Brasileiras morando fora contam histórias com relação à cachaça nos Estados Unidos e Canadá. — Foto: Reprodução
Brasileiras morando fora contam histórias com relação à cachaça nos Estados Unidos e Canadá. — Foto: Reprodução

A relação com a cachaça é traço comum entre a cearense Thalita Patriolino e a paulista Eliane Trovo, brasileiras que moram nos Estados Unidos e Canadá, respectivamente. Além do apreço à bebida, elas também compartilham a missão de encontrar o produto à venda em solo estrangeiro.

Thalita, 27 anos, é bibliotecária, mas desde janeiro de 2022 mora em Utah, estado norte-americano, trabalhando como au pair. Ela consegue matar a saudade do Brasil quando bebe o drink favorito: caipirinha — famosa mistura do gelo, fruta e cachaça. Contudo, não é tarefa simples encontrar o drink, e muito menos, a cachaça para comprar. Enquanto cliente, ela busca estabelecimentos brasileiros para saciar a vontade da bebida, aludida no Brasil no dia 13 de setembro.

O g1 publicou, neste Dia da Cachaça, série de matérias sobre aspectos históricos, culturais e sociais da bebida, que atravessou as fronteiras brasileiras.

“A minha bebida favorita no Brasil sempre foi caipirinha, então é algo que eu já senti falta quando vim para cá, porque não é comum de encontrar nos bares e restaurantes americanos. Eu consigo contar nos dedos, infelizmente, as vezes em que eu tomei caipirinha; foram, no máximo, cinco vezes desde que cheguei aqui”, comentou Thalita.

Já com Eliane, o movimento foi parecido: ela passou de consumidora em bares brasileiros no Canadá para proprietária de um deles. Assim, a psicóloga e comunicadora social por formação já precisou, em muitas ocasiões, percorrer quilômetros em busca de cachaça — item fundamental no Boteco Brasil, estabelecimento chefiado por ela.

“No mês de dezembro, acho que viajei a província toda. Eu ia no sistema da Liquor Store — que você vai, coloca o produto, e ele mostra todas as lojas que têm — e aí só viajei e fui comprando cachaça […] Em caixas de 12 [garrafas], eu devo ter comprado umas 20 caixas de cachaça, e foi um investimento muito alto, porque a cachaça aqui é muito cara”.

 

Apego à bebida

 

O fato da cachaça — e das variações — ainda não ser tão popular em solo estrangeiro impacta, inclusive, no gosto da caipirinha, por exemplo, segundo Thalita. “Não sei se pelo gosto, se pela memória afetiva, é parecida, mas não chega a ser idêntica mesmo. Como amante da bebida tão tradicional, acostumada a encontrar em qualquer esquina, qualquer barzinho de Fortaleza, aqui não é tão fácil”, disse a cearense.

Cearense que mora nos EUA fala sobre a relação com caipirinha e cachaça.
Cearense que mora nos EUA fala sobre a relação com caipirinha e cachaça.

O apreço de Thalita pela bebida, somado à dificuldade em comprar cachaça, inclusive, a fizeram remoer uma escolha anterior à viagem. “Uma das coisas que me arrependo é não ter trazido uma garrafinha de cachaça dentro da mala. Eu trouxe ainda as miniaturas que tem no Mercado São Sebastião, mas aí cada pessoa aqui tomou só um ‘shotzinho’. Aí fique pensando ‘meu Deus, devia ter trazido uma garrafa’”, disse.

“Também tem a opção de comprar a cachaça em si, para preparar o drink, mas mesmo que seja em casa, a gente só consegue online. É um pouco desmotivante ver o preço da bebida aqui, custando até três vezes mais caro do que a gente encontra em Fortaleza”, comentou.

 

O preço da bebida é, inclusive, apontado por ela como um dos principais motivos que ela atribui à falta de popularidade. “O que me assusta mesmo é comparar o preço da cachaça em si. Não é algo impossível, mas é em torno de US$ 25 a US$ 30”. Ela disse ainda que, apesar de pesquisar, ainda não comprou a bebida por conta do preço.

Thalita busca bares brasileiros nos EUA para matar a saudade de caipirinha. — Foto: Arquivo pessoal
Thalita busca bares brasileiros nos EUA para matar a saudade de caipirinha. — Foto: Arquivo pessoal

Preços da cachaça

 

O valor da bebida é algo que impacta diretamente também para Eliane, que trabalha vendendo drinks à base de cachaça. A empresária contou que a cachaça é vendida no país por um valor muito mais alto que no Brasil. A garrafa de 750 mililitros começou a ser comprada por 29 dólares canadenses [no câmbio, C$ 1 equivale a quase R$ 4], mas sofreu aumento de preço, chegando a custar quase C$ 39. Com a pandemia, os preços baixaram.

“Por causa da Covid, o governo daqui começou a liberar para a gente não pagar mais os impostos, então isso diminuiu o preço”, destacou, indicando que a unidade da cachaça da marca agora custa cerca de C$ 30. “É muito engraçada, a diferença. Eu falo: ‘a cachaça no Brasil é tão baratinha’, a gente paga um valor que não deve ser nem C$ 3 aí no Brasil”, complementou.

Eliane e as cachaças que ganhou de presente de casamento. — Foto: Diana Sonobe/Reprodução
Eliane e as cachaças que ganhou de presente de casamento. — Foto: Diana Sonobe/Reprodução

No cardápio do estabelecimento que ela administra, a cachaça é vendida em caipirinha, batida ou na dose. Os drinks variam de C$ 10,50 a C$ 13, superando valores de bebidas com gin ou tequila, normalmente mais caras no Brasil. A dose da cachaça custa C$ 6, mesmo valor de bebidas importadas em solo brasileiro.

O sucesso da cachaça, contudo, não é suficiente para que ela tenha mais espaço no país. De acordo com Eliane, o Canadá é muito rígido quanto à importação de bebidas alcoólicas, processo que é controlado e acompanhado à risca pelo governo. “Acho que por esse motivo a gente não tem uma diversidade grande de cachaça aqui”, refletiu.

Apesar dos valores altos e da baixa diversidade, a proprietária do restaurante segue fiel à cachaça como parte do menu. O guaraná, bebida brasileira também vendida no Boteco, não tem, para os clientes, a mesma representatividade do gosto do Brasil. “Ainda bem que a gente tem [a cachaça], porque, pelo menos, na área de bebida, a gente consegue mostrar um pouquinho”.

Local para beber cachaça

 

Boteco Brasil, bar de brasileira no Canadá. — Foto: Ana Carolina Cervantes/Reprodução
Boteco Brasil, bar de brasileira no Canadá. — Foto: Ana Carolina Cervantes/Reprodução

A relação de Eliane Trovo com a cachaça em outro país começou com um encontro romântico. Natural de São Paulo, ela foi para o Canadá para fazer um curso de inglês de quatro meses, mas ficou por lá durante um ano após se apaixonar por um nativo do país. Lá, conheceu o Boteco Brasil, um restaurante brasileiro, e passou a frequentar o espaço, em processo de falência.

“Eu ia muito lá; na verdade, eu conhecia a dona e até ajudava lá, aí eu peguei e falei: ‘não, esse lugar não pode fechar’, e resolvi pegar, assumir o Boteco. Foi uma coisa muito louca; não tive uma pessoa no meu círculo de amigos que falou ‘que legal’. Todo mundo falava: ‘você é louca? Você vai pegar um lugar falido?’ E foi pauleira”.

 

Segundo Eliane, a cachaça é a bebida mais vendida no estabelecimento. “É o que o pessoal chega e pede, a ‘caipirinha'”, disse aos risos lembrando do sotaque canadense. “Eu acho que [a cachaça] é uma marca nossa aqui. Quando a pessoa chega, eles pedem cerveja brasileira, mas não fez sucesso”, declarou.

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