Buenos Aires. A Câmara dos Deputados da Argentina aprovou, ontem, por 129 votos a favor, 125 contra e 1 abstenção o projeto de lei que descriminaliza o aborto, em uma sessão histórica que durou cerca de 22 horas e meia. De acordo com o projeto, o aborto poderá ser feito até 14 semanas de gestação.
Depois deste prazo, a interrupção da gravidez só poderá ser realizada em casos de estupro, se representar um risco para a vida e a saúde da mãe e também se o feto tiver alguma malformação “incompatível com a vida extrauterina”. A votação terminou com aplausos dos deputados que defendiam a interrupção voluntária da gravidez. O texto segue agora para o Senado.
Terminada a votação, do lado de fora do Congresso, mulheres, em sua maioria jovens, se abraçaram e choraram com o resultado. Marita Perez conta que passou a noite dormindo com três amigas em uma barraca e disse que não esperava a aprovação.
“Até o último momento achava que não íamos conseguir”, disse a jovem. Segundo ela, as manifestações vão continuar.
“O desafio agora é convencer os senadores que são mais conservadores a votar pela descriminalização do aborto”.
Frio
Milhares de argentinos viraram a noite na praça em frente ao Congresso, para acompanhar a votação, na Câmara dos Deputados. Todos estavam preparados para enfrentar o frio de 5 graus: fizeram fogueiras, montaram barracas e dançaram, ao som de tambores, pedindo aos legisladores o direito a um “aborto livre, gratuito e seguro”.
A sessão começou na quarta-feira (13) e, até o fim da noite, havia um empate entre os deputados que discursaram a favor e contra a legalização do aborto.
Do lado de fora do Congresso, ativistas dos dois lados ocupavam a praça e defendiam sua posição pacificamente.
Segundo as estimativas, 500 mil abortos clandestinos são feitos todos os anos na Argentina.
Cerca de 60 mil resultam em complicações e hospitalizações. E muitas mulheres – a maioria pobres ou do interior – morrem por causa de abortos mal feitos.
Próximo passo
Os dois líderes das bancadas com mais parlamentares no Senado argentino, Miguel Piccheto, peronista, e Luis Naidenoff, da União Cívica Radical, disseram que suas bancadas devem votar unidas a favor da legalização do aborto. Apesar de ter um perfil mais conservador que o da Câmara de Deputados, tem havido uma mudança no Senado nos últimos tempos.
Devido ao desgaste da aprovação de Mauricio Macri (foi de 58% em outubro para 35%), a ala peronista não kirchnerista, ou seja, a mais aliada ao governo, tem se desprendido da administração do presidente e voltando a aliar-se com a ala kirchnerista, mais à esquerda, e votando junto com a oposição.
“O Senado tem que se responsabilizar pela demanda dos cidadãos e legislar realidades. O aborto não é uma questão de fé, e sim de saúde pública”, disse Luis Naidenoff.
A Argentina, país do papa Francisco e de forte influência da Igreja católica, foi pioneira na América Latina em aprovar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas a questão do aborto nunca havia sido discutida no Parlamento. A discussão no Senado também se anuncia complicada e independente das afiliações políticas.
Atualmente, na Argentina, o aborto é permitido apenas em caso de estupro, ou de risco para a vida da mulher.
Paralelo
Como está o debate sobre o tema no Brasil
No Brasil, o tema será debatido nos dias 3 e 6 de agosto em audiência pública convocada pela ministra do STF Rosa Weber. Os debates deverão auxiliar a ministra na elaboração de seu voto sobre a questão, que ainda não tem data para ser julgada.
Rosa Weber é relatora de uma ação protocolada no ano passado, na qual o PSOL questiona a constitucionalidade de artigos do Código Penal que preveem pena de prisão para mulheres que cometem aborto nos casos não autorizados por lei. Atualmente, o aborto só é permitido em caso de estupro, fetos anencéfalos ou para salvar a vida da gestante.
Para a oposição e grupos feministas, a mudança foi uma manobra das bancadas evangélica e católica para reforçar a proibição do aborto. O texto ainda tramita no Congresso.