Em sessão realizada na tarde desta terça-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por 3 votos a 1, pela revogação do habeus corpus concedido ao goleiro Bruno Fernandes de Souza pelo ministro Marco Aurélio de Mello no começo do do ano. O relator do caso foi o novo ministro Alexandre de Moraes, que assumiu a cadeira no STF em março após a morte de Teori Zavascki e votou a favor do retorno de Bruno à prisão.
A decisão foi tomada após um pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para que o atleta voltasse a cumprir sua pena em regime fechado. Mello, que havia assumido temporariamente o lugar de Teori, foi o responsável por conceder a liminar de soltura ao goleiro no fim de fevereiro e acabou sendo voto vencido na sessão do Supremo. Ele divergiu de seus colegas em pontos que explicam o novo pedido de prisão para Bruno e, ao mesmo tempo, expõem contradições da Justiça brasileira – Rosa Weber e Luiz Fux acompanharam o relator e também votaram pela derrubada da liminar que mantinha o jogador do Boa Esporte em liberdade.
1. Prazo de prisão preventiva
A defesa de Bruno entrou com pedido no STF pelo fato de o julgamento do recurso à sentença em primeira instância se arrastar no Tribunal de Justiça de Minas Gerais há quatro anos, prazo considerado excessivo por muitos juristas. Esse foi o argumento utilizado por Marco Aurélio Mello para soltar o goleiro. Assim como ele, as cadeias brasileiras têm mais de 300.000 presos provisórios aguardando sentença em segunda instância. Entretanto, Rodrigo Janot e Alexandre de Moraes entendem que a demora no julgamento do recurso é natural, “pela complexidade do processo”, e que a defesa de Bruno contribuiu para atrasar o rito processual com a interposição de recursos na Justiça.
Alexandre de Moraes
Não há excesso de prazo atribuível direta e exclusivamente à inércia dos órgãos judiciários.
Luiz Fux
Não se dá liberdade provisória a crime hediondo. Casos como esse merecem um tratamento diferenciado.
Marco Aurélio Mello
Nada justifica uma prisão preventiva durar seis anos e sete meses.
2. Personalidade de Bruno
Outro trunfo dos advogados do goleiro era seu bom comportamento dentro e fora da prisão. Para os defensores, ele não oferece risco à sociedade. Entretanto, tanto a Procuradoria Geral da República quanto a maioria dos ministros discordam da tese, sobretudo Alexandre de Moraes, que citou suposto envolvimento de Bruno com o tráfico de drogas, devido a sua amizade com o traficante Nem da Rocinha.
Alexandre de Moraes
O Tribunal do Júri salientou que o réu demonstrou ser pessoa fria, violenta e dissimulada. Há informações nos autos de que tinha envolvimento com o tráfico de drogas e na face obscura do mundo do futebol.
Marco Aurélio Mello
[Bruno] é réu primário e tem bons precedentes.
3. Soberania do júri
Bruno foi condenado em 8 de março de 2013 a 22 anos e três meses de prisão pelo assassinato da modelo Eliza Samudio, com quem teve um filho, por júri popular (um conjunto selecionado de cidadãos participa do julgamento). De acordo com a maioria dos ministros do Supremo, a decisão do júri popular precisa ser respeitada. Mello, por sua vez, questionou o tribunal do júri por supostamente traçar um perfil psicológico do goleiro com base em análises subjetivas.
Marco Aurélio Mello
Deveria ter sido feita uma perícia para se comprovar a personalidade do réu.
Luiz Fux
O senhor [Marco Aurélio Mello] não é o tribunal do júri.
Alexandre de Moraes
A prisão cautelar foi mantida em sentença condenatória devidamente fundamentada e em respeito à soberania dos veredictos do tribunal do júri.
4. Julgamento midiático
Segundo Lúcio Adolfo, um dos advogados de Bruno, a única coisa que pesa atualmente contra o goleiro é “a intensa repercussão da imprensa”. Ao defender sua decisão que determinou a soltura do atleta, Mello seguiu a mesma linha, alegando que a pressão popular não pode ser parâmetro para a consumação de abusos da Justiça, como qualificou o extenso prazo da prisão preventiva de Bruno. Sua argumentação, porém, não foi suficiente para convencer os colegas a manterem o goleiro em liberdade.
Luiz Fux
O corpo [de Eliza Samudio] não foi encontrado. Não são fatos da mídia. São fatos gravíssimos que constam nos autos do processo.
Marco Aurélio Mello
Não podemos julgar a partir do clamor social. A sociedade está indignada com a corrupção que assola o país e quer sangue, vísceras, e não o devido processo legal.