A Justiça do Ceará decidiu condenar um desembargador e um advogado acusados de participar do esquema de compra e venda de liminares nos plantões do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE). Ainda na mesma decisão, outro desembargador, a esposa dele e um outro advogado foram absolvidos.
Foram condenados o desembargador aposentado Váldsen da Silva Alves Pereira e o advogado José Joaquim Matheus Pereira. Nenhum deles deve ser preso.
A defesa de Valdsen Pereira, representada pelo advogado Flávio Jacinto, informou apenas que vai recorrer da decisão. O advogado de José Joaquim não foi localizado pela reportagem.
Os absolvidos são o desembargador Francisco Pedrosa Teixeira (aposentado voluntariamente), a esposa dele, Emília Maria Castelo e o advogado Adailton Freire Campelo. As defesas dos três não foram localizadas.
Todos eles eram investigados e foram alvos da ‘Operação Expresso 150’, com primeira e segunda fase deflagradas em 2015 e 2016.
Na decisão, a qual a reportagem teve acesso, o juiz se declarou impedido de julgar o processo, que foi desmembrado, com relação aos réus advogados Jéssica Simão Albuquerque de Melo e Michel Sampaio Coutinho. O casal atualmente vive em Portugal.
Os dois magistrados perderam a prerrogativa de foro no Superior Tribunal de Justiça (STJ) por estarem aposentados. Com isso, os autos dos processos foram remetidos, em 2018, para a Justiça Estadual.
CORRUPÇÃO
A denúncia do Ministério Público Federal (MPF) foi julgada parcialmente procedente pelo juiz da 15ª Vara Criminal de Fortaleza. Conforme a sentença, Váldsen foi sentenciado pelo crime de corrupção passiva.
O desembargador recebeu pena de dois anos e quatro meses de reclusão e 11 dias-multa (equivalente a dois salários-mínimos vigentes à época dos fatos). No entanto, a prisão foi substituída por pena de prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, no valor de 100 salários mínimos.
Se considerado que em 2013, data da maior parte dos crimes, o salário-mínimo era de R$ 678, o magistrado deve pagar aproximadamente R$ 82 mil.
Váldsen foi aposentado compulsoriamente, por idade. Ainda não há decisão sobre a perda do cargo, já que, consta na decisão que “para que possa ocorrer a perda do cargo do membro de um Magistrado (tal como ocorre com um membro do Ministério Público) são necessárias duas decisões. A primeira, condenando-o pela prática do crime e a segunda, em ação promovida pelo procurador-geral de Justiça, perseguindo um novo reconhecimento de que referido crime é incompatível com o exercício das funções, ou seja, como o trânsito em julgado da condenação criminal deve ser promovida a ação civil para a decretação da perda do cargo”.
O réu José Joaquim foi condenado a dois anos de reclusão e também teve a pena substituída em prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade.
Nos autos, a defesa do desembargador condenado havia requerido o reconhecimento da incompetência do juízo e da falta de atribuição do MP. O juiz da 15ª Vara pontuou que o processo ocorreu de forma regular e que “a competência deste Juízo foi determinada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) devido à conexão com o Inquisitorial desmembrado do Inquérito”.
“Apesar deste feito possuir 28.673 páginas, tal volume somente se presta a obstaculizar uma análise prática e objetiva dos atos, na medida em que muito pouco do que dele consta é realmente relevante. Feita a anotação acima, tenho que deflui do exame minucioso dos elementos probatórios contidos nos autos, que a pretensão punitiva deduzida na inicial merece parcial acolhimento”
INVESTIGAÇÃO E OPERAÇÃO DA PF
A Delegacia de Repressão ao Tráfico de Drogas (DRE), da Polícia Federal, investigava traficantes cearenses e, por meio de interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça, encontrou indicativos de negociação de alvarás de soltura por meio de Habeas Corpus, nos plantões do TJCE.
“Durante a investigação, detectaram o pagamento de vantagem indevida para os Desembargadores; que esses pagamentos aconteciam de maneira direta ou indireta; que havia mensagens tratando dos ajustes e valores”, conforme denúncia, ainda indicando que havia um grupo de Whatsapp com intermediadores da negociação.
O nome da operação foi escolhido em referência ao valor de cada decisão, R$ 150 mil.
Foram analisadas conversas de Whatsapp, como a de Emília, na qual ela supostamente tratava com Michel e Jéssica sobre processos.
Ao longo da investigação houve quebra do sigilo bancário dos envolvidos, indicando situações, como quando houve um depósito do valor de R$ 20 mil da conta de Michel Coutinho para Emília, e posteriormente transferência para Francisco Pedrosa.
Já o suposto envolvimento do desembargador Váldsen, foi verificado, segundo a denúncia, a partir de tratativas entre traficantes presos e advogados que tentavam impetrar HCs no plantão deste magistrado.
“A partir disso, chegaram evidências em torno de Váldsen; que o objeto dessa ação foi o fato de que um relatório da inteligência financeira apontou o recebimento de uma quantia de mais de R$ 100.000,00 na conta do Desembargador Váldsen, feito por uma pessoa que não teria capacidade financeira para manejar recursos dessa ordem; que se aprofundaram e concluíram que essa pessoa seria alguém que prestava serviços ao advogado José Joaquim; que a pessoa que fez o depósito na conta do Desembargador Váldsen seria vinculada ao advogado José Joaquim”.
No decorrer da ação penal foram desmembrados outros núcleos de investigação, incluindo ainda como alvos da Operação Expresso 150 a desembargadora Sérgia Maria Mendonça Miranda (aposentada e absolvida) e o ex-desembargador Carlos Rodrigues Feitosa (condenado).
O QUE CADA UM DOS RÉUS DISSE
O desembargador Váldsen da Silva não foi interrogado em juízo, por escolha da defesa dele, mas em sede policial negou o envolvimento nos fatos e disse, sobre a sua movimentação financeira, que “fazia muitos negócios de imóveis e pode não ter percebido este especificamente; que acredita também que essa possa ser uma situação criada com o objetivo de tentar prejudicá-lo, por ter revogado as liminares concedidas e também julgado o mérito dos processos como improcedente”.
José Joaquim também disse em sede policial que nega seu envolvimento como descrito na denúncia e disse que sequer conhecia o desembargador Váldsen.
Francisco Pedrosa Teixeira, Emília Maria Castelo e Adailton Freire Campelo também negaram os fatos contidos na acusação. O magistrado chegou a dizer que “sempre teve com os advogados a conduta que recomenda a Constituição da República, um tratamento cortês e respeitoso; que nenhum advogado ousou lhe fazer propostas indecorosas, pois sempre lhe respeitaram muito e tiveram da sua parte o mesmo respeito”.
ABSOLVIÇÃO
O juiz da 15ª Vara Criminal entendeu, sobre o núcleo de Pedrosa, Emília e Adailton, que não ficou suficientemente comprovado que os réus praticaram os crimes de corrupção ativa e passiva.
“Com todo respeito ao entendimento do ilustre rmp, não vejo a possibilidade de condenar os réus apenas com base em indícios que não foram comprovados durante a instrução processual”, diz trecho da decisão pela absolvição.
“O único fluxo financeiro comprovado entre os investigados foi essa transferência no valor de R$ 20 mil, todavia, considerando a sequência dos diálogos, os relatórios financeiros e as provas produzidas em Juízo, tenho que essa única transferência não é suficiente para caracterizar o crime de corrupção passiva, já que não ficaram comprovadas a solicitação, o recebimento ou a promessa de vantagem ilícita por parte dos réus (condutas nucleares do crime em deslinde)”
O juiz destaca também que “gostaria de deixar registrado que não tenho como afirmar que é impossível que os acusados tenham participação nos crimes em pauta; contudo, o conjunto probatório coligido aos autos não é suficientemente seguro para a condenação pelos fatos aqui descritos, pois limitou-se a demonstrar indícios de autoria e participação”.
g1