Longe das salas de aula, os alunos do terceiro ano do ensino médio nas redes de educação pública e privada enfrentam desafios diferentes, mas compartilham frustrações no caminho rumo a uma vaga no ensino superior. A princípio, apenas alguns meses separam os estudantes do terceiro ano e as provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

No último dia 17 de abril, a Justiça Federal determinou que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) adeque o calendário e o cronograma das provas à realidade do atual ano letivo, alterado em razão da epidemia do novo coronavírus.

O Ministério da Educação (MEC), por sua vez, informou que irá recorrer à Justiça para tentar anular a decisão. As datas do Enem digital, porém, já foram adiadas; ao invés dos dias 11 e 18 de outubro, devem ser aplicadas nos dias 22 e 29 de novembro. Por enquanto, a modalidade impressa permanece nas datas originais: 1º e 8 de novembro.

Na rede pública de educação, para alguns, o primeiro obstáculo é a acessibilidade. Geovane Rodrigues, estudante do terceiro ano do ensino médio da Escola de Ensino Fundamental e Médio (EEFM) Santo Amaro, em Fortaleza, não possui computador em casa, e o acesso à Internet pelo celular é limitado. O aparelho apresenta problemas na tela, que dificultam a visualização.

“A escola traz o apoio, com temas voltados pro Enem, mas em casa eu não tenho tanto esse apoio. A minha mãe só estudou até o ensino fundamental e não pode me ajudar nisso. Eu tenho algumas apostilas, aí estudo por elas. Mas está sendo muito difícil”, relata.

O jovem de 19 anos acompanhava os conteúdos de aulas enviados pelos professores pelo WhatsApp. Com as falhas no aparelho, porém, ele teve que pedir o celular da mãe emprestado para acessar o material necessário e estudar. “Têm exercícios nas apostilas para a gente treinar o que já aprendeu. Eu estou fazendo assim”, diz.

Geovane deseja cursar Serviço Social ou Pedagogia na universidade. Para ele, começar os estudos à distância foi algo inesperado, e as aulas presenciais fazem falta.

“Infelizmente não adiaram [o Enem], e fica uma preocupação a mais pra quem está no último ano da escola e quer ingressar na faculdade”, conta o aluno.

Letícia Maranhão, de 17 anos, acompanha as aulas do colégio particular pelo computador. — Foto: Kid Junior/SVM

Letícia Maranhão, de 17 anos, acompanha as aulas do colégio particular pelo computador. — Foto: Kid Junior/SVM

Para a estudante Letícia Maranhão, de 17 anos, as preocupações são outras. A jovem é aluna do Colégio Farias Brito, e conta que assiste aulas ao vivo pelo canal da instituição no YouTube. As aulas são mais curtas e não é possível fazer perguntas aos professores, porém, segundo ela, com um espaço de estudo em casa, é possível acompanhar o conteúdo.

“É um pouco mais difícil de se concentrar, porque você tem que se disciplinar. A nossa apostila já é dividida por aulas, então é organizado. O colégio manda o roteiro sugerido do dia”, detalha. Ela acorda cedo pela manhã para estudar e fazer as atividades propostas, mantendo uma rotina similar àquela que tinha antes da suspensão das aulas.

Em relação ao Enem, ela conta que o nervosismo é inevitável. “Não tem o contato direto com o professor, nem o suporte físico da escola, com biblioteca, sala de estudos ou laboratório de redação, que a gente usava muito”, conta. A insegurança, segundo Letícia, vem de não saber se está estudando o suficiente em casa. “Mas dá pra administrar”, afirma.

Adiamento

O secretário executivo de Ensino Médio e Profissional da Secretaria da Educação do Estado (Seduc), Rogers Mendes, defende a recomendação de que o MEC reveja o cronograma de aplicação do Enem, a fim de recuperar tempo e conteúdo e evitar que os alunos se sintam prejudicados.

“A gente compreende que essa interação dos estudantes uns com os outros, estudando juntos, também é um fator importante de preparação. E há algumas instituições especializadas em avaliação propondo que o MEC e o Inep revejam esse cronograma, colocando para fevereiro [de 2021], que é tempo que a gente conseguiria restabelecer as atividades presenciais”, pontua.

Ele explica que, a fim de minimizar o desnível entre os alunos da rede pública e os da rede particular nesse período, a Seduc optou por não adotar a antecipação das férias escolares. Quando as aulas foram suspensas, segundo Mendes, a Secretaria ampliou uma parceria já estabelecida com a empresa Google, que oferece uma plataforma de aulas virtuais e possibilita a interação entre professores e estudantes ao vivo.

“A gente tem toda uma plataforma chamada Enem na Rede, que possui conteúdos que cobrem praticamente toda a matriz de referências do Enem. Estamos veiculando aulas todo dia em um canal de televisão, com foco no Enem, na perspectiva de diversificar o repertório para que ninguém se prejudique”, diz.

Além das plataformas já oferecidas, outras 12 cederam seus conteúdos didáticos à Seduc, após uma chamada pública feita pela Pasta. Assim, foram disponibilizadas videoaulas gravadas por professores, que podem ser acessadas pelos alunos a qualquer momento. Materiais impressos também estão sendo entregues em domicílio para alunos sem acesso à Internet. A logística, segundo o secretário executivo, é um pouco mais complexa, mas é a única forma de repassar o conteúdo em algumas escolas. “Não é o modelo ideal, há sim algum nível de prejuízo, mas a gente está fazendo esforço para minimizar substancialmente qualquer prejuízo nesse aspecto”, ressalta.

Em algumas unidades da rede particular, como o Colégio Farias Brito, as aulas são transmitidas online, ao vivo, todos os dias, e ficam disponíveis para que o aluno possa assistir novamente após a transmissão, no canal do Farias Brito no YouTube e pela plataforma FB Online. A carga horária corresponde à de sala de aula, conforme explica o professor Dawison Sampaio, que leciona a disciplina de História na instituição.

Para tirar dúvidas, os estudantes podem consultar os monitores das disciplinas pelo FB Online. “Nessa plataforma, o aluno pode montar um plano de estudos personalizado. Ele coloca lá quantos dias da semana e quantas horas pretende estudar. O sistema vai programando até a data prevista para o Enem”, detalha.

Projeto Salvaguarda

Uma iniciativa criada no Sudeste do país, em 2017, se assemelha ao serviço prestado internamente pelos monitores do colégio. O projeto Salvaguarda é voltado para alunos da rede pública de todo o Brasil e reúne, entre outras ferramentas, grupos de monitoria no WhatsApp para cada matéria de vestibular, que podem ser acessados por qualquer estudante através de links. Lá, voluntários graduados ou estudantes universitários de cada área específica se dispõem a esclarecer dúvidas

“O aluno chega no grupo e pergunta ‘tem algum monitor disponível?’. O primeiro que vir a mensagem se prontifica e chama no privado pra explicar”, detalha Vinicius de Andrade, de 25 anos, aluno da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP), da Universidade de São Paulo (USP), e fundador do projeto.

Outro recurso do Salvaguarda é dar orientações sobre como organizar os estudos. “O aluno de escola pública é muito pouco familiarizado com o vestibular, então ele não se enxerga nesse perfil de aluno estudioso. Para ajudar o aluno a começar a estudar, chamamos recém-aprovados em vestibulares para darem dicas, e tem para cada tipo de perfil. Como estudar mesmo trabalhando? Como estudar sem computador? É bem abrangente”, diz.

Para ter acesso às ferramentas do projeto Salvaguarda, basta entrar em contato com o fundador Vinicius de Andrade pelo WhatsApp, pelo número (16) 99390-7355, e informar o nome completo, idade, cidade, estado e o nome da escola onde estuda.

Por experiência pessoal e pelo contato com estudantes de diferentes partes do país, ele destaca a preocupação com a disparidade entre os alunos de escolas particulares – muitos dos quais já tinham contato prévio com plataformas de estudo online – e alunos da rede pública. A nova realidade do ensino a distância, segundo Vinicius, aumenta a desigualdade da competição por uma vaga no Ensino Superior.

Nordeste Notícia
Fonte: SVM

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