Os olhos do país se voltam para a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF). Caberá a ela o voto decisivo no julgamento do habeas corpus que tenta impedir a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, marcado para a próxima quarta-feira.
Condenado por unanimidade a mais de doze anos de cadeia pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), Lula argumenta no STF que não deve ser preso, pois a Constituição garante que todo réu é inocente até que se esgotem todos os recursos à disposição dele, situação definida no jargão jurídico como “trânsito em julgado”.
Embora a presunção de inocência esteja assegurada no inciso 57 do artigo 5º da Constituição, vários juristas afirmam que ela não entra em contradição com o início do cumprimento da pena, uma vez encerrado o julgamento pela segunda instância (no caso de Lula, o TRF-4).
Essa interpretação decorre da natureza dos recursos à disposição dos condenados a partir desse ponto. Tanto o recurso especial – ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) – quanto o extraordinário – ao Supremo Tribunal Federal (STF) – não examinam as provas ou a qualidade da decisão. Apenas contestam se ela é compatível com a Constituição (o extraordinário) ou com o resto da legislação (o especial).
Para nenhum dos dois recursos, está determinado que a execução da sentença deva ser suspensa durante a apreciação. É por isso que, até 2006, a interpretação corrente era que os réus começavam a cumprir pena assim que estivesse concluído o julgamento na segunda instância.
Depois do escândalo do mensalão, houve vários recursos ao STF argumentando que essa interpretação violava a cláusula do STF que estabelecia a presunção de inocência. Num julgamento encerrado em 2009, o Supremo estabeleceu, por sete votos a quatro, um novo entendimento, segundo o qual a pena só poderia começar a ser cumprida depois que a sentença transitasse em julgado (na ocasião, a ministra Cármen Lúcia foi um dos votos vencidos).
Tal entendimento valeu até fevereiro de 2016, quando o STF mudou novamente de opinião. Na ocasião, por seis votos a cinco, o tribunal autorizou o início do cumprimento da pena depois da decisão da segunda instância. Mas não determinou que isso fosse obrigatório. O critério foi deixado a cargo dos juízes das instâncias inferiores. Votaram a favor dessa nova orientação os ministros Teori Zavascki, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Gilmar Mendes. Foram contra os ministros Marco Aurélio, Celso de Mello, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Rosa Weber.
Um julgamento de outro habeas corpus em novembro de 2016, desta vez virtual, confirmou a decisão. Nesse, Rosa não votou. Desde que o plenário tomou essa decisão, ela examinou 58 habeas corpus que pediam a suspensão do cumprimento da pena depois de uma decisão de segunda instância. Em 57, ela negou o pedido, em respeito à decisão tomada no plenário.
Outros ministros, como Lewandowski e Marco Aurélio, têm adotado atitude diversa e concedido os habeas corpus, apesar da decisão colegiada. Isso gerou uma situação flagrantemente injusta, favorável aos condenados que dispõem de bons advogados, recorrem ao STF e têm a sorte de, no sorteio, cair com um ministro benevolente.
No final do ano passado, Marco Aurélio liberou para julgamento duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs 43 e 44) que argumentam em favor da mudança do entendimento, para determinar que as penas sejam cumpridas apenas depois do trânsito em julgado.
Fossem postas em votação, é provável que houvesse mudança não necessariamente para essa situação, mas talvez para determinar o cumprimento da pena quando esgotados os recursos no STJ. O ministro Gilmar Mendes, antes favorável à execução depois da segunda instância, mudou de opinião e hoje defende essa orientação, proposta em 2016 pelo ministro Dias Toffoli.
Para tentar evitar beneficiar Lula indiretamente e queimar ainda mais a imagem do STF, a presidente Cármen Lúcia preferiu levar à votação não as ADCs que propunham uma revisão geral do tema, mas apenas o habeas corpus específico da própria defesa de Lula. No último dia 22, o plenário passou horas decidindo se uma decisão era cabível e, no final, adiou-a para o próximo dia 4.
A decisão tomada terá, contra a intenção original da manobra de Cármen, implicações óbvias para além do caso de Lula. Se ele não for preso, todo advogado passará a usar seu habeas corpus como precedente para tentar garantir a liberdade de seus clientes. Para todos os efeitos práticos, teria sido melhor ter julgado as ADCs e estabelecido critérios objetivos para a execução das penas, de modo a acabar com a loteria dos habeas corpus.
Até que o STF decida seu caso, Lula poderá desfrutar o salvo-conduto que, marotamente, sua defesa conseguiu obter para mantê-lo fora da cadeia. Em teoria, embora seja improvável, bastaria um dos ministros pedir vista do caso na quarta-feira para que ele ficasse livre indefinidamente.
A maior incógnita é o voto de Rosa. Embora ela tenha declarado inúmeras vezes defender o cumprimento das penas apenas depois do trânsito em julgado, é possível que, no caso de Lula, tenha outra opinião. Por três motivos:
- Trata-se de uma aplicação específica de uma decisão já tomada em plenário, que ela tem respeitado nos julgamentos individuais ou na Primeira Turma – muito um novo julgamento no mesmo plenário a autorize a revê-la;
- Em alguns habeas corpus, Rosa acatou alguns argumentos usados dos defensores da prisão depois da segunda instância. O principal deles: o uso de recursos protelatórios para garantir a impunidade dos réus;
- Ela tem se alinhado com a ala do STF capitaneada por Barroso e Fachin, mais rigorosa nos julgamentos de corrupção derivados da Operação Lava Jato.
Mais de 3 mil juízes e procuradores assinaram um manifesto exigindo do STF a manutenção do entendimento atual e a permissão para as prisões depois da segunda instância. Infelizmente, ainda que a pressão surta efeito, a decisão de quarta-feira não encerrará a questão, pois permissão não é obrigação. Para outros condenados além de Lula, os critérios dependerão da loteria dos habeas corpus.
Fonte: G1.com