O bombeamento dessas águas está suspenso de novo porque quebrou há quase 20 dias a única das duas bombas que operavam na Estação Elevatória de Salgueiro (PE). Sua recuperação ainda demorará duas semanas, e essa demora poderá provocar nova suspensão do bombeamento.
A primeira das duas motobombas quebrou no início do ano passado. Ela está sendo recuperada, mas só estará pronta dentro de dois anos. O serviço de reparo custará, a preços de hoje, R$ 50 milhões, segundo disse à coluna um engenheiro especializado em obras hídricas e que está bem-informado sobre o que se passa na Estação Elevatória de Salgueiro e na barragem do Jati, no Sul do Ceará.
Ontem, 17 empresários da agropecuária cearense reuniram-se para tratar do assunto, tendo em vista que a nova paralisação do bombeamento poderá colocar em risco o abastecimento de água da população da Região Metropolitana de Fortaleza e, ainda, a segurança hídrica das atividades econômicas do Baixo Jaguaribe, onde há em crescimento um polo da fruticultura e outro da pecuária bovina leiteira.
Há o temor de que se confirme a previsão da Funceme, segundo a qual a estação chuvosa deste ano tem mais de 40% de chance de ser abaixo da média, embora o mês de fevereiro, em algumas regiões do Ceará, tenha registrado chuvas acima da média, principalmente ao longo do seu litoral de 570 quilômetros.
Durante a reunião dos agropecuaristas, surgiram várias sugestões para 1) minimizar os prejuízos causados pela nova suspensão do bombeamento das águas do São Francisco para o Ceará e 2) acelerar as providências corretas junto ao governo do estado, ao ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) e às principais lideranças do Congresso Nacional.
Um grupo desses empresários deverá deslocar-se até Brasília para reuniões com senadores do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, estados beneficiados pelo Projeto São Francisco, e com o ministro do MIDR, Valdez Góes. A pauta das reuniões será a aceleração dos serviços de construção do Ramal do Salgado, última etapa do Projeto São Francisco. A previsão é de que esse ramal – que reduzirá em 150 quilômetros a viagem das águas do Velho Chico até o açude Castanhão – estará concluído em dois anos.
Quando o Ramal do Salgado estiver pronto, asseguram os especialistas, será dispensado o bombeamento das águas do São Francisco para o Castanhão, pois elas viajarão até lá por gravidade, usando o leito do rio Salgado, o que reduzirá bastante, para o governo cearense, o custo de operação do projeto, principalmente o relativo à conta de energia elétrica.
Foi aí que aconteceu o inesperado: a quebra da única bomba em funcionamento.
Ramon confirmou que o Castanhão segue recebendo 6,5 m³/s de águasdo São Francisco, parte dos quais é transferia para o sistema de açudes que abastecem a Região Metropolitana de Fortaleza. Ele acredita que essa transferência continuará sendo feita (por gravidade) até que, nos próximos dias, esteja reparada e volte a operar a única bomba existente e em condições de funcionamento na Estação Elevatória de Salgueiro.
Esta coluna tentou ontem à noite, por sugestão de Ramon Rodrigues, falar com Giuseppe Serraseca, secretário Nacional de Segurança Hídrica do MIDR.
Por volta das 22 horas, ele respondeu com a promessa de que hoje, terça-feira, 12, o MIDR se posicionará a respeito da questão.
EX-MINISTRO SUGERE MEDIDAS PARA A SEGURANÇA HÍDRICA
Ex-ministro da Integração Nacional, o engenheiro cearense Francisco José Coelho Teixeira, Mestre em Recursos Hídricos pela UFCe ex-secretário de Recursos Hídricos do Governo do Ceará, elaborou uma Nota Técnica, a que esta coluna teve acesso, na qual analise a questão hídrica, detendo-se no Projeto de Integração do Projeto São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional.
Pela importância do conteúdo e pela sua oportunidade, a coluna publica, a seguir, a íntegra dessa Nota Técnica, assinada pelo ex-ministro Francisco Teixeira:
“No desiderato de aumentar a segurança hídrica, não apenas do Estado do Ceará, mas também dos Estados de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, o Governo Federal está concluindo a implantação do Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional (PISF.)
“A importância do PISF para o Estado do Ceará ficou evidenciada quando em 2021 e 2022, após uma década de precipitações insuficientes para gerar aportes representativos aos reservatórios estratégicos da bacia do Jaguaribe e das bacias Metropolitanas, ocorreram as primeiras transferências do rio São Francisco para o açude Castanhão e deste para os açudes do complexo que abastece a Região Metropolitana de Fortaleza.
“Como previsto, o evento dessas transferências serviu de instrumento mitigador do conflito estabelecido entre os atores da bacia do Jaguaribe, desejosos de preservar a água do açude Castanhão para a atividade econômica rural, e aqueles da Região Metropolitana de Fortaleza, demandantes de transferência de vazões para aumentar a garantia do abastecimento urbano.
“Ao vivenciar mais um período de incerteza das precipitações, tendo por base o prognóstico da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) para a estação chuvosa do presente ano (2024), onde são esperados aportes pouco significativos aos reservatórios estratégicos do Estado, o Governo Cearense solicitou, logo em fevereiro, a transferência de água do PISF para o açude Castanhão.
“O referido reservatório encontra-se, hoje, com cerca de 25% de sua capacidade, estando já parte desse montante hídrico sendo transferido para RMF. Embora o Governo Federal, por meio do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional – MIDR, tenha demonstrado todo o empenho em aportar a vazão requerida (10 m3/s) pelo Governo do Ceará, há problemas de caráter operacional no PISF que impedem o alcance de tal objetivo.
“Por outro lado, para que seja propiciada uma efetiva segurança hídrica ao Estado do Ceará, nos períodos de seca extrema, será prudente que o PISF tenha capacidade de transportar o volume de 350 milhões de m3 (montante hídrico demandado anualmente pela RMF) no prazo de quatro a cinco meses que é a janela de tempo da estação chuvosa (época em que diminui a irrigação, a insolação é menor e os leitos dos rios estão úmidos, tornando a transferência mais eficiente). Para esse intento, serão necessárias as intervenções expostas a seguir:
“• Aquisição de mais dois conjuntos motobombas com respectivos sistemas de recalque e equipamentos eletromecânicos para cada uma das três estações elevatórias do Eixo Norte do PISF, duplicando sua capacidade de bombeamento e adução (de 25 para 50 m3/s);
“• Flexibilização da outorga concedida ao MIDR pela Agência Nacional de Águas (ANA), vinculando as vazões máximas a serem captadas pelo PISF não apenas ao volume disponível no reservatório de Sobradinho, mas também às demandas estabelecidas nos estados receptores (Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte);
“• Implantação do Ramal do Salgado a fim de reduzir o percurso, em leito natural, das águas transferidas pelo PISF, propiciando uma diminuição das perdas em trânsito, seja por infiltração, por evaporação ou por captações indevidas;
“• Estabelecimento de um modelo de gestão do PISF que tenha como premissa a modicidade tarifária, adequando os encargos a serem assumidos pelos estados à capacidade de pagamento do público beneficiado;
“• Operacionalização do Eixo Norte do PISF de modo a garantir a transferência de até 30 m3/s para o Estado do Ceará (sendo 10 m3/s ofertados no reservatório de Jati a fim de serem conduzidos via Cinturão das Águas (CAC) para o açude Orós, 20 m3/s a serem disponibilizados pelo Ramal do Salgado e encaminhados ao açude Castanhão durante os meses da estação chuvosa (fevereiro a junho), à medida que ao longo dos meses da estação seca (julho a janeiro) seja assegurado o fornecimento de vazões mínimas para as captações efetuadas diretamente das estruturas associadas ao PISF.
“Uma vez implementadas as medidas acima relacionadas, será conferida ao PISF a resiliência necessária a fim de que esse projeto alcance o propósito para o qual foi concebido: aumentar a segurança hídrica de pelo menos 12 milhões de pessoas que vivem nas áreas mais vulneráveis dos estados do Ceará, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte.