras empresas públicas?
Dias – A reforma do Estado vem no contexto de substituição do sistema que está aí. Quando falo da refundação da República, inclui-se a substituição de sistema de governança, que é corrupto e incompetente, fábrica de escândalos de corrupção.
Na simulação que fizemos, reduziríamos para 14 ministérios, inclusive as empresas estatais, que são 146 hoje. Teríamos que pensar um grande projeto de privatizações que começaria pela revalorização de empresas desvalorizadas pela corrupção e incompetência.
BBC News Brasil – Privatizaria a Petrobras?
Dias – Não, a Petrobras não. Há pouco tempo, a grande discussão do Congresso era onde colocaríamos o dinheiro que sobra da Petrobras, o lucro. Na saúde, educação, segurança? Isso revela a grandeza dessa empresa, que foi assaltada e privatizada pela corrupção. O assalto foi o que a derrubou. Mas ela é recuperável. No futuro, quem sabe? No presente, não se privatiza.
BBC News Brasil – O senhor foi um dos que declararam apoio à greve dos caminhoneiros…
Dias – A greve dos caminhoneiros ocorreu pela incapacidade do governo ou do presidente de se antecipar aos fatos. Acompanho esse movimento desde 2015: o inconformismo, a revolta, as reivindicações ignoradas. Verifiquei que era impossível alguém sobreviver com os parâmetros de preços estabelecidos, com os encargos, com o preço do diesel, do pedágio e com o frete. Era uma profissão inviável.
BBC News Brasil – Mas parte da greve era fomentada pelos empresários. Alguns foram até presos.
Dias – Na minha opinião, essa (acusação) foi um jogo desonesto do governo. Ele confrontou a desonestidade com sua incompetência de se antecipar aos fatos.
BBC News Brasil – O senhor esteve em Betim recentemente com o Vittorio Medioli, ligado à transportadora Sada, por exemplo. No momento da greve, o senhor conversou com ele?
Dias – Conversei. Mas ele não teve participação nenhuma nesse movimento. Houve uma ação da Polícia Federal para colher depoimentos, ele foi depor. A própria PF disse que não havia qualquer participação dele.
BBC News Brasil – O senhor concorda com a política de preços da Petrobras?
Dias – Não, ela é injusta com os brasileiros. O governo, por decreto, autoriza a Petrobras a promover reajustes quase todos os dias. Isso não é praticado por outros países produtores de petróleo.
BBC News Brasil – E qual deveria ser a política?
Dias – Deveria ser uma política que leva em conta o custo da produção do petróleo em nosso país. O que não se compreende é que o governo brasileiro determine que os petroleiros atuem na baixa e não em sua plenitude, refinando petróleo no exterior e encarecendo o preço final dos combustíveis. O governo não se explica sobre isso.
BBC News Brasil – O mercado sempre sinaliza ser a favor dessa política implantada pelo Pedro Parente. Quando foi adotada, as ações subiram.
Dias – Nem sempre o interesse do mercado coincide com o da sociedade.
BBC News Brasil – O senhor então colocaria uma barreira entre os interesses do mercado e a política de preços da Petrobras?
Dias – Em primeiro lugar está o interesse do povo brasileiro, sem prejuízo aos interesses de seus acionistas. É possível compatibilizar (esses interesses), desde que o objetivo principal não seja o lucro. Você deve preservar a margem de lucro, mas você precisa impor um limite, mesmo que a empresa tenha sido assaltada pelos barões da corrupção.
BBC News Brasil – Limitar lucro de acionista?
Dias – Quem é majoritário? É o povo brasileiro. Não é limitar o lucro, é estabelecer justiça na prática de preços.
BBC News Brasil – O senhor disse que pretende transformar corrupção em crime hediondo. Qual a utilidade disso diante de uma quantidade de condenações tão pequena?
Dias – Já aprovamos isso no Senado, e fui o relator. A legislação precisa impor rigor máximo. Obviamente, ela é uma etapa no combate à corrupção, pois as medidas preliminares também precisam ser adotadas. O que há de ruim no país é que nós legislamos, muitas vezes mal, muitas bem, mas nem sempre respeitamos e cumprimos a lei. Muitas vezes interpretamos ao sabor da conveniência.
BBC News Brasil – O senhor defende também o fim do foro privilegiado. Não é mais fácil arrastar um processo na primeira instância?
Dias – Os números estão aí. O Supremo Tribunal Federal não consegue julgar. Não é uma corte criminal. A prescrição é a consequência natural. Veja a Lava Jato, que tem pouco mais de quatro anos, houve apenas uma condenação no STF, do deputado Nelson Meurer (PP). Enquanto em Curitiba são centenas de presos.
BBC News Brasil – Em 2014, para se locomover, o senhor usava o jatinho de seu suplente, Joel Malucelli. Nesta campanha, como o senhor está se locomovendo?
Dias – De avião de carreira, o partido está pagando. Nesse ano, está mais fácil. O candidato pode gastar o total de sua campanha de recursos próprios. O candidato à presidência pode gastar até R$ 70 milhões. Se eu tivesse R$ 70 milhões, eu poderia gastar tudo.
BBC News Brasil – Caso o senhor seja eleito, pretende abrir uma discussão sobre o auxílio-moradia para magistrados?
Dias – Pretendo acabar com o auxílio nos três Poderes. Eu, inclusive, posso falar sobre isso, pois abri mão da minha aposentadoria como governador por 27 anos.
BBC News Brasil – Mas depois o senhor pediu o dinheiro de volta, de forma retroativa. R$ 1,6 milhão.
Dias – Eu pedi de volta porque duas entidades, sabendo que eu era o único a não receber a aposentadoria, me fizeram um apelo para colaborar com a manutenção delas. Houve uma reação negativa. Fui mais atacado do que aqueles que colocavam no bolso. Então recuei e zerei o assunto. Eu teria mais de R$ 10 milhões na minha conta e abdiquei.
BBC News Brasil – O senhor faz críticas diretas ao governo Temer, até em pontos sobre corrupção. No entanto, metade dos deputados do seu partido votaram por arquivar as denúncias de corrupção contra o presidente. Não é uma contradição?
Dias – Não. Naquele momento, o líder do partido foi afastado em função desse episódio. E outros foram afastados porque aceitaram ministérios, tiveram de sair. Ou seja, é o único partido que até aqui demonstrou praticar o discurso tomando providências. Evidentemente, você não consegue evitar que as pessoas sejam tentadas ao erro.
BBC News Brasil – O senhor foi relator do Plano Nacional de Educação e retirou os termos “identidade de gênero” e “orientação sexual”. Não houve influência excessiva de grupos cristãos?
Dias – Nós ampliamos o alcance a esse texto. Não vejo razão para discriminação e preconceito. O que colocamos foi a redução das desigualdades educacionais, superação dos preconceitos de toda natureza. Não ficamos limitados a determinados grupos. Todos estão atendidos.
BBC News Brasil – O senhor defende flexibilização do porte de armas no Brasil. Quer se aproximar do eleitor do deputado Jair Bolsonaro?
Dias – A legislação estabeleceu que plebiscito resolveria essa questão. 63% dos brasileiros autorizaram a venda de armas. Portanto, não houve respeito à soberania popular. Defendo a flexibilização em respeito a essa decisão. Não como uma solução para a segurança pública do país. Como democrata, tenho de respeitar a decisão e o livre-arbítrio do cidadão em fazer a escolha.
BBC News Brasil – Mas a flexibilização ajudaria em que na diminuição da violência?
Dias – Na minha opinião, em nada. O que defendo é o direito do cidadão optar por ter ou não. Não creio que poderia ser pior em matéria de violência do que vivemos hoje no país.
BBC News Brasil – O senhor defenderia uma proposta parecida a que a Argentina está para aprovar em relação à descriminalização do aborto?
Dias – É outro terreno de complexidade. O Brasil acolhe todas as crenças e religiosidades e deve respeitar as manifestações. Considero a legislação atual suficiente. Ela estabelece as excepcionalidades, a questão do estupro, do risco de vida à mãe e dos fetos anencefálicos.
Qualquer hipótese de avanço, nós teríamos de consultar a população com um plebiscito. Isso não é assunto para um presidente da República.
BBC News Brasil – O senhor não considera o aborto uma questão de saúde pública?
Dias – Sim, considero.
BBC News Brasil – E como resolver por plebiscito?
Dias – Entendo que a legislação atual atende as necessidades e, para qualquer alteração, deve haver consulta à população.
BBC News Brasil – Num segundo turno entre Bolsonaro e Ciro, o senhor iria com quem?
Dias – Isso não vai acontecer, eu estarei lá.