Divulgado nesta terça-feira, o aguardado estudo Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) revela o panorama da educação brasileira em uma conta que, aparentemente, não fecha.
A avaliação, que testa alunos de 15 anos em 70 países, mostrou que o gasto acumulado do Brasil por aluno foi de US$ 38.190 por ano, ou seja, o equivalente a 42% da média de US$ 90.294 de investimento feito por estudante em países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), responsável pelo levantamento. O Pisa é considerado a avaliação educacional mais importante do mundo.
Em 2012, última versão do estudo, essa proporção correspondia a 32%. Esse salto de 10%, no entanto, não se refletiu em uma melhora efetiva no ensino.
Na realidade, o Brasil continua nas últimas posições nas três áreas avaliadas. Em Ciências, que era o foco do estudo recém-divulgado, o país ficou em 63º lugar (estava em 59º em 2012, quando havia 65 países analisados), caindo de 405 para 401 pontos ─ apesar de não indicar uma mudança estatisticamente significativa ─ e ficando na frente apenas de Peru, Líbano, Tunísia, Macedônia, Kosovo, Argélia e República Dominicana.
Singapura, Japão e Estônia ficaram no pódio dessa disciplina.
“Se considerarmos os nossos resultados em Ciências, atingimos 401 pontos, enquanto que os alunos dos países da OCDE obtiveram uma média de 493 pontos. É uma diferença que equivale a aproximadamente ao aprendizado de três anos letivos”, destaca Mozart Neves Ramos, diretor de Articulação e Inovação do Instituto Ayrton Senna.
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Textos e contas
Em Leitura (texto/linguagem), o Brasil caiu de 55º para 59º, perdendo três pontos. Na terceira e última matéria avaliada, Matemática, o cenário é ainda mais duro: o país caiu 14 pontos e despencou da 58ª para a 65ª. posição, sendo o último país da América Latina neste ranking.
Outros países da região, inclusive, investem por aluno a mesma quantia ou até menos do que o Brasil, mas tiveram resultados melhores em 2015.
O Chile, por exemplo, tem um gasto semelhante ao brasileiro (US$ 40.670, ou seja, cerca de US$ 2 mil a mais por ano) e obteve uma pontuação bem melhor (477 pontos) em Ciências.
Colômbia, México e Uruguai também ficaram na frente do Brasil, apesar de terem tido um menor custo médio por aluno.
“O desempenho dos alunos no Brasil está abaixo da média dos alunos em países da OCDE nas três áreas. Aumentos no investimento em educação precisam agora ser convertidos em melhores resultados na aprendizagem dos alunos”, afirma o relatório do Pisa.
Mas o que o Brasil precisa fazer para sair da estagnação e evitar ficar abaixo inclusive de países que investem menos por aluno?
Os especialistas ouvidos pela BBC Brasil apontam algumas possíveis soluções:
- Investir mais, com complemento da União se necessário
- Valorizar o professor, tornando a carreira mais atrativa
- Rever a maneira como as disciplinas são ensinadas
Foco no professor
Para a diretora global de Educação do Banco Mundial, Claudia Costin, que dá aulas na prestigiada Universidade de Harvard, nos Estados Unidos (e foi secretária municipal de Educação do Rio de Janeiro), todos os caminhos de avanço passam pela valorização do professor.
“Deveríamos nos inspirar no que a Finlândia fez há 35 anos, quando estava patinando na educação apesar dos esforços: tornar o curso de professores profissionalizante. Hoje no Brasil, a nossa faculdade (de Pedagogia) é excessivamente centrada nos fundamentos, como Sociologia e História da Educação, e muito pouco em como você ensina na prática.”
Em paralelo, Claudia defende a valorização do professor, a começar por um aumento de salário, que permitiria ao docente se dedicar mais à escola, entre outros incentivos.
“Nesse ponto, infelizmente, a PEC 55 (que limita o teto dos gastos públicos à inflação do ano anterior) deve atrapalhar. Porque congelar a forma como gastamos hoje não vai resolver o problema dos salários.”
Mas, para ela, o desafio não passa somente por um salário mais atraente, mas também em elevar os requisitos para alguém se tornar um professor.
“Isso atrai gente mais qualificada. Fazendo o pacote completo, e não só com o acréscimo no salário, se atrai uma nova geração de jovens que querem ser professores”, afirma Claudia.
Mais investimentos
Para Maria Rehder, coordenadora de Projetos da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (que reúne organizações da sociedade civil em prol da promoção da qualidade do ensino), embora tenha crescido entre as duas avaliações do Pisa, o investimento brasileiro em educação ainda é “muito insuficiente”.
Além de ressaltar o fato de que o Brasil direciona menos da metade do que a média dos países da OCDE, a especialista cita outra comparação sobre por que o governo precisa investir mais dinheiro na educação.
“A maior nota do Enem em São Paulo em 2011 foi do colégio Objetivo Integrado, que não é dos mais caros da rede privada. A mensalidade era de R$ 1.800. No mesmo ano, o valor repassado pelo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) foi inferior a R$ 240 mensal por aluno”, diz.
“Então como dizer que dinheiro não faz diferença? A Coreia do Sul, sempre citada como exemplo de qualidade, gasta, por aluno, três vezes mais que o Brasil; a Finlândia, quatro vezes mais.”
Assim como a diretora do Banco Mundial, Maria também se mostrou preocupada com as consequências da PEC 55.
“É preciso manter um patamar mínimo de investimento. Se a arrecadação não for suficiente, a União tem de complementar, seja com royalties do petróleo, com taxação a grandes fortunas.”
Menos decoreba e mais raciocínio
“É preciso rever o que ensinamos, especialmente no Fundamental II (6º ao 9º ano), com uma reforma para termos menos disciplinas e para ensinar o aluno a pensar”, a professora de Harvard Claudia Costin, diretora global de Educação do Banco Mundial e ex-secretária municipal de Educação do Rio.
“Pensar matematicamente, por exemplo, que é muito mais do que ensinar um algoritmo e fazer 40 exercícios iguais. É raciocinar e aplicar os conceitos – de Ciências, por exemplo – em problemas do dia a dia.”
Nas três disciplinas, os alunos brasileiros se saíram melhor em questões que envolviam a explicação de conceitos, mas foram mal em questões mais elaboradas, sobre a aplicação prática deles, ou nas que exigiam interpretação de informação e relacionar dados.
Escolas ocupadas
Essas informações, na opinião de Maria Rehder, apontam para uma maior necessidade de se debater a reforma do Ensino Médio e valorizar a opinião dos alunos.
“É crucial ouvir os estudantes das mais de mil escolas brasileiras ocupadas. O Pisa deixou claro que o aluno quer mudanças, quer receber conhecimento não de forma verticalizada e quer (e precisa) de informação contextualizada. Caso contrário, ele não vai conseguir aplicar os conceitos e teorias, nem em avaliações e nem na vida prática.”
Em pesquisa com os alunos, o Pisa identificou que, segundo eles, menos da metade dos professores se adapta à classe conforme o conteúdo é passado. “O modelo atual não dá voz ao aluno.”
Segundo Maria, vale lembrar que o Pisa reflete o cenário educacional do ano anterior. Assim, ela espera notas ainda mais baixas para o Brasil na próxima avaliação da OCDE. “Congelando investimentos, colocamos em risco a valorização do professor e a criação de infraestrutura mínima nas escolas.”