A guerra civil assolava Angola e dividia a nação. Com o terror nas ruas, a família Dumbo não teve o que fazer com o pequeno Maurício Tchopi Dumbo. Em 1995, aos cinco anos, ele contraiu sarampo e não pôde se tratar adequadamente. As ervas dos curandeiros de Benguela não surtiram efeito e ainda criança ele perdeu a visão. Fugindo dentro do próprio país, era impossível pensar em futuro. Em 2001, porém, uma porta se abriu. Um convênio entre os governos angolano e brasileiro trouxe jovens para estudar no Brasil. Maurício, com 11 anos e analfabeto, ganhou uma nova chance e a abraçou. De lá para cá, nunca mais viu a família, mas aprendeu muito mais do que a ler e escrever.

Tornou-se advogado, conheceu o futebol de 5 e naturalizado desde 2014 veste verde e amarelo na Paralimpíada Rio 2016. Neste domingo, às 16h, contra a Turquia, Maurício terá mais uma chance de defender o Brasil. Ele não entrou em quadra na estreia vitoriosa sobre Marrocos, por 3 a 1, mas está realizado só de estar na Cidade Maravilhosa com a seleção.

– A sensação é incrível. É até difícil encontrar palavras. Eu já passei fome. Tive uma infância complicada, na guerra. Perdi meu pai no conflito. Chegava em casa de noite e minha mãe falava que não teria janta. Que não tinha comida. Aos cinco anos, contraí sarampo. E então fiquei cego. Andar pelas ruas para me tratar era perigoso. Poderia acionar uma mina terrestre. Os mais velhos ainda acreditavam em curandeiros, em ervas milagrosas. Mas não funcionou. Hoje, sou advogado, conheci o esporte no Brasil e disputo a Paralimpíada por uma seleção que é tricampeã paralímpica – conta Maurício.

Angola entrou em guerra em 1975, logo após a independência de Portugal. Foram mais de 500 mil mortos até 2002, quando o conflito chegou ao fim. Um ano antes, Maurício chegou ao Brasil com mais 15 jovens angolanos. Com tudo pago pelo governo de seu país, receberia a educação que a guerra o negou. Em Juiz de Fora (MG) ficou por apenas quatro meses. Ele garante que a instituição local tinha um diretor racista. Após denúncia, foram levados para Curitiba. No Instituto Paranaense de Cegos (IPC), tudo mudou. Alfabetizado em braile, o jovem ganhou novo fôlego e iniciou a faculdade de direito.

– Em Curitiba fomos recebidos como se estivéssemos em casa. Ali aprendi a ler e a escrever. E segui a minha vida. Sempre fomos muito bem tratados. Nunca faltou carinho. Abri um novo horizonte na minha vida – explica o angolano.

CALDEIRÃO DO HUCK E OUTRAS AJUDAS

Tudo caminhava bem para Maurício, que conheceu o esporte paralímpico em 2006. O jovem dividia os estudos com o futebol de 5 e logo se destacou. Em 2014, contudo, a ajuda de custo do governo de Angola chegou ao fim. Ele teria que interromper o curso de direito e voltar para a África. Mesmo sem ver a família desde 2001, o angolano não desistiu. Ao lado de outros amigos, buscaram ajuda. Receberam apoio do povo de Curitiba e de instituições de caridade. Ganharam roupas, comida e moradia.

O reforço não foi suficiente, e Maurício e outros sete amigos recorreram ao Caldeirão do Huck, da TV Globo. Foram parar no “Agora ou Nunca”. Habilidoso, coube ao jogador o desafio de marcar três gols em pequenas balizas. Objetivo cumprido, eles ganharam R$ 30 mil e conseguiram terminar os estudos. Formado, hoje o atleta trabalha no Tribunal de Justiça de Curitiba, e há dois anos é jogador da Associação Gaúcha de Futsal para Cegos (Agafuc), onde em 2015 foi eleito o melhor jogador e artilheiro do Brasileirão.

– Muita gente nos ajudou. Quando o apoio do governo de Angola acabou, não sabíamos o que fazer. Ainda tinha parte da faculdade pela frente e precisávamos encontrar uma forma de arcar com os custos. Aos poucos, conseguimos apoio, comida, até hospedagem. Então consegui me formar e continuar com a minha vida no Brasil – diz o jogador.

SONHO É REENCONTRAR A FAMÍLIA

Formado, Maurício tem a vida encaminhada. Namora, faz estádio no Tribunal de Justiça de Curitiba e após o corte de Gladson, na última semana, conquistou uma vaga na seleção brasileira de futebol de 5. A naturalização partiu dele mesmo. Com o corte de verba do governo angolano, cada estudante buscou uma forma de continuar aqui legalmente. Ele foi o único que buscou a retirada de passaporte brasileiro, já pensando também numa chance de jogar pelo país.

– Foi uma vontade própria minha. Aos poucos, passei a imaginar que seria possível me naturalizar e jogar pela seleção brasileira de futebol de 5. Esse era mais um sonho.E no ano passado eu consegui a naturalização. Já tinha o visto permanente para ficar no país, mas quis a naturalização. Quis me tornar brasileiro. Agora, sabia que era difícil e não iria para a Paralimpíada, mas uma chance se abriu e estou aqui, muito motivado e pronto – garante Maurício.

A continuidade no Brasil, todavia, teve o seu preço. Desde que deixou Benguela Maurício nunca mais esteve perto dos familiares. De 2001 a 2004, nem teve contato. Em 2005, os parentes o viram pela televisão quando o jovem participou de um grupo de cantores que se apresentou no aniversário do presidente José Eduardo dos Santos na capital Luanda. Mas, foi só em 2009 que o jogador passou a manter contato à distância. O irmão, que é da mesma igreja que Maurício, o reconheceu em um vídeo exibido durante um culto. Só ali o atleta descobriu que o pai havia morrido.

Hoje, a mãe segue a vida dura em Angola. Analfabeta, faz faxina para pagar suas contas. Sem encontrá-la desde que tinha 11 anos, Maurício não quer apenas o ouro na Paralimpíada. Seu sonho é tornar-se juiz de direito e no futuro trazê-la para morar no país ao seu lado, onde poderá ter uma vida melhor.

– É o meu maior sonho (ver a mãe). Não encontro com ela desde os meus 11 anos. Nos falamos por telefone, converso com meus irmãos. Quero trazê-los para cá, para que ela possa ter uma vida melhor. Tenho certeza que vou realizar isso – finaliza Maurício, que tem juntado o salário para no fim do ano reencontrar a mãe.

Fonte: Globoesporte.com

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