A doméstica Antônia Cilda, 57, agradece por ter a vida ligada a Santo Antônio de tantas formas. Nasceu em Caridade, a 97,8 km de Fortaleza, cujo padroeiro é ele, e recebeu o primeiro nome em homenagem ao santo. O pai também chamava-se Antônio. E, para completar, a cabeça de uma estátua inacabada do santo, erguida com 19 metros de altura há 35 anos em um monte na cidade, está a quilômetros de distância do “corpo”, na porta da casa dela.

“Fico feliz de morar na casa que tem a cabeça do Santo Antônio, e eu gosto daqui aqui porque é muito bom, sossegado. Me sinto até mais protegida, né, porque ele é nosso protetor. Se Deus quiser, enquanto eu for viva, eu quero continuar aqui”, afirma Cilda.

 

Antônia Cilda mora na casa que foi do engenheiro da obra, local onde foi montada a cabeça e onde ela permanece até hoje. — Foto: Reprodução/TVM
Antônia Cilda mora na casa que foi do engenheiro da obra, local onde foi montada a cabeça e onde ela permanece até hoje. — Foto: Reprodução/TVM

É entre o muro da casa 25, da Rua 102, do Bairro Conjunto Habitacional que descansa a cabeça desde que a obra foi paralisada em 1986, na gestão do então prefeito Raul Linhares. A ideia, na época, era construir a terceira maior estátua brasileira com a imagem de Santo Antônio, mas o dinheiro acabou, e a obra foi paralisada dois anos depois.

“A gente subia e descia lá no morro por causa da obra. Mas foi um tempo que a obra paralisou, dizendo o senhor prefeito que estava sem condições de construir. Aí paralisou tudo, ficou a cabeça aqui no conjunto e parou também lá no morro”, lembra Pedro Ferreira, 71, cujo pai vendeu cerca de três hectares do Morro do Serrote para que a prefeitura construísse a estátua.

Pedro Ferreira é funcionário público e viu de perto a construção da estátua de Santo Antônio. — Foto: Cadu Freitas/SVM
Pedro Ferreira é funcionário público e viu de perto a construção da estátua de Santo Antônio. — Foto: Cadu Freitas/SVM

A casa em que hoje vive Antônia Cilda na era do engenheiro da obra, que montou peça por peça a cabeça do santo com a ajuda de outros homens que moravam na cidade. Um deles foi o seu Antônio Barbosa, 74, que ainda mora na mesma rua e guarda na memória o processo de construção.

“Eu ajudava a fazer o cimento, e os outros a fazer a tela. A gente demorou cerca de seis meses pra terminar a cabeça e o corpo do santo que tá lá no morro, mas aí o prefeito disse que acabou a verba, e a obra parou aqui e lá no Serrote”.

 

De lá para cá, dez mandatos de prefeitos já se passaram, seis governadores já gerenciaram o Ceará, mas a cabeça continua exposta na rua.

Nova estátua prevista para 2022

 

Em julho deste ano, o governo do estado começou a construir um complexo religioso dedicado a Santo Antônio. O projeto prevê uma nova estátua e a transformação da antiga estrutura em um museu no Morro do Serrote. Serão investidos quase R$ 4,2 milhões na nova estátua, cuja imagem terá 36 metros de altura, elevador interno com quatro paradas, escadas e mirante no ombro da imagem.

Parte mais antiga da estrutura tinha 19 metros e foi cortada para abrigar um museu. — Foto: Divulgação/SOP
Parte mais antiga da estrutura tinha 19 metros e foi cortada para abrigar um museu. — Foto: Divulgação/SOP

Em nota, a Superintendência de Obras Públicas do Ceará (SOP) informou que a implantação está em fase inicial, com a execução de serviços de fundação e reforma da antiga estrutura. O projeto ainda inclui a urbanização do entorno, com pavimentação em piso intertravado, e construção de escadarias, rampas de acesso e estacionamento.

O tamanho da antiga estátua foi reduzido de 19 metros para 8,64 metros, com cortes manuais, para a construção do museu. O espaço será reformado e terá uma coberta que dará base à laje do empreendimento.

A previsão para conclusão da obra é 12 de maio de 2022, mas houve modificações no projeto e já se avalia que a entrega pode ser adiada.

Projeto do complexo religioso de Santo Antônio foi divulgado pelo governo do estado do Ceará. — Foto: Divulgação/Governo do Ceará
Projeto do complexo religioso de Santo Antônio foi divulgado pelo governo do estado do Ceará. — Foto: Divulgação/Governo do Ceará

“Por se tratar de uma obra complexa, já tem muita coisa feita, já executamos e estamos dando continuidade, principalmente nessas estruturas de concreto armado, alvenaria de pedra, que são os serviços iniciais dessa obra”, explica o técnico da construtora, Cisnando Neto. Após essa fase, os operários irão trabalhar na altura de acordo com o desenvolvimento do projeto.

Mas e a cabeça?

 

Para o coordenador de cultura do município, Matheus Belo, a cabeça de Santo Antônio “tem um peso cultural e histórico muito forte na cidade”. Segundo ele, com a chegada do complexo, “a cidade está tendo oportunidade de finalizar uma obra inacabada e aproveitar a repercussão em nível nacional e internacional para poder divulgar as inúmeras outras qualidades que possui”.

Cabeça da antiga estátua de Santo Antônio continua na rua e será parte de um museu a ser montado pela prefeitura. — Foto: Cadu Freitas/SVM
Cabeça da antiga estátua de Santo Antônio continua na rua e será parte de um museu a ser montado pela prefeitura. — Foto: Cadu Freitas/SVM

De acordo com a prefeita Simone Tavares (PDT), a ideia proposta para a rua onde a cabeça está é complementar ao projeto no morro. “Lá vai ser um museu, tem uma casinha, que é histórica, onde começou, onde a cabeça ficou, naquela casa foi dado o apoio total. Então a gente não se desfez dela. Aquela casa vai ser um museu, e a cabeça vai permanecer lá e vai ser um ponto turístico”, afirmou.

A casa foi adquirida pela prefeitura e, enquanto não é iniciada a reforma do museu, abriga a família de Antônia Cilda há nove anos. Ela quer continuar no local e até cria a neta por entre as frestas internas da cabeça de um santo inacabado.

Já para o seu Antônio Barbosa, que usou as mãos para cimentar o projeto que virou “causo” de fama internacional, a presença da cabeça não faz muita diferença.

“É verdade que eles querem deixar essa estrutura aí feita. Não é muito de serventia não, podia até ser tirada, já que estão fazendo a outra acolá [no morro], mas depende dos homens, da força maior de querer tirar ou não”, avalia.

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