O que Anderson Silva, José Aldo e Renan Barão têm em comum? Todos são brasileiros, ex-campeões do UFC e lutadores de ponta do UFC. Um pensamento rápido expõe os pontos de interseção; entretanto, uma análise do cartel deles mostra algo que também acontece com lutadores estrangeiros deste quilate e até com outros atletas canarinhos, como Junior Cigano e Glover Teixeira: após um longo período de invencibilidade, há uma queda de rendimento nos combates seguintes, uma dificuldade em reconstruir o caminho com a mesma eficiência e brilhantismo.

Wanderlei Silva, na época do Pride, brilhou intensamente no evento japonês. Ficou invicto durante 17 confrontos em quatro anos, até ser superado por Mark Hunt, peso-pesado, com o dobro do seu tamanho. Ele acredita que, quando um lutador é campeão e domina o topo por muito tempo, ele é mais estudado e, portanto, fica com o jogo mapeado.

– É difícil apontar só um motivo, uma só razão para isso acontecer. Mas você falando agora… Realmente aconteceu com vários lutadores, inclusive comigo. A pressão conta muito. Não podemos errar, não somos máquina. Somos pais, irmãos, treinadores e alunos. Somos vários em um só, e essa pressão que os fãs também colocam afeta um pouco. E do outro lado tem um cara tão bom quanto você. Eu acho que é a junção de tudo isso, mais o fator treino. Quando o cara sobe muito, é mais estudado. Todo mundo acha o seu jogo. Acharam o meu, o do Shogun, o do Anderson. Esse esporte é punk! – declara o “Cachorro Louco”, em entrevista ao Combate.com.

Comentarista do canal Combate, Luciano Andrade também não acha que haja um fator único para elucidar a questão. E, em relação aos brasileiros citados, vê diferentes explicações para cada caso, desde a idade avançada até o abalo da confiança. Campeão dominante do peso-médio e recordista de defesas de cinturão – dez, no total -, Anderson Silva perdeu para Chris Weidman em 2013. Desde então, o veterano amargou novo revés para Weidman (no fatídico duelo em que quebra a perna), para Michael Bisping e para Daniel Cormier – luta que aceitou fazer no UFC 200, na semana do evento, em julho de 2016.

– Eu sempre achei que o Chris Weidman tinha o jogo certo para derrotar o Anderson, não da maneira que foi, mas da forma que ele estava vencendo a segunda luta. Posteriormente, o Anderson entrou em decadência física, o que é normal, perdeu reflexos, velocidade, agilidade. Estava entrando na idade que o corpo não estava respondendo mais como antes. Ele até demorou a chegar a essa decadência, pois estava com uma certa idade quando decaiu.

Anderson Silva x Chris Weidman UFC 162 (Foto: Getty Images)

Com menos nome do que Anderson, mas uma dominância impressionante no peso-galo, marcada pela versatilidade de levar perigo aos adversários tanto pelo poder de nocaute quanto pela capacidade de finalização, Renan Barão foi frustrado por TJ Dillashaw, que o dominou durante cinco rounds – até vencer por nocaute técnico – em 2014. O potiguar se reabilitou em vitória contra o discreto Mitch Gagnon. Sete meses depois, recebeu a revanche contra Dillashaw e perdeu por nocaute técnico. A decisão de subir para o peso-pena rendeu uma derrota contra Jeremy Stephens e um triunfo contra Phillip Nover, resultados aquém da capacidade do atleta da Nova União.

– Acho que o motivo foi psicológico, sim, o Barão perdeu a confiança. Levou um atraso na primeira luta contra o Dillashaw e não se recuperou mais psicologicamente. Pode ser que se recupere, tem solução para tudo. Ele poderia evoluir em algumas coisas, melhorar o jogo, ser mais disciplinado estrategicamente, porque, às vezes, ele foi instruído de certa maneira e não seguiu as instruções. O motivo principal foi mental – comenta Andrade.

Diferentemente da situação de Barão, José Aldo, segundo o comentarista, não ficou abalado após o nocaute em 13 segundos imposto por Conor McGregor, em 2015. O brasileiro ainda venceu Frankie Edgar, no UFC 200, faturando o título interino, mas perdeu para Max Holloway, no UFC Rio 8, sábado. Luciano Andrade enxerga superioridade dos adversários como justificativa para as derrotas.

José Aldo Connor McGregor UFC 194 (Foto: Getty Images)

– A confiança do Aldo é a mesma. Ele perdeu para o McGregor, que tinha um jogo ruim para ele em pé. Não foi nenhuma surpresa, apesar de eu achar que o Aldo ganharia. Surpresa foi ter sido uma luta rápida. O McGregor é mais preciso, técnico e habilidoso em pé. Já contra o Holloway, méritos para o havaiano, que evoluiu a um ponto que poderia derrotar o Aldo. E o derrotou. Assim como o Aldo pode vencê-lo ainda. O Aldo ganhou o primeiro round tranquilamente, e o segundo foi equilibrado, pontuei para o Aldo. Não sei se daqui pra frente o psicológico dele ficará abalado, mas acho que não. O Holloway evoluiu a ponto de ser tão bom ou melhor que o Aldo. É só isso. Ainda acho que o Aldo vence todo o resto.

Um dos treinadores mais respeitados do mundo das artes marciais, Rafael Cordeiro, líder da Kings MMA, declara que cada lutador reage de uma forma ao tropeço – mas acha que o dissabor do revés é fundamental para a evolução dos atletas.

– Tem atleta que cresce na derrota, enquanto outros esmorecem. Perder é uma coisa importante na carreira de qualquer lutador. Todo lutador deveria perder um dia para saber como lidar, como reverter isso. O lutador só se reconhece como lutador no dia que perde. Cada um absorve de uma forma. Tem uns que, como posso dizer… ficam com pena de si mesmos, não conseguem dar a volta por cima. Quando você é campeão por muito tempo, todo mundo começa a estudar o seu jogo, você fica muitos anos na mesma batida, as pessoas sabem para que lado você vai andar, as coisas boas e as más que você faz. Todo mundo tem furos no jogo, não existe atleta 100% completo. Todo mundo tem falhas, mas uns escondem com agressividade, com boa defesa ou com contra-ataque.

A dinâmica do esporte, pródigo em criar novos talentos, é vista por Rafael Cordeiro como um fator para que a missão de reconstruir uma sequência invicta seja pouco frequente.

– Esse é um esporte que evolui a cada dia. Não é mistério para ninguém que há novos atletas, uma nova geração surgindo. Ficamos acostumados a ver sempre os nosso heróis vencendo. Ficamos mal acostumados, o público leigo ficou mal acostumado a ver esses caras sempre vencendo, mas a realidade é outra. Ali dentro são dois atletas preparados, não tem favorito. Favoritismo só serve para a bolsa de apostas. Quando fecha a grade, é 50% para cada lado. Esses que perderam têm muita lenha para queimar. Ficamos mal acostumados porque nossos lutadores venciam sempre.

AMERICANOS ENCARAM SITUAÇÃO SEMELHANTE

Os brasileiros passaram por momentos delicados após terem seus reinados interrompidos, mas isso não fica restrito a eles. Dois casos recentes no UFC se aplicam aos americanos Anthony Pettis e Ronda Rousey, ex-campeões dos leves e dos galos, respectivamente.

Autor de golpes acrobáticos e dono de um estilo plástico, o versátil Anthony Pettis vinha sendo apontado como um dos melhores lutadores peso-por-peso por especialistas – uma superluta contra José Aldo povoou o sonho de inúmeros fãs na época em que ambos dominavam suas divisões. “Showtime” não teve um longo reinado – embora desde a época do WEC fosse bem superior aos oponentes – bastou, no entanto, perder por pontos o cinturão para Rafael dos Anjos, em 2015, para amargar, depois, reveses para Eddie Alvarez, Edson Barboza e Max Holloway. Nos últimos dois anos, somou apenas uma vitória, contra Charles do Bronx, em 2016.

Ronda Rousey x Holly Holm UFC Austrália (Foto: AP)

Oriunda do Strikeforce, Ronda Rousey enfileirou rivais tanto no extinto evento quanto no UFC. Nenhuma adversária parecia ser páreo para “Rowdy” que, através da chave de braço, dava um desfecho rotineiro para seus embates – até ser nocauteada de forma avassaladora por Holly Holm, em novembro de 2016. Ficou reclusa, abalada psicologicamente e, ao voltar após 13 meses longe dos holofotes, perdeu em 40 segundos para Amanda Nunes.

Embora a fama de Ronda Rousey tenha transcendido as oito linhas do octógono, Marco Ruas, lenda do Vale Tudo, acredita que ela e Anthony Pettis possam ter se deixado levar pelos elogios e pela fama que construíram através de suas atuações no cage.

– O Pettis era novo, pode ter se deslumbrado e relaxado nos treinamentos. A Ronda foi muito sucesso, muita coisa em cima, acho que se acomodou. Tem muito lutador que não entende que o esporte é uma mistura de lutas, então começa a parar de fazer todas e começa a executar uma só. Tenho visto muitos atletas lutando só boxe, o que não dá certo. Tem que fazer de tudo e um pouco mais. Eles podem ter relaxado, o sucesso subiu à cabeça, a fama veio… É uma loucura esse negócio de fama. Se não tiver os pés no chão, o cara se acha Deus, acha que nocauteia todo mundo, que vence todo mundo. É aí que mora o perigo. Você nunca pode pensar assim, senão a derrota chega. É assim em vários esportes.

GEORGES ST-PIERRE: UM PONTO FORA DA CURVA

Se há lutadores que se abalam com uma derrota a ponto de, possivelmente, se aposentarem, como Ronda Rousey, há aqueles que fazem dela um marco para uma nova arrancada, como o ex-campeão peso-meio-médio do UFC, Georges St-Pierre. Embora ainda não fosse uma lenda do esporte em 2007, GSP sofreu uma das derrotas mais surpreendentes da história do evento. Ele perdeu por nocaute técnico para Matt Serra, no primeiro round, na edição 69. Dedicado ao extremo, o canadense trocou o abalo psicológico pela volta por cima: faturou o título meses depois ao finalizar Matt Hughes – para quem já havia perdido no UFC 50 -, e ainda bateu Serra por nocaute técnico um ano depois da zebra histórica. Nove adversários tentaram a sorte depois e foram despachados. O veterano se afastou do esporte quando ainda detinha o cinturão – ninguém o destronou.

UFC 158 Georges St. Pierre e JOe ROgan (Foto: Agência Getty Images)

De acordo com Marco Ruas, o estilo conservador de GSP ajuda a torná-lo menos vulnerável; além disso, o fato de ser um lutador cerebral o transforma em um estrategista, capaz de saber como ditar o andamento do combate.

– É um cara diferente, dedicado 100% aos treinos. Amigos meus, que o conhecem pessoalmente, dizem que ele é humilde, que o sucesso não subia à cabeça dele. É um cara que trabalha muito, que estudou as derrotas para reconquistar as vitórias. Tem lutadores que ficam traumatizados, que a cabeça pesa. Tem quem se abale e quem ganhe mais força depois de perder. Tem quem fique com raiva e treine dobrado. Ele é um estrategista, tem um estilo de ganhar por pontos, não se coloca em perigo. Está inteiro, saudável, não é à toa. Ele sabe fazer a transição, chuta, soca, leva para o chão, faz o ground and pound, sobe a luta, queda de novo… Ele sabe como ganhar uma luta. Falam que ele “amarra” a luta… P***, ele está ganhando. Em time que está ganhando não se mexe. As pessoas vão sempre criticar, mas ele vencia e ainda ganhava um dinheiro. É melhor do que ser guerreiro, valente e perder.

Fonte: Combate.com

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