Um assalto que terminaria em morte. Era assim que membros da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) planejavam disfarçar a execução de um agente penitenciário cearense (identidade preservada), cuja atuação num presídio estaria desagradando a detentos ligados à facção. A trama para “quebrar” (matar) o agente foi discutida por vários chefes hierárquicos do PCC no Ceará, mas não foi concretizada.
As negociações, “debates”, planejamento e tratativas para matar o agente foram captados em interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça e fazem parte de uma investigação dos órgãos de Inteligência da Segurança Pública e do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), obtida com exclusividade pelo Sistema Verdes Mares.
Às 16h43 do dia 19 de junho de 2017, Joeldo Alves Maciel, o ‘Tumba’, ‘Jumbo’ ou ‘Gordão’, uma das principais lideranças do PCC, que ocupava, na época, a função de ‘Geral da Rua’ (homem por trás de todas as ações da facção fora dos presídios), recebe a ligação de Anderson Mota Barbosa, o ‘Mota’, ‘Geral da Rifa’, responsável pela cobrança da rifa, uma espécie de ‘dízimo’ que outros membros da organização criminosa pagam. Conforme a investigação, Mota também é um dos matadores do PCC.
Na conversa, Mota pede autorização de ‘Tumba’ para matar um agente penitenciário. O homem diz que vai esperar o servidor público, que mora na mesma favela que ele domina, sair de lá para “quebrar”, praticar o homicídio. ‘Tumba’, que foi morto a tiros 11 dias depois dessa conversa defronte a uma Igreja, diz que Mota precisa falar com o ‘Pateta’. Na verdade, ‘Pateta’ e ‘Miguel Oião’ são a mesma pessoa: Francisco Miguel Sales da Silva, apontado pelos investigadores como um dos chefes do PCC no Ceará e que integra o ‘Quadro do Resumo’, composto pela cúpula da organização criminosa no Estado.
Seis minutos depois, às 16h48, Mota pede o aval de outra liderança do PCC para executar o agente penitenciário. No diálogo, interceptado com autorização judicial, Mota relata para Adriano Sousa da Silva, o ‘B2’, já ter conseguido o aval de ‘Tumba’ e colocou o pedido para matar o agente em um grupo de WhatsApp da facção, pois ‘Pateta’ não fala por ligação de voz, só pelo aplicativo.
Pedido
‘B2’ quer saber “quem é o agente?”. Mota responde que ele “atua na III”, a Casa de Privação Provisória de Liberdade (CPPL) III, e que “oprime os cara lá (sic)”. Mota passa o telefone para Maldine Correia de Araújo, o ‘Maldini’, falar com ‘B2’. ‘Maldini’ explica que o pedido para matar o agente veio de um detento da CPPL III identificado como ‘Chaveirinho’. Na conversa, ‘Maldini’ diz que servidor estaria envolvido em agressões contra detentos, mas revela outro fato que pode ter sido responsável pelo agente não ter sido morto: a mãe do funcionário público morava na favela.
Adriano Silva, o ‘B2’, aconselha ‘Maldini’ a estudar melhor a situação e pondera que “uma morte na favela chamaria muita atenção da Polícia” e salienta que a mãe do agente conhece os integrantes da quadrilha. Ainda na conversa, ‘Maldini’ argumenta que vai simular um latrocínio (roubo seguido de morte) e que ‘Chaveirinho’ está com raiva porque o agente teria apreendido celulares dos presos.
Mais uma vez, conforme o relatório da interceptação telefônica, ‘B2’ destaca que o assunto da morte do agente não deveria ter sido colocado no grupo de WhatsApp porque os presos vão ficar cobrando e diz que (a morte) “vai embaçar” por conta da mãe do servidor. “Isso não pode ser em grupo, era pra ser só na limpeza, porque se eu estou em grupo, o pessoal vai cobrar, vai querer que eu mate. “A questão é que a mãe dele conhece todo mundo e se os caras da Polícia vierem… Vão quebrar um bocado… “.
‘Maldini’ diz que “só pega se der certo” e tem que fingir que é um assalto. “Tem que anunciar um assalto ‘bora, é um assalto’, e tal, e tal… Ele desce da moto, desceu da moto, pega qualquer coisa e depois mata e ir simbora (sic). Abandona a moto, toca fogo. E pronto, mataram…”. ‘B2’, por sua vez, afirma que “vai trocar uma ideia com Pateta” e que depois dá um retorno.
No mesmo dia 19 de junho de 2017, ‘B2’ diz que falou com ‘Pateta’ e que ele vai falar com ‘Chaveirinho’ para decidir. O crime não foi consumado. A investigação não aponta por qual motivo, mas destaca que Miguel era ‘amigo’ de infância do agente penitenciário. Ao tomar ciência dos planos do grupo, o servidor público chegou a retirar sua mãe do local, fazendo com que ela fosse morar em outro bairro.
Todos os acusados negaram articular a morte e afirmaram não participar de nenhuma organização criminosa. Ao analisar o caso, o Juízo da 11ª Vara Criminal da Comarca de Fortaleza condenou, em abril deste ano, por associação criminosa, quatro dos cinco envolvidos na trama. ‘Chaveirinho’ não foi identificado.
“Pelo exposto, transparente, portanto, a gravidade dos fatos apresentados nos áudios, refletindo o total desinteresse pela vida. Os fatos apresentados neste pleito demonstram a certeza quanto à autoria de quatro, dos cinco apontados na denúncia, quanto aos delitos lá ventilados”, diz trecho da decisão. A sentença destaca também que “as gravações obtidas demonstram uma total frieza e morbidade nos interlocutores, que planejam, de forma gélida a morte do agente penitenciário”.
Nordeste Notícia
Fonte: Diário do Nordeste