O Supremo Tribunal Federal (STF) tem tomado decisões inédias contra políticos atingidos pela operação Lava Jato. Foi o caso da prisão do senador Delcídio do Amaral (sem partido-MS), no ano passado, e da decisão de afastar o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) de seu mandato e da presidência da Câmara.
Esses dois exemplos, porém, não significam que a corte atenderá aos pedidos de prisão apresentados pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente do Senado, Renan Calheiros, o ex-presidente José Sarney, o senador Romero Jucá, presidente do PMDB, e Cunha.
Para especialistas ouvidos pela BBC Brasil, há fatores políticos e jurídicos que tendem a dificultar a prisão dos peemedebistas. Eles ressaltam, porém, que o conteúdo da solicitação de Janot não foi tornado totalmente público e que a decisão do Supremo dependerá da consistência dos argumentos apresentados para justificar a necessidade de deter os quatro.
Pelo que foi tornado público até agora, o pedido teria como base indícios de que eles agiram para atrapalhar as investigações da operação Lava Jato.
De acordo com o jornal O Globo, no caso de Jucá, Renan e Sarney esses indícios estariam revelados nas gravações de conversas particulares feitas em março por Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, empresa subsidiária da Petrobras – os diálogos indicariam que eles “planejavam derrubar toda a Lava Jato”, segundo fonte ouvida pelo jornal.
Já no caso de Cunha, segundo a Folha de S.Paulo, Janot avalia que, mesmo afastado de seu mandato, o deputado continuou tentando atrapalhar as investigações contra ele na Justiça e no Conselho de Ética da Câmara, que discute sua cassação.
Os quatro peemedebistas reagiram, em notas, ao pedido de prisão. Renan destacou que a medida é “desarrazoada, desproporcional e abusiva”. Jucá, por sua vez, se disse vítima da gravação de Machado e classificou o pedido de Janot como “absurdo”.
Sarney afirmou estar revoltado: “Jamais agi para obstruir a Justiça. Sempre a prestigiei e fortaleci”. Cunha, por sua vez, acusou Janot de agir “visando a constranger parlamentares que defendem a minha absolvição (no processo do Conselho de Ética) e buscando influenciar no seu resultado”.
A questão do flagrante
Um dos fatores que dificultam a prisão de Renan, Jucá e Cunha é que a Constituição garante que parlamentares só podem ser presos em flagrante, observa Alberto Zacharias Toron, advogado criminalista com atuação frequente no STF.
No caso de Delcídio, a Procuradoria-Geral da República argumentou que havia uma ação criminosa continuada do senador no sentido de obstruir as investigações da Lava Jato. Com isso, convenceu o STF de que se tratava de um flagrante, já que haveria um crime permanente.
A principal prova apresentada foi a gravação de um diálogo entre Delcídio e Bernardo Cerveró, filho de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras preso pela Lava Jato.
Na conversa, gravada pelo próprio Bernardo, o senador tentava convencer o ex-diretor da estatal a não fechar acordo de delação premiada – mecanismo pelo qual o acusado concorda em ajudar os investigadores em troca de penas mais brandas.
“É altamente questionável que ele foi preso em flagrante, porque ele foi preso depois da conversa. Não havia nenhum crime permanente a justificar (a prisão)”, argumenta Toron.
Força política
Além de restringir a possibilidade de prisão ao flagrante, a Constituição também prevê que a prisão de um parlamentar, para ser mantida, precisa ser referendada por seus pares.
No caso de Delcídio, a maioria dos senadores aprovou a decisão do STF. No entanto, analistas ouvidos pela BBC Brasil acreditam que seria mais difícil isso se repetir agora.
Para Antonio Lavareda, professor de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Renan e Jucá têm mais poder de negociação.
O primeiro, avalia, por ser presidente do Senado; o segundo, por presidir o partido que acaba de assumir a Presidência da República “e que parece que a ontinuará ocupando por mais dois anos e meio”. Delcídio, lembra, era líder de um governo em decadência.
“Acho que o Senado só corroboraria uma eventual decisão do Supremo nessa direção se viesse a surgir alguma evidência tão contundente como a gravação do episódio do Delcídio. O que é conhecido da conversa com Machado tem um nível de gravidade bem menor.”
Maria Hermínia Tavares de Almeida, professora de Ciências Políticas da USP, tem opinião semelhante.
“Acho difícil que o Supremo aprove isso (as prisões). É uma coisa muito grave, e portanto tem que estar apoiado em provas muito sustentáveis. Em segundo lugar, abre-se um processo bastante complicado nas duas Casas (Senado e Câmara), e são parlamentares que têm lugar de liderança”, observa.
Na visão da professora, parece mais provável que Cunha seja cassado por decisão dos deputados. O processo contra o peemedebista no Conselho de Ética da Câmara deve ter um desfecho ainda este mês – ele e seus aliados têm trabalhado intensamente para tentar evitar a cassação.
Para o presidente da Associação Juízes Pela Democracia, André Augusto Bezerra, seria “menos grave” para o Supremo decidir prender Cunha após sua eventual cassação, pois nesse caso ele já teria perdido o mandato parlamentar.
“Essa situação como um todo (dos pedidos de prisão de parlamentares) gera preocupação porque você está falando de certos agentes públicos, que certo ou errado, têm a legitimidade do voto. A sociedade os elegeu. E aí você vê o Judiciário interferir diretamente no resultado das eleições. Com a prisão, você vai tirar um agente público do cargo que foi eleito.”
Gravações de conversas são provas?
Outras controvérsias envolvendo o caso de Renan, Sarney e Jucá envolvem as dúvidas sobre as gravações feitas por Machado servirem como prova de crimes.
Segundo a imprensa, ele gravou as conversas e as entregou à Procuradoria como parte de seu acordo de delação premiada. Para alguns juristas, se isso foi combinado previamente com a PGR, seria uma forma de forjar indiretamente um flagrante, o que pode tornar as provas nulas.
A Polícia Federal e o Ministério Público Federal só têm autorização para violar a privacidade de supostos criminosos e grampeá-los com autorização da Justiça. No caso de autoridades com foro privilegiado, esse aval deve partir do STF.
No caso de as gravações terem sido feitas de forma clandestina por um dos participantes da conversa, não há jurisprudência clara hoje sobre elas poderem ser usadas como prova.
Para Toron, isso depende do teor dos diálogos. Se na conversa o interlocutor mencionar um crime que cometeu no passado, o advogado acredita que isso pode ser investigado.
No entanto, se a pessoa comete um irregularidade ao ser provocada pelo interlocutor, como por exemplo discutir formas de intervir na operação Lava Jato, isso não poderia ser considerado crime, avalia.
Na sua visão, nesse caso incidiria o que o Supremo decidiu na súmula 145: “não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”, diz o texto.
“No que diz respeito às escutas, a conversa gravada por um dos interlocutores é válida, lícita. Agora, tem a questão do agente provocador. Se eu, em meio à conversa que é provocada por alguém que está fazendo uma delação, digo uma bobagem, aí é um caso típico de ação provocada. Então nesse caso incidiria a súmula 145 do STF e nós estaríamos diante de uma situação de impossibilidade do crime”, argumenta o advogado.
Toron considera que as gravações, pelo que foi divulgado até agora, não trazem elementos suficientes para decretação da prisão e ressalta que a detenção durante o processo, ou seja, antes de uma condenação, é uma medida considerada excepcional pela jurisprudência do STF.
“A impressão que tenho é que o Janot, para fazer o pedido de prisão, deve ter outros elementos que a gente não conhece. Porque se for só o que nós sabemos, os fragmentos de conversa, realmente me causa profunda estranheza que se queira impor a prisão a eles.”
Nordeste Notícia