O Ceará tem atualmente 24 cidades em situação de emergência devido à seca ou estiagem reconhecida pelo Governo Federal, conforme dado do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2iD), plataforma do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil.
E há poucos dias do Carnaval, 11 delas anunciaram festas carnavalescas com shows, apesar do cenário de alerta.
Devido à emergência, esses municípios estão aptos a solicitarem recursos para custear ações que minimizem os riscos à população. Na prática, o reconhecimento da emergência não impede a realização do Carnaval e nem é irregular, mas por estarem em situações excepcionais, tais cidades precisam ter ainda mais cautela com os gastos.
As cidades que estão em situação de emergência por seca ou estiagem reconhecida, no atual momento, e mesmo assim optaram por promover festas de Carnaval em 2024 no Ceará, são:
- Arneiroz
- Canindé
- Crateús
- Itapipoca
- Jaguaretama
- Jaguaribara
- Madalena
- Milhã
- Pereiro
- Potiretama
- Tauá
Conforme levantamento feito pelo Diário do Nordeste, até o dia 7 de janeiro, nas licitações dos contratos disponíveis no Portal de Licitação do Tribunal de Contas do Estado (TCE), há município que fará os 4 dias de festa e pagará pela atração mais cara R$ 350 mil, sendo mais de R$ 1 milhão os custos totais de shows. Outras realizarão festas mais modestas, em apenas 2 dias, com atrações menos conhecidas e custo total de cerca de R$15 mil.
As cidades em situação de emergência que decidiram custear os eventos carnavalescos com recursos públicos, não incorrem efetivamente em ilegalidade por conta dessa opção, reitera o secretário de Controle Externo do TCE Ceará, Carlos Nascimento.
Mas, ele pondera que o município em emergência tem uma condição ainda mais delicada já que, além do trato das demandas rotineiras com saúde, educação, habitação, dentre outras, precisa estar atento à resolução de transtornos causados à população pela situação emergencial.
Carlos afirma que fazer ou não Carnaval estando em emergência é “uma decisão política do governante”. Logo, o TCE não pode interferir. Mas, aponta ele, existem inúmeras cidades que optam por não promover o Carnaval, ainda que seja algo culturalmente aceito e desejado pela população local, por entenderem que aquilo não é a prioridade do momento.
Caso a decisão seja de realizar a contratação de atrações, os gestores precisam rigorosamente seguir alguns preceitos, como:
- Ter orçamento aprovado na Câmara Municipal para a realização das festas e os valores destinados às apresentações devem ser condizente com o serviço prometido e prestado;
- A contratação das atrações deve obedecer rigorosamente a formas legais, equilibradas e razoáveis para que a proposta adotada seja a mais vantajosa para a própria cidade.
COMO SERÃO AS PROGRAMAÇÕES NESSAS CIDADES?
Conforme levantamento feito pelo Diário do Nordeste cruzando informações sobre a situação de emergência, a programação carnavalesca, os valores e o que dizem as gestões, a situação é a seguinte:
- Arneiroz
Cidade do Sertão dos Inhamuns está em emergência, reconhecida pelo Governo Federal, por seca desde outubro de 2023, com decreto em vigor até maio de 2024. A Prefeitura anunciou nas redes sociais que fará 4 dias de festa com 11 atrações e disponibilizou os nomes, nenhuma delas é nacional. Apesar do anúncio, não foi encontrada nenhuma licitação específica com essas atrações no Portal de Licitações do TCE, até o dia 7 de janeiro. A Prefeitura foi procurada, mas a reportagem não obteve êxito no contato. - Canindé
Localizada no Sertão de Canindé, a cidade está em emergência por estiagem desde novembro de 2023 e o reconhecimento vigora até maio de 2024. O ciclo carnavalesco anunciado pela Prefeitura inclui um baile infantil no dia 10, e shows nos demais dias, sendo 7 atrações no total. A Prefeitura anunciou a programação nas redes sociais e não foi encontrada nenhuma licitação específica com essas atrações no Portal de Licitações do TCE, até o dia 7 de janeiro. A Prefeitura foi procurada, mas a reportagem não obteve êxito no contato. - Crateús
Município no Sertão dos Crateús, também está em emergência por estiagem desde novembro de 2023 e o reconhecimento segue vigente até maio de 2024. Dentre as cidades em questão é a que tem as atrações mais caras. Na programação anunciada pela Prefeitura há artistas nacionais, como o grupo É o Tchan e o cantor Vitor Fernandes, cujos cachês são, respectivamente, R$ 350 mil e R$ 300 mil. Os valores constam no Portal de Licitações do TCE, consultado pelo Diário do Nordeste, e o custo total dos artistas ultrapassa R$ 1,2 milhão. A Prefeitura foi acionada, as perguntas enviadas, mas não houve retorno até a publicação desta matéria. - Itapipoca
A cidade do Litoral Oeste/Vale do Curu teve a emergência por estiagem reconhecida em outubro de 2023 e segue até março de 2024. A programação carnavalesca foi anunciada nas redes sociais e nenhum documento específico com as atrações foi encontrado no Portal de Licitações do TCE, até o dia 7 de janeiro. Ao todo, serão 4 dias de festa e 38 atrações, dentre elas, a banda Ara Ketu, conhecida nacionalmente. Na divulgação oficial, a Prefeitura aponta uma série de empresas privadas como apoiadoras do evento. A gestão foi acionada, as perguntas foram enviadas, mas não houve retorno até a publicação desta matéria. - Jaguaretama
Município do Vale do Jaguaribe está em emergência por seca desde novembro de 2023 e o reconhecimento segue vigente até maio de 2024. No anúncio da Prefeitura constam 12 atrações de Carnaval em 4 dias de festa. Apesar do anúncio, não foi encontrada nenhuma licitação específica com essas atrações no Portal de Licitações do TCE, até o dia 7 de janeiro. A Prefeitura foi procurada, mas a reportagem não obteve êxito no contato. - Jaguaribara
Cidade também do Vale do Jaguaribe está em situação de emergência por estiagem desde dezembro de 2023 e o reconhecimento segue vigente até julho de 2024. A Prefeitura anunciou uma festa modesta, de apenas 2 dias – sábado e domingo, com uma atração em cada. Não foi encontrada nenhuma licitação específica com essas atrações no Portal de Licitações do TCE e em contato com o Diário do Nordeste, a secretária de Turismo, Lívia Barreto, disse somente que “o Carnaval de Jaguaribara terá um custo irrisório, em torno de 15 mil apenas, com atrações locais. O objetivo principal é movimentar o comércio local”. - Madalena
Localizado no Sertão de Canindé, o município teve a emergência por seca reconhecida em setembro de 2023 e segue vigorando até março de 2024. A Prefeitura anunciou 2 dias de festa – sábado e domingo – com 5 atrações no total. Nenhuma nacional. Nenhum documento específico com as atrações foi encontrado no Portal de Licitações do TCE, até o dia 7 de janeiro. A Prefeitura foi acionada, as perguntas foram enviadas, mas não houve retorno até a publicação desta matéria. - Milhã
Cidade do Sertão Central está em emergência devido à estiagem desde agosto de 2023 e segue até a metade de fevereiro. A programação anunciada pela Prefeitura terá 4 dias de apresentações, com 2 shows em cada dia. Não foi encontrada nenhuma licitação específica com essas atrações no Portal de Licitações do TCE, até o dia 7 de janeiro.Ao Diário do Nordeste, a Prefeitura disse que apesar da emergência, a gestão “optou por realizar o evento carnavalesco com artistas da terra, em razão da tradição no município”. Também destacou que o evento, classificado pela gestão como pequeno, “ajuda na movimentação do comércio local, promove os artistas locais, reúne a população”. Apesar de questionada sobre os valores, não foi informado quanto custará a programação. - Pereiro
Município do Vale do Jaguaribe está em emergência pela seca reconhecida pelo Governo Federal desde setembro de 2023 e segue em vigor até março de 2024. No Carnaval haverá 2 dias de shows – sábado e domingo, segundo anúncio da Prefeitura. Documento no Portal de Licitações do TCE aponta o valores a serem pagos por duas delas, Banda Prabalá 40 mil reais e Farra Bakana 25 mil reais.Ao Diário do Nordeste a Prefeitura disse que “as bandas serão custeadas com recursos municipais e com preços de mercado”. Informou ainda que: “o decreto se refere ao fenômeno da seca, visto que é necessário decretar emergência quanto a questão climática para que se assegure o fornecimento de água, não existindo pertinência com questões financeira” e acrescentou que as contas do município estão “em dia”. Por fim, defendeu: “o Carnaval não representa só gastos, mas fomenta a questão cultural e traz um aquecimento das vendas no comércio local, além da geração de diversos empregos durante o período”. - Potiretama
Localizada também no Vale do Jaguaribe, a cidade teve a emergência por estiagem reconhecida em agosto de 2023 e segue até o dia 24 deste mês. A Prefeitura anunciou nas redes sociais que fará 4 dias de festa com 9 atrações e disponibilizou os nomes, nenhuma delas é nacional. No Portal de Licitações do TCE, até o dia 7 de janeiro, nenhum documento específico com essas atrações no município foi encontrado. A Prefeitura foi acionada, as perguntas foram enviadas, mas não houve retorno até a publicação desta matéria. - Tauá
Cidade do Sertão dos Inhamuns a cidade está em emergência por estiagem desde outubro de 2023 e o reconhecimento vigora até maio de 2024. Na programação anunciada pela Prefeitura, serão 4 dias de festa com 10 atrações. Nenhuma nacional. Nos documentos encontrados no Portal de Licitações do TCE, até o dia 7 de janeiro, a atração de maior valor é o cantor Ivo Brown cujo cachê é de 45 mil reais. Segundo a Prefeitura, o Município tem o Carnaval como uma festa tradicional e por isso faz a consignação orçamentária anual para essas despesas.A gestão também argumenta que “a situação de emergência do município é em razão da estiagem e as fontes de recursos disponibilizadas para seu enfrentamento não se confundem com as do Carnaval”. Segundo a gestão, estão sendo realizadas ações de perfuração de poços profundos, cacimbas e outras obras hídricas para enfrentamento aos efeitos da seca, “sem que as despesas do Carnaval possam comprometer suas ações”.
Todos os municípios os quais o Diário do Nordeste entrou em contato e foi possível o envio de perguntas, os questionamentos foram os mesmos:
- A respeito das licitações para conferência dos valores das atrações;
- Se as mesmas serão custeadas somente por verba pública e;
- O motivo da opção feita pela gestão de realizar festas carnavalescas mesmo estando em emergência.
FOCO DAS FISCALIZAÇÕES DO TCE
O TCE, explica o secretário de Controle Externo da instituição, Carlos Nascimento, não tem uma atuação específica para cidades que estão em emergência e decidem fazer Carnaval. De acordo com ele, de forma geral, há monitoramento de todas as despesas que podem sair de um comportamento que a assessoria de inteligência do TCE julga como adequado. “O que vamos evidenciar é se o comportamento do município é divergente do poderíamos considerar em conformidade com a lei”, completa.
Questionado se há fiscalização distinta em cidades onde os gastos estimados com o Carnaval são muito altos, ele explica que “o TCE se pauta na materialidade dos recursos, mas não somente”.
Segundo Carlos, um ponto que “dispara” as fiscalizações são os riscos dos gastos não estarem condizentes com o serviço prometido. Logo, não somente os altos valores são considerados. “Pode ser que tenhamos em algum caso um município que esteja aplicando valores mais altos do que de costume, mas aquilo está obedecendo o preço de mercado para aquela situação e a aplicação é algo que realmente é verdadeiro”, destaca.
O QUE É A SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA?
No caso das cidades em questão, conforme apontado, todas elas estão com a declaração de situação de emergência em vigor. Esse reconhecimento é solicitado por prefeitos, homologado por governo estaduais e o Governo Federal, quando os aceita, reconhece publicamente via publicação de portaria.
Com isso, as cidades em emergência, no caso do Ceará, por seca ou estiagem, podem ter acesso, de forma mais rápida, a recursos federais disponibilizados para ações de resposta aos desastres e de recuperação dos cenários afetados. Além disso, podem se valer de alguns benefícios legais.
O reconhecimento federal deve ser solicitado no Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2iD). Os recursos federais podem ser usados para medidas emergenciais, dentre elas, obras de pequeno porte e abastecimento de água potável.
O estado de emergência, explica Carlos, além do possível acesso mais rápido a recursos direcionados a minimizar os danos gerados pela emergência, traz situações diferentes de contratação, como por exemplo, a permissão aos prefeitos utilizarem a dispensa de licitação na contratação de alguns serviços, que, no cenário de normalidade, seria demandada o seguimento do processo licitatório convencional.
“Contudo, como uma situação de emergência exige que a situação seja ainda mais rápida e de prontidão devido à urgência, a que se demonstrar que esta é a única forma de contratação, e que atende a necessidade do momento. Não é porque estamos no estado de emergência que eu posso dispensar qualquer licitação”, detalha.
Outro ponto, é que a dispensa deve ser justificada somente em casos em que a gestão esteja promovendo ações de combate à causa situação alegada como emergência para a cidade.
Diário do Nordeste