O primeiro salvo conduto do Estado do Ceará para o cultivo doméstico da maconha (Cannabis sativa l.), com fins medicinais para um paciente tetraplégico, foi concedido na última quinta-feira (15) pela juíza Maria das Graças Almeida de Quental, da Vara de Execuções de Penas Alternativas e Habeas Corpus. O pedido foi requerido pelos advogados Jordana Sales, Emílio Figueiredo e Ricardo Nemer, ambos ativistas da Reforma da Política de Drogas, e pelo estudante de Direito Ítalo Coelho de Alencar, ativista da Marcha da Maconha de Fortaleza.
A história que culminou na concessão, porém, é longa. Segundo a decisão, em janeiro de 2005, o paciente Rodrigo Albuquerque sofreu um acidente cuja consequência foi um quadro de tetraplegia. Após receber o diagnóstico, ele submeteu-se a cirurgias e sessões de fisioterapia, mas, as intervenções não foram bem sucedidas em amenizar os espasmos e as dores constantes.
Consta no processo que os medicamentos prescritos, dentre eles, dormonid, tramal e clonazepam, além de não surtirem os efeitos desejados, provocavam também efeitos colaterais como fadiga e náusea. Conforme os autos, somente no ano de 2013 o paciente sentiu alívio pela primeira vez desde o acidente. Após fazer uso de maconha, ele sustenta que as dores sumiram e os espasmos foram interrompidos. Então, seguiram-se consultas a médicos especialistas que avaliaram que alguns medicamentos poderiam ser substituídos, ou até excluídos, caso fosse possível fazer uso de algum tipo de maconha, com percentuais de substâncias canabinoides que suprissem a necessidade de tais medicamentos.
Anvisa
A partir de então, iniciou-se a tentativa de conseguir, junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), autorização para a compra de um medicamento com extratos de cannabis em sua fórmula. Porém, mesmo com a autorização, o uso do remédio era inviável devido ao custo alto, somado às taxas de importação e frete.
Finalmente, o paciente buscou apoio jurídico de ativistas pró-legalização para tentar obter autorização judicial para o plantio doméstico da maconha, em prol do uso terapêutico. Em maio deste ano, os advogados de Rodrigo ingressaram com o habeas corpus, sendo as autoridades coatoras o Delegado Chefe da Polícia Federal no Ceará, o Delegado Chefe de Polícia Civil do Ceará e o Comandante da Polícia Militar do Estado.
O Ministério Público do Ceará (MPCE) emitiu parecer favorável a concessão do pedido. Ao analisar o caso, a juíza autorizou a utilização da substância até a regulamentação final pela Anvisa. Determinou ainda a abstenção das autoridades citadas de realizar a prisão em flagrante dele em razão do cultivo.
A magistrada concedeu o salvo conduto, mas determinou “a adoção de cautelas para salvaguardar o caráter da terapia individual, de forma a impedir o acesso de terceiros ao vegetal e aos seus extratos, plantio caseiro e em proporção que indique tal condição, extração artesanal e utilização restrita ao primeiro paciente, que não inclui o uso recreativo da planta”.
A juíza salientou ainda que “a impetração de que se cuida possui como pauta o receio dos pacientes de sofrerem coação ou ameaça de coação às suas liberdades individuais em razão da situação concreta narrada. O remédio constitucional tem, portanto, o escopo de garantir a consecução do direito fundamental à saúde, à vida digna e à liberdade”, destacou a magistrada. Maria das Graças Quental levou em consideração ainda dispositivos constitucionais que dispõem sobre “os direitos à saúde, à liberdade e à vida”.
Rodrigo Albuquerque destaca que a decisão é importantíssima para seu tratamento e que ela impacta diretamente na sua melhora. “Como não tinha respaldo jurídico, a cannabis era adquirida em um mercado paralelo. Com essa decisão, posso plantar no conforto da minha casa e sem precisa me envolver com o tráfico de drogas. Vou saber exatamente o que estou plantando, e assim, evitar consumir um produto com propriedades modificadas”, afirma ele, que antes do uso da maconha usava 14 medicamentos diários e agora consome nove comprimidos.
Primeiro
Já Janaína Sales, uma das advogadas do caso, aponta que decisão é inédita no Brasil. Segundo ela, Rodrigo é o primeiro brasileiro a ter garantido por lei o direito de cultivar a cannabis em sua residência com fins medicinais. “Um outro caso ocorreu no Rio de Janeiro, mas foi liberado para uma criança. É uma decisão que pode abrir novas discussões e colocar o País em um novo momento sobre este tema. Agora, ele pode plantar e utilizar sem correr risco de ser preso”.
Para Rossana Brasil, presidente da Comissão de Políticas Públicas sobre Drogas (CPPD) e membro do Movimento Brasil Sem Drogas, é preciso distinguir a maconha medicinal e a de uso recreativo. “O paciente precisa de uma substância do cannabidiol, que são 432 substâncias. Se ele precisa de uma só substância, aí tudo bem. Mas tem que ter o laudo médico e liberação da Anvisa. Nós não somos contra a liberação do cannabidiol quando é preciso, mas sem o laudo médico, é imprudência do Judiciário liberar (a autorização)”, explica a presidente do CPPD. (Colaborou Bárbara Câmara)
Fonte: Ipuonline.net