A “cidade-fantasma” de Cococi tem a fama de ser abandonada e guardar histórias fantásticas no sertão do Ceará. Contudo, oficialmente, perdeu o status e hoje é apenas um distrito do município de Parambu. Assim como o município, há 130 “ex-cidades” que hoje integram as atuais 184 unidades cearenses, sendo distritos ou localidades.
Entre elas, estão Feiticeiro, hoje distrito de Jaguaribe; Sucesso, parte integrante de Tamboril; e Espinho, localizado em Limoeiro do Norte. São nomes curiosos que tiveram um breve momento de emancipação política na década de 1960. (Confira lista completa abaixo).
Quem é feiticeirense com orgulho, como define, é o aposentado Everardo Peixoto, de 72 anos, que nasceu no local e viu a tentativa de tornar o lugar em cidade. Na época, o pai dele, um comerciante importante da região, participou do processo.
“O pessoal gosta muito daqui, inclusive, eu tenho comércio em Jaguaribe, Icó e Fortaleza, mas a minha sede é em Feiticeiro, na casa que foi do meu pai e está do mesmo jeito que ele deixou”, destaca. Ainda hoje existe o interesse da população de se tornar independente também para conseguir recursos.
“Há alguns anos, houve um movimento e eu trabalhei intensamente, foi aprovado o nome na Assembleia (Legislativa), mas a lei não foi sancionada”, pondera. O nome da cidade, vale pontuar, vem das histórias populares sobre a reserva de água do distrito.
“O nome do açude, na verdade, é Joaquim Távora, mas hoje é conhecido como Feiticeiro. O pessoal mais velho conta a história de um boi feiticeiro e também que, quem bebe a água do açude, fica com um feitiço e volta para lá”, explica.
Entre os anos de 1958 a 1963, foram criados 160 municípios que não chegaram sequer a serem instalados, de acordo com levantamento do livro “Formação do Território e Evolução Político-Administrativa do Ceará”, publicado pelo Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece).
O estudo aponta que os anos 1950 foram marcados pela urbanização do Ceará, com a expansão da energia elétrica, políticas desenvolvimentistas e indústrias. Por isso, o crescimento demográfico passou a exigir o desmembramento de algumas cidades para melhor atender à população.
Isso levou à emancipação de 160 territórios naquele período, sendo que nove cidades foram criadas por lei entre 1958 e 1962, e as demais 151 em 1963. Contudo, para evitar a existência de municípios sem condições internas para se manter, houve um processo de extinção das cidades criadas apenas no papel.
Então, vários municípios deixaram de existir antes mesmo de serem implementadas. Como isso é possível? A criação do município até foi publicada em lei, mas nunca houve a delimitação do território ou formação da gestão, como prefeitura.
“Quando a gente fala de extinção dá uma impressão que aquele espaço sumiu do mapa, mas isso não é verdade. Temos continuidades territoriais que são subdivididas”, explica Alexandre Pereira, geógrafo e professor na Universidade Federal do Ceará (UFC).
A extinção é mais rara e acontece em períodos de exceção, quando acontece alguma grande mudança no contexto econômico e social do País. Tanto é que existem períodos em que isso acontece de forma concentrada
ALEXANDRE PEREIRAGeógrafo
Embora o desmembramento das cidades favoreça a autonomia na destinação de recursos, o pequeno porte de vários municípios implicava numa dependência direta de dinheiro federal.
Logo, sem condições próprias, se tornavam um peso para a União. No entanto, 30 cidades “voltaram a existir” com a mesma nomenclatura em decretos posteriores: Maracanaú, Croatá, Milhã e Graça, por exemplo.
Além disso, nos anos 1970 e 1980, a centralização político-administrativa promovida pela ditadura militar paralisou os processos de emancipação. Apenas um novo município, Campanário (hoje distrito de Uruoca), foi criado em 1964, mas extinto já no ano seguinte.
Novas alterações na divisão territorial cearense só foram ocorrer em 1983, já no período de abertura política, quando Maracanaú ganhou autonomia em relação à Maranguape.
Com a redemocratização e um cenário favorável às emancipações municipais, mais 36 cidades cearenses foram criadas entre 1985 e 1988.
CRIAÇÃO E EXTINÇÃO DE MUNICÍPIOS NO CEARÁ
Entre os motivos para a criação de um municípios estão fatores culturais, econômicos e até interesses políticos. Muitos governantes usaram o processo, por exemplo, para homenagear personalidades ou buscar recursos federais.
Além disso, são obtidas vantagens por meio dos recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e a criação de cargos públicos para a administração da cidade. Isso servia, então, como estratégia de poder.
“Alguns municípios foram extintos por conta das chamadas leis isoladas. O Estado cria uma lei que extingue o município por vários motivos, mas sobretudo pela falta de condições de sustentar” analisa Rafaela Martins, gerente de Estatística, Geografia e Informações do Ipece.
Essa origem de “novas terras” aconteceu em um contexto de flexibilidade na legislação federal, que foi modificada para evitar o que especialistas chamam de farra dos municípios. No Ceará, os projetos de modificação do mapa foram organizados, pela primeira vez, há cerca de 70 anos.
“Em 1951, teve a primeira lei que fez essa tentativa de unificar todas essas leis isoladas e acabou juntando todos os municípios”, contextualiza Rafaela. Naquela época, o Estado tinha 95 cidades.
Mas o desmembramento de territórios não acontece apenas por questões políticas, porque o processo também envolve o desejo da população de ser reconhecida oficialmente como uma cidade.
“Existem questões sociais, identitárias, culturais, porque alguns municípios se destacam, financeiramente e culturalmente, e geram na população a vontade de ter sua independência”, completa a especialista.
IDENTIDADE COMPARTILHADA
A industrialização mudou o perfil das cidades, que inverteu a lógica e levou a uma concentração de pessoas na área urbana. Mas os pequenos territórios também experienciaram o desenvolvimento econômico.
“Isso, sem dúvidas, fez com que povoados e até antigas sedes crescessem bastante em população, proporcionando, uma dinâmica urbana a ponto de gerar uma sinergia econômica, social e de serviços. Isso abre uma janela para a fragmentação de territórios”, analisa Alexandre.
Nisso, existe um processo de criação de identidade formada por duas vias. Em uma, grupos políticos ou membros de elite promovem esse processo por interesses próprios. São instrumentos para isso: bandeira, hino e símbolos como o do “sertanejo”.
“Há uma tentativa, sobretudo de um grupo local, de constituir um conjunto de símbolos, fatos e eventos para criar uma coesão social e uma identidade para que todos naquele território passem a se sentir pertencentes”, frisa o geógrafo.
Mas esse movimento também acontece naturalmente pelo convívio e troca de vivência entre os moradores de um mesmo espaço.
“Você passa a se definir a partir da história daquele conjunto territorial, das pessoas que ali moram, dos monumentos, dos fatos históricos que aconteceram, dos personagens ilustres”, conclui.
LISTA DE CIDADES EXTINTAS E MUNICÍPIOS DE ORIGEM:
- Amanaiara (Reriutaba)
- Amanari (Maranguape)
- Amaniutuba (Lavras da Mangabeira)
- Amaro (Assaré)
- América (Ipueiras)
- Aracatiaçu (Sobral)
- Arajara (Barbalha)
- Arapari (Itapipoca)
- Aratama (Assaré)
- Arrojado (Lavras da Mangabeira)
- Aruaru (Morada Nova)
- Assunção (Itapipoca)
- Bitupitá (Barroquinha)
- Boa Vista
- Bom Sucesso de Trussú (Acopiara)
- Caio Prado (2 leis foram criadas)
- Caipu (Cariús)
- Canaan (Trairi)
- Cariutaba (Farias Brito)
- Carnaúba (Jati)
- Carneiro da Frota
- Caruataí (Tianguá)
- Carrapateiras (Acaraú)
- Castanhão (Alto Santo)
- Catolé
- Caxitoré (Umirim)
- Cemoaba (Tururu)
- Coité (Mauriti)
- Coutinho (Independência)
- Delmiro Gouveia (Pires Ferreira)
- Domingos Pães
- Don Quintino
- Ematuba (Independência)
- Engenheiro João Tomé
- Espinho (Limoeiro do Norte)
- Espinho dos Lopes
- Feiticeiro (Jaguaribe)
- Feitosa
- Flamengo (Saboeiro)
- Flores (Russas)
- Francisco Monte
- Francisco Salviano
- General Tibúrcio
- Grijalva Costa
- Guanacés (Cascavel)
- Iara (Barro)
- Ibiapaba
- Ibicuã (Piquet Carneiro)
- Ibuguaçu (Granja)
- Icaraí (Itapipoca, não a praia de Caucaia)
- Icozinho (Icó)
- Ingazeiras (Aurora)
- Inhamuns (Tauá)
- Inhuporanga (Caridade)
- Inhuçu de Ibiapaba (São Benedito)
- Iratinga (Itapajé)
- Isidoro (Acopiara)
- Itacima (Guaiúba)
- Itaipaba (Pacajus)
- Itajá
- Itapebussu (Maranguape)
- Itapeim (Beberibe)
- Jamacaru (Missão Velha)
- Jardim Mirim (Jardim)
- Juá (Irauçuba)
- Laranjeiras do Norte
- Lima Campos (Icó)
- Limoeiro do Ceará
- Maduá
- Malhada Grande (Santa Quitéria)
- Mangabeira
- Mararudá
- Marrecas (Tauá)
- Matriz de São Gonçalo (2 leis foram criadas)
- Miguel Xavier (Caririaçu)
- Mineirolândia (Pedra Branca)
- Miragem (Caririaçu)
- Missão Nova (Missão Velha)
- Monsenhor Aguiar
- Monte Nebo (Crateús)
- Mundaú (Trairi)
- Mutambeiras (Santana do Acaraú)
- Nova Betânia (Nova Russas)
- Nova Floresta
- Olho D’água da Bica (Tabuleiro do Norte)
- Otávio Lobo
- Padre Linhares (Massapê)
- Palestina do Cariri (Mauriti)
- Panacuí (Marco)
- Parajuru (Beberibe)
- Parapuí (Santana do Acaraú)
- Parazinho (Granja)
- Paripueira (Beberibe)
- Pasta (Solonópole)
- Pecém (São Gonçalo do Amarante)
- Pedrinhas (Acaraú)
- Pernambuquinho (Guaramiranga)
- Pitombeiras (Cascavel)
- Podimirim (Milagres)
- Poço Comprido
- Poço da Pedra (Boa Viagem)
- Quincuncá (Farias Brito)
- Quitaiús (Lavras da Mangabeira)
- Roquelândia (Santana do Cariri)
- Roselândia
- São Domingos do Norte (Caridade)
- São Francisco
- São Francisco da Cruz (Cruz)
- São Joaquim (Umirim)
- São José de Solonópole (Solonópole)
- São Luiz de Pirangi
- São Sebastião
- Senador Catunda
- Sítio Alegre (Morrinhos)
- Sítios Novos (Caucaia)
- Suassurana (Iguatu)
- Sucesso (Tamboril)
- Taperuaba (Sobral)
- Tataíra (Solonópole)
- Trici (Tauá)
- Ubaúna (Coreaú)
- Uiraponga (Morada Nova)
- Umburanas (Mauriti)
- Várzea
- Vazantes (Aracoiaba)
- Vertentes do Ceará
Conteúdo Diário do Nordeste